DIÁSPORA

OPINIÃO | Margens do mesmo Rio, por Diniz Borges

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Longe vão os anos em que a diáspora portuguesa nos Estados Unidos e Canadá, ouvia a radiodifusão portuguesa através do complexo, mas extremamente útil sistema de onda curta, ou em reproduções do serviço público através desse sistema, nos programas de rádio que, por exemplo nos Estados Unidos existem desde a década de 1920.  Longe vão os anos em que um filho de um casal emigrante, ele de Lisboa e ela de São Miguel nos Açores, começou, em 1955, numa cidade rural da Califórnia, onde vivo há 54 anos, a cidade de Tulare, geminada com Angra há 57 anos, o primeiro programa de televisão em língua portuguesa, com talentos locais e sem qualquer recurso vindo de Portugal.  Hoje, a comunicação social na diáspora em território norte-americano, para além da dúzia de jornais que ainda se publicam nos principais centros da nossa emigração, é composta por uma amalgama de rádios (quase todas online) e televisões por tele-cabo ou outros serviços das novas tecnologias, desde a YouTube a LiveStream, que ainda levam a uma diáspora cada vez mais integrada as imagens e os sons de Portugal e das próprias comunidades. 

Apesar da diáspora de origem portuguesa nos Estados Unidos e no Canadá, estar cada vez mais integrada, utilizando os serviços de comunicação nas línguas destes dois países, a realidade é que cerca de dois milhões de emigrantes e luso-descendentes não devem ser ignorados, e há que contemplar novas formas e novos paradigmas nos serviços públicos de rádio e televisão que sejam mais inclusivos da experiência da portugalidade, além território nacional no continente europeu e nas ilhas atlânticas.  Parafraseando Vasco Graça Moura em que: uma entidade nacional não surge do nada, acrescentaria que uma identidade portuguesa além-fronteiras não só não surge do nada como e de novo citando Graça Moura: “vai-se construindo. Vai-se elaborando com novos elementos que o tempo acrescenta aos que já lá estavam, num todo complexo e muitas vezes com aspetos quase impossíveis de definir com clareza, embora possam ser instruídos naquilo que tenham de determinante.”  Essa identidade que se deseja na diáspora portuguesa, além da geração emigrante, também se constrói com a rádio e a televisão do serviço público, a qual tem um papel determinante na aproximação das várias latitudes e gerações que constituem um país com cerca de metade da sua população fora de território nacional.   Já Alberto Franco Nogueira o escreveu: “uma nação, sobretudo quando bem antiga, não é o dia que vive: é o conjunto de séculos passados, e a preparação constante para os séculos que hão-de vir.” Esses anos que virão, para Portugal, faz todo o sentido serem com a sua Diáspora. 

A rádio e televisão públicas proporcionam às comunidades da Diáspora, que ainda falam português, um sentimento de ligação à terra natal. Para muitos emigrantes, estes organismos, por si ou em parcerias que os media da Diáspora, são a principal fonte de notícias e informações sobre os acontecimentos no seu país de origem.  São várias as rádios das comunidades na América do Norte que, como se sabe, retransmitem os serviços noticiosos e o desporto, particularmente os relatos de futebol.   Porém, mais do que a popularidade do acontecimento desportivo, a rádio e televisão pública podem ajudar a preservar as tradições culturais e o património das comunidades da Diáspora.   O serviço público pode e deve ajudar a promover a participação da Diáspora no seu país de origem.  Daí ser imperativo a inclusão de programação sobre o desenvolvimento económico e social, a política e a cultura, enfim, as variadíssimas iniciativas que se promovem nos mais diversos países do mundo onde temos luso-descendentes. Ao promover a vida da Diáspora, a rádio e a televisão pública ajudam a fomentar um sentido de responsabilidade cívica e promovem a compreensão mútua entre a comunidade da Diáspora e Portugal.  Sobretudo, a rádio e televisão pública podem fornecer uma plataforma para que as vozes da Diáspora sejam ouvidas dentro do país e em todos os cantos dessa Diáspora.  Em muitos casos, e particularmente pela nossa dispersão, cada vez mais significativa nos Estados Unidos e Canadá, as comunidades da Diáspora estão sub-representadas nos principais meios de comunicação social destes dois países. O serviço público deve fornecer uma plataforma para que essas vozes sejam ouvidas, ajudando a promover a inclusão e a presença da portugalidade além da geração emigrante, que desaparece diariamente nos dois grandes países da diáspora portuguesa em terras norte-americanas.    O serviço público pode ajudar a promover a compreensão e o diálogo interculturais. Ao oferecer uma programação que reflita os interesses e as preocupações das comunidades da Diáspora, os organismos públicos podem construir pontes entre diferentes culturas e promover a compreensão e o respeito mútuos.  É que como o disse Eduardo Lourenço, cujo centenário estamos a comemorar: “a nossa memória é a de povos dispersos pelo mundo.”

Com uma Diáspora que excede 20% da população portuguesa, ou seja, mais de 2 milhões de norte-americanos que se identificam como sendo de origem portuguesa, uma vasta maioria dos Açores, integrados num mundo que os rodeia pode ser uma mais-valia para Portugal e, como se disse o serviço público da rádio e televisão é absolutamente crucial na manutenção dessa identidade que está, como se espera, mesclada com outras identidades e outras culturas.  Mostrar Portugal às novas gerações, na língua e nas linguagens deles é imperativo, como também é de extrema importância mostrar ao país a Diáspora que tem, e que vai muito além dos desfiles do 10 de junho (porque o 25 de abril ainda é ignorado em muitos cantos dessa mesma diáspora, particularmente nas instâncias oficiais) ou da romaria no clube português, dos estereótipos que, sobre o emigrante, infelizmente, ainda estão demasiadamente presentes na nossa sociedade.  E que, a classe política, gosta de perpetuar com um paternalismo assustador.

Para que a Diáspora seja um projeto de estado, uma extensão de um Portugal que não seja apenas o que Fernando Pessoa disse ser um “colorido dos grandes feitos por cumprir”, há que olharmos para os conteúdos que o serviço publico da rádio e televisão envia para a Diáspora e o que em Portugal se planta sobre a Diáspora.  O tal cruzamento em dois sentidos para o qual temos tido pouca imaginação.  Salvo algumas raras exceções, como o exemplar serviço de dois ou três jornalistas na RPD-internacional, alguma voz, dada, esporadicamente, aos diretores dos jornais, rádios e televisões portuguesas no continente norte-americano, a Diáspora nesse lado do mundo é, na maioria dos casos, uma simples nota de rodapé, ou um espaço a preencher.  E isso não pode ser.  Já o disse, repetidamente, que Portugal tem pouca imaginação para a sua Diáspora e ainda não descobriu, o potencial da mesma para o futuro do país.  Para que a Diáspora seja parte integrante de Portugal, há que a ter em pé de igualdade com a totalidade do país. A presença desse Portugal que vive em outras geografias e mistura outras culturas, precisa, com alguma urgência, ser parte do serviço público da rádio e da televisão cá e lá, não num programa ou num segmento específico, que se coloca num horário em que ninguém está a ver ou ouvir, mas como parte do quotidiano de um país universal, em grande parte pelo contributo dos seus emigrantes e das segundas, terceiras e sucessivas gerações de luso-descendentes. 

Para o continente norte-americano, onde a luta para se manter a língua portuguesa viva além das gerações emigrantes e alguns dos seus rebentos, é um labor diário e por vezes ignóbil, não pela falta beleza ou o valor da língua, mas pelas mensagens barulhentas e contraditórias que a classe política dá e a comunicação social ou simplesmente ecoa ou não questiona.  Existe, entretanto, uma série de medidas, que com as novas tecnologias não são assim tão difíceis.  Vejamos!  

Em televisão, é imperativa a legendagem de noticiários e programas informativos.  Não ofende a língua portuguesa e certamente que abrirá muitas portas à Diáspora.  É que, usando apenas a Califórnia como exemplo, dos 345 mil residentes deste estado americano que se identificam como luso-descendentes, apenas 32 mil dizem que ainda falam “algum português.” A nível dos Estados Unidos, do milhão e 400 luso-descendentes, no máximo teremos uns 270 mil que falam português.  Há que pensar-se em chegar-se aos outros, à vasta maioria.  As novas tecnologias abrem-nos muitas portas.  Os luso-descendentes são parte de Portugal, e o país, necessita olhar com outros olhos para o potencial da Diáspora.  O serviço público de ra’dio e televisão pode ser essa tábua de salvação.

A presença de uma notícia, diariamente, nos órgãos do serviço público sobre a Diáspora, particularmente a médio prazo, mudaria a mentalidade do país e daria esse espaço da Diáspora portuguesa ter, consistentemente, um lugar à mesa nacional.  A realização e divulgação na Diáspora e no país de segmentos, podcasts, e outros formatos novos e apelativos sobre Portugal e a sua Diáspora, os desafios e os triunfos, aboliria preconceitos e criaria condições para que as comunidades fossem vistas como a extensão natural de uma nação universalista. 

            José Saramago dizia que: “a viagem nunca caba.  Só os viajantes acabam.  E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa.”  A narrativa da nação portuguesa não pode ser construída sem a sua Diáspora e o serviço público da rádio e televisão têm uma missão importantíssima na construção dessa narrativa. Já o fez através dos anos, e com a metamorfose natural que ocorre na nossa Diáspora terá de o fazer.  São necessários mais recursos e os governos têm obrigação de os fazer chegar à RTP.    Como resultado de dois encontros de órgãos da comunicação social da Diáspora e dos Açores, promovidos pela Direção Regional das Comunidades, acaba de ser constituída a Azores-Diaspora Media Alliance (ADMA), com a missão de ser uma plataforma de comunicação entes os OCS da Região Autónoma e da sua Diáspora.  Não é uma panaceia, nem o pretende ser, mas se for mais um veículo na aproximação de um território português com quem além do mesmo ainda se identifica com a terra dos seus antepassados, já é um passo significativo.  Utilizar os recursos que existem em ambos os lados do atlântico é para projetar Portugal no exterior e a Diáspora em Portugal, deveria ser, um princípio fundamental do serviço público da rádio e televisão portuguesa, o qual desempenha um papel crucial na experiência da Diáspora, proporcionando um sentimento de ligação à terra natal, preservando as tradições e o património cultural, promovendo o envolvimento da Diáspora, proporcionando uma plataforma para que as vozes da Diáspora sejam ouvidas e promovendo a compreensão e o diálogo interculturais. Como tal, o serviço público da radio e televisão deve ser valorizado e protegido como uma componente vital da promoção de uma comunidade da Diáspora salutar e informada e de um Portugal que inclui as várias gerações da Diáspora portuguesa como uma parte do todo e não um aparte que aparece pelo 10 de junho, num momento trágico, ou mais trágico ainda, com as visitas de entidades de governo ou estado que raramente têm impacto palpável na vida da Diáspora e neste novo caminho que se quer construir. 

Se como nos disse Miguel Torga: “uma pátria é um contexto de afinidades”, existem praticamente dois milhões de luso-descendentes na América do Norte, ou seja 20% da população atual do país, que podem até usar outras linguagens e outra língua, mas as afinidades identitárias e culturais continuam extremamente ligadas a Portugal e às suas Regiões Autónomas.  Essas afinidades são importantes para o país e necessitam, com alguma urgência, de fazerem parte do serviço publico da rádio e televisão. Que, a nossa memória de povos dispersos pelo mundo, como afirmou Eduardo Lourenço, sirva para o estabelecimento de novos paradigmas e novas ortodoxias de um serviço público de media onde a Diáspora, seja parte do quotidiano e da narrativa nacional.  Todos ficaremos mais enriquecidos. 

*do poema Odes Condignas (III) de Natália Correia cujo centenário comemora-se neste ano de 2023