
“Penso que a função do artista
é lembrar às pessoas o que
elas escolheram esquecer.”
Arthur Miller (escritor americano 1915-2005)
Nos tempos atuais de turbulência política e de agitação social, a literatura, pode, como em tempos idos, ser uma poderosa ferramenta de resistência e de transformação. Hoje, num momento em que os Estados Unidos se debatem com uma polarização cada vez mais profunda, com desigualdades crescentes e uma erosão dos valores democráticos, os poetas e escritores americanos encontram-se numa posição única para combaterem a mensagem predominante de desespero que emana da atual administração. Através das suas palavras, podem fazer brilhar uma luz sobre a injustiça, inspirar a ação coletiva (que nunca foi tão necessária, pelo menos nos últimos 100 anos) e reacender a esperança num futuro mais radioso e mais equitativo. Aproveitando o poder da ficção narrativa e da poesia, os escritores americanos têm o potencial de atuar como guardiões da democracia e arquitetos da renovação de uma sociedade que necessita, urgentemente, de se cuidar e de se repensar.
A história americana é pontuada por momentos em que a literatura surgiu como um farol de esperança em tempos de escuridão. Desde os escritos abolicionistas de Frederick Douglass e Harriet Beecher Stowe até à poesia sobre os direitos civis de Langston Hughes e Maya Angelou, a literatura tem sido uma força vital no confronto com a opressão e na defesa da justiça. Nestas obras, o desespero nunca foi a palavra final; pelo contrário, transmitiram uma mensagem de resistência e um apelo ao ativismo coletivo. É que como escreveu Bell Hooks: “Em tempos sombrios, somos chamados a ter esperança e a sonhar de forma diferente, a imaginar alternativas.”
Os desafios que enfrentamos na América de hoje – desigualdade económica, racismo sistémico, alterações climáticas e ataques às instituições democráticas – exigem uma resposta literária. Os escritores podem usar os seus talentos para continuarem (porque alguns destes dilemas como sabemos não são novos) a expor as raízes destas crises e, audazmente, apresentarem-nos visões de resistência e de renovação. Num clima em que a desinformação se espalha mais rapidamente do que a verdade, a capacidade da literatura para destilar realidades complexas nas várias narrativas emocionalmente ressonantes é uma ferramenta essencial para combater o desespero e promover a esperança. Lutar para que sejamos, como escreveu Langston Hughes: “o sonho que os sonhadores sonharam – que a América seja essa grande e forte terra de amor.”
Uma das formas mais significativas dos escritores combaterem o desespero será lançando luz sobre injustiças que são frequentemente ignoradas ou obscurecidas. A narração de histórias, através de ficção, poesia, crónica ou ensaio, tem o poder de humanizar questões que, de outra forma, ficam na praça púbica como meros abstratos. Exemplifico, com, por exemplo, um romance sobre uma família deslocada pelas alterações climáticas pode transmitir a urgência da justiça ambiental de uma forma que as estatísticas não conseguem. Da mesma forma que um poema sobre a brutalidade policial pode captar o impacto emocional do racismo sistémico, estimulando os leitores a exigirem mudanças. Já a poeta Alice Walker o escreveu há vários anos: “A poesia é a força vital da rebelião, da revolução e da elevação da consciência.”
Escritores como Ta-Nehisi Coates, cujo Between the World and Me oferece um relato profundamente pessoal da experiência negra na América, e poetas como Claudia Rankine, cujo Citizen: An American Lyric examina os encontros quotidianos com o racismo, demonstraram o poder transformador da literatura quando expõe na escrita criativa as verdades que ainda incomodam muita gente. Estas obras não só educam, mas também inspiram os leitores a criarem um sentimento que cada vez é mais raro: a empatia, para não falarmos do envolvimento. Dando continuidade a esta tradição, os escritores contemporâneos podem amplificar as vozes das comunidades marginalizadas e desafiar as narrativas que perpetuam o desespero. Salman Rushdie alertou-nos para essa realidade, relembrando-nos que: “O trabalho de um poeta é nomear o inominável, apontar as fraudes, tomar partido, iniciar discussões, moldar o mundo e impedi-lo de adormecer.” O pior que poeria acontecer à América neste momento da sua história seria se as suas vozes da escrita criativa se adormecessem.
Além de expor a injustiça, a literatura pode servir como um grito de guerra para a ação coletiva. Ao longo da história, os movimentos de mudança social e política têm sido alimentados por palavras que inspiram os homens e as mulheres a imaginarem um mundo melhor e a tomarem medidas para o granjear. A poesia do Renascimento do Harlem, por exemplo, foi fundamental para fomentar um sentimento de orgulho e solidariedade entre os afro-americanos durante uma época de discriminação generalizada. De novo relembro a importância de Langston Hughes: “Oh, que a minha terra seja uma terra onde a Liberdade seja coroada sem falsa coroa patriótica, mas onde a oportunidade seja real, e a vida seja livre, a igualdade esteja no ar que respiramos.”
Atualmente, os poetas e escritores podem recorrer a este legado americano para dinamizar os movimentos pela justiça e pela democracia. O poema de Amanda Gorman, The Hill We Climb, apresentado na tomada de posse do Presidente Joe Biden em 2020, é um exemplo poderoso de como a poesia pode inspirar esperança e unidade. As palavras de Gorman, “Porque há sempre luz, se formos suficientemente corajosos para a ver. Se formos suficientemente corajosos para a sermos”, recordam-nos que a mudança é possível quando os homens e as mulheres de todas as culturas se unem com coragem e determinação. Ao elaborar obras que ressoam com as aspirações de diversas comunidades, os escritores podem ajudar a ultrapassar as divisões e a promover um compromisso (tão abalado que está) comum com os ideais democráticos.
Bem sabemos que em tempos de exasperação, a esperança é um ato radical. É também um ingrediente essencial para sustentar a democracia. Os escritores americanos podem desempenhar um papel crucial no combate às narrativas de medo e divisão que têm dominado o discurso político do atual inquilino da casa Branca e os seus acólitos no Congresso. Ao criarem histórias e poemas que enfatizem temas de resiliência, do poder da comunidade e da possibilidade que existe na união, podem inspirar todos os leitores a acreditarem na sua própria capacidade de ação e no potencial de uma mudança positiva. As narrativas de esperança não precisam de fugir à realidade da luta e das dificuldades; pelo contrário, devem reconhecer esses desafios e, simultaneamente, realçar a capacidade de crescimento e transformação. A Parábola do Semeador, de Octavia Butler, exemplifica este equilíbrio. Situado num futuro distópico, o romance aborda temas como o colapso da sociedade e a degradação ambiental. No entanto, também se centra na visão da protagonista de uma nova comunidade baseada na empatia e na cooperação. Ao imaginar alternativas ao desespero, a obra de Butler oferece um projeto de resiliência e renovação: “Abraça a diversidade. Unam-se – ou serão divididos, roubados, governados, mortos por aqueles que vos veem como caça. Abraça a diversidade, ou serás destruído.” Os escritores contemporâneos podem utilizar as suas plataformas para imaginar uma democracia mais inclusiva e equitativa. Seja através da ficção especulativa que imagina novos sistemas políticos ou da poesia que celebra o ativismo de base, estas obras inalam os leitores a acreditarem na possibilidade de um futuro melhor, trabalhando com vários segmentos da sociedade civil.
Como já o escrevi, e outros também, uma democracia vibrante depende da inclusão de diversas perspetivas. Os escritores têm a responsabilidade de amplificar as vozes daqueles que foram historicamente silenciados ou marginalizados. Ao fazê-lo, não só enriquecem a paisagem literária como também desafiam as estruturas de poder que perpetuam a desigualdade e o desespero. Por exemplo, escritores indígenas como Joy Harjo, a primeira Poeta Laureada Indígena Americana dos Estados Unidos, têm usado seu trabalho para centralizar as experiências indígenas e defender a gestão ambiental. No seu poema An American Sunrise, Harjo reflecte sobre a resiliência dos povos indígenas face às injustiças históricas e atuais, oferecendo-nos uma mensagem de alento e resistência. Da mesma forma, escritores da comunidade LGBTQ, escritores imigrantes e escritores de várias cores e de várias culturas trazem-nos perspetivas inestimáveis para o diálogo nacional, destacando a interconexão das lutas pela justiça e democracia. Ao elevar estas vozes, os poetas e escritores americanos espicaçam as narrativas monolíticas da atualidade política americana e criam uma visão mais inclusiva sobre que a democracia pode e deve ser.
Nunca esqueçamos que literatura também é um instrumento que cura. O trauma coletivo dos últimos anos – desde a pandemia da COVID-19 ao ressurgimento da violência racial – fez com que muitos americanos se sentissem isolados e desiludidos. Os escritores podem ajudar os leitores a processarem estas experiências e a encontrar consolo. As memórias, em particular, têm o poder de promover a ligação e a compreensão. Obras como Men We Reaped, de Jesmyn Ward, que examina a perda de jovens negros na sua comunidade, e On Earth We’re Briefly Gorgeous, de Ocean Vuong, uma carta de um filho para a sua mãe, oferecem uma visão profundamente pessoal do luto e da resiliência, recordam-nos que não estamos sós nas nossas lutas, pessoais e coletivas, e que a cura é possível.
Os desafios à democracia americana – desde a supressão de eleitores até à erosão da verdade no discurso público – sublinham a necessidade urgente dos escritores se envolverem em questões políticas e sociais. Embora a literatura, por si só, não possa resolver todos os problemas que enfrentamos na sociedade americana, pode servir como catalisador para a mudança, promovendo o pensamento crítico, a empatia e um sentido de objetivo comum. É imperativo que os escritores americanos se assumam como testemunhas e defensores. Isto significa não só abordar as crises do momento, mas também imaginar as possibilidades de um futuro mais justo. Denota escrever com coragem e convicção, mesmo quando o clima político é hostil às vozes discordantes. E apela para que reconheçam que o seu trabalho tem o poder de moldar não só as mentes individuais, mas também a paisagem cultural e política mais alargada. Chinua Achebe assim o disse: “Um escritor não deve ser um mero registador dos tempos, mas uma voz que cria e dirige a mudança.”
Em tempos de desassossego, jamais pode ser subestimado o poder das palavras para inspirar esperança e a mudança. Os poetas e escritores americanos têm uma longa tradição no confronto às injustiças, elevando vozes marginalizadas e perspetivando um futuro muito mais risonho. Num momento em que a nação americana enfrenta desafios profundos, as suas vozes são de extrema importância. Anais Nin disse-o clara e inequivocamente: “O papel do escritor não é dizer o que todos podemos dizer, mas o que somos incapazes de dizer.” Ao exporem a injustiça, inspirarem a ação coletiva, reivindicarem a democracia através de narrativas de esperança, amplificarem as vozes marginalizadas e promoverem a restabelecimento de princípios que nos marcam como país multicultural, os escritores podem servir como faróis de esperança e campeões da democracia.
Nas palavras da poeta Maya Angelou, “Podemos encontrar muitas derrotas, mas não podemos ser derrotados”. Este sentimento capta o espírito do que os escritores americanos podem alcançar através do seu trabalho. Ao recusarem-se a sucumbir ao desespero e ao usarem as suas palavras para iluminar uma nova trajetória. Podem ajudar a restaurar a fé na democracia e inspirar uma nova geração a transportar a tocha da esperança e da justiça. Ao fazê-lo, assegurarão que a história da América continue a ser uma história de resiliência, de possibilidade e do poder duradouro do espírito humano.