OPINIÃOSÃO JORGE

OPINIÃO | Quando o Amor Conhece o Código Civil, por Ricardo Matias

Artigo de Opinião pelo Solicitador Ricardo Matias com Cédula Profissional n.º 7351;
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Por muito romântico que pareça casar por amor, em Portugal, como em quase todo o mundo, há um pequeno detalhe que nos obriga a pôr o coração de lado e a abrir o Excel: o regime de bens.

O casamento não é apenas uma união afetiva – é também um contrato jurídico com implicações patrimoniais. 

Antes de escolher as flores, escrever os votos, e até antes de se decidir se o DJ toca kizomba ou clássicos dos anos 80, o casal é convidado a escolher como vão partilhar– ou não – os bens ao longo da vida. É nesse momento que muitos percebem que o amor pode ser cego, mas o Código Civil não o é.

Existem três regimes principais no casamento português: comunhão de adquiridos, separação de bens, e a quase extinta comunhão geral de bens. Cada um carrega consigo uma filosofia de vida, uma visão do amor – e, sejamos francos, uma previsão do fim.

O mais comum é o da comunhão de adquiridos, em que tudo o que for comprado depois do “sim” é dos dois. Os bens que cada um possuía antes de casar, bem como os recebidos por herança ou doação, continuam a ser considerados bens próprios. É bonito pensar assim, partilha-se a vida, partilham-se as dívidas. É o regime que tenta equilibrar a ideia de partilha com a proteção do patrimônio pré-existente.

Depois há os que escolhem a separação de bens, cada noivo mantém a titularidade e administração dos seus bens, sejam eles anteriores ou posteriores ao casamento, como dois sócios que vivem juntos mas guardam as contas separadas. Parece frio? Talvez. Mas é uma escolha cada vez mais comum, especialmente entre quem casa tarde, casa pela segunda vez, ou entra na relação já com algum património debaixo do colchão – ou com filhos de outras vidas que merecem garantias. É frequentemente escolhido por casais que querem manter uma autonomia patrimonial completa. 

Por fim, a comunhão geral – em que todos os bens, mesmo os que se tinham antes do casamento, tornam-se bens comuns do casal. É rara, quase romântica na sua ingenuidade, como um contrato que diz: “o teu passado é meu também”. Mas cuidado: esse romantismo pode sair caro na partilha dos bens, se o amor azedar e acabar no tribunal. Este regime de bens não pode ser adotado caso algum dos noivos tenha filhos de relações anteriores.

Curiosamente, poucos casais discutem isto com seriedade antes do casamento. Muitos nem sabem bem que podem escolher – ou pensam que assinar uma convenção antenupcial é coisa de ricos ou de gente desconfiada. E depois admiram-se quando a vida com o seu humor irónico, lhes mostra que o amor é eterno … até que as dívidas os separem.

Em suma, casar é fácil, mas implica não só uma ligação afetiva, mas também uma decisão estratégica sobre o modo como o casal vai gerir e partilhar os seus bens. Num tempo em que os divórcios são comuns e a complexidade patrimonial aumenta, dividir o que é de quem, quando o amor acaba, pode não ser assim tão simples e a escolha consciente do regime de bens é um passo fundamental para a segurança jurídica de ambos os cônjuges. 

Caso tenha dúvidas sobre este ou outros temas, contate um Solicitador perto de si.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.