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OPINIÃO | Das orlas atlânticas aos leitores globais: A literatura açoriana através da tradução, por Diniz Borges

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“A tradução não é apenas uma 
questão de palavras: é uma questão 
de tornar inteligível toda uma cultura.” 
– Anthony Burgess

As traduções literárias são, na sua essência, um fascinante jogo entre idiomas, culturas e imaginações.  Como sabemos, não se trata apenas de convertermos palavras de um idioma para outro; trata-se de captar a essência, as nuances e a beleza de um texto e fielmente reproduzi-lo num contexto linguístico e cultural diferente. Como escreveu Gilbert Highet “Uma tradução não é um espelho; é uma janela. Pois, se fosse um espelho, não poderíamos ver nada além de nossos próprios rostos.”

Na sua essência, a tradução literária é um ato de interpretação. Os tradutores devem mergulhar profundamente no texto original, compreendendo não apenas uma leitura linear, mas também os temas subjacentes, às referências culturais e os elementos estilísticos. É importante possuir-se não só do idioma de origem, mas sobretudo do idioma de destino, assim como das nuances culturais que moldam ambos os idiomas.  Daí ser imperativo não só a fluência nos idiomas envolvidos, como ter uma consciência aguçada dos contextos históricos, sociais e culturais nos quais a obra original foi escrita e está sendo traduzida, Edith Grossman disse-o melhor do que ninguém: “A tradução é uma viagem, não só de uma língua para outra, mas também de uma cultura para outra.” 

Um dos aspetos mais desafiadores da tradução literária é deter a voz e o estilo do autor original. Todos os escritores possuem a sua forma peculiar de se expressarem.  Quer pela escolha de palavras, estrutura de frase ou prescritivos literários.  O tradutor tem a ingrata missão de não apenas transmitir o significado literal do texto, mas também de reproduzir o tom, o ritmo e o estilo do autor para que seja entendido na língua e no contexto cultural para o qual é traduzido. É no mínimo um equilíbrio delicado entre fidelidade ao original e adaptação criativa ao idioma destinatário.

A tradução literária, como se sabe, frequentemente envolve lidar com elementos intraduzíveis. Todos os idiomas possuem palavras, frases e conceitos que desafiam a tradução direta, ou porque carreteiam significado cultural ou histórico, ou porque evocam nuances imperceptíveis que são extremamente dificultosas para se passar de uma língua para a outra, particularmente das românicas para as germânicas.  Daí a importância de se empregar uma variedade de estratégias que permita uma navegação por esses obstáculos linguísticos, que vão desde encontrar equivalentes aproximados até re-imaginar criativamente o texto de uma forma que preserve a sua essência e o torne acessível aos leitores na língua de destino, ou como disse Salman Rushdie: “A tarefa do tradutor é criar, na sua própria língua, as mesmas tensões e ressonâncias que residem no original.”  

Apesar dos imensos desafios, e de na minha perspetiva não haver tradução perfeita, a tradução literária também é uma tarefa profundamente recompensadora.  Serve como uma ponte entre culturas, permitindo que os leitores tenham acesso a obras de literatura que de outra forma jamais encontrariam.  Com a tradução, histórias, ideias e perspetivas atravessam fronteiras linguísticas e culturais, promovendo empatia, compreensão e ligação entre pessoas de origens diversas. A tradução literária desempenha um papel vital nesse processo, enriquecendo e expandindo o panorama literário global.

As traduções literárias são um testemunho do poder da linguagem para transcender barreiras e unir a humanidade. Exige não apenas habilidade linguística, mas também uma apreciação profunda das nuances tanto da cultura de origem quanto da cultura de destino. As traduções dão nova vida a palavras antigas, permitindo que ressoem com os leitores de modos novos e por vezes inesperados. As traduções contribuem para a rica tapeçaria da literatura mundial, garantindo que as obras perdurem através do tempo e do espaço, inspirando e enriquecendo as gerações futuras.  

Nos Açores, nos novos Açores, virados para o mundo e recebendo milhares de visitantes, as traduções literárias têm uma importância dupla: primeiro, levar a extraordinária criatividade literária destas ilhas a outros patamares, àqueles que nos visitam, de várias partes do mundo e têm como língua franca o inglês e segundo, porque somos mais de um milhão de açor-descendentes nos Estados Unidos, na Canadá e nas Bermudas, ser a ponte natural com a Diáspora.  Para que isso aconteça, há uma série de medidas que podíamos implementar a todos os níveis e que podiam ajudar-nos a criar esses laços com a diáspora e com o mundo.  

  1.  Criar bolsas para as traduções literárias, tendo no outro lado do atlântico, uma ponte com as universidades que publicam as obras literárias em tradução para que possam ser traduzidas em conjunto, e com revisores ligados ao mundo americano.
  2. Concentrarmo-nos não só na tradução de obras dos autores canónicos, mas dar ênfase aos mais novos, aos autores jovens, aos criadores literários da atualidade nos Açores.
  3. Levar também em tradução, não só a literatura, mas também outros géneros, como a história e o jornalismo.  
  4. Haver uma parceria entre as direções regionais do turismo, da cultura e das comunidades (melhor da diáspora) para que os livros traduzidos sejam distribuídos cá e lá.  E termos mais livros em tradução nos estabelecimentos comerciais dos aeroportos açorianos e nos aeroportos dos países com ligações aos Açores.
  1. Apoiar as obras traduzidas com a compra, através das agências governamentais que tenham esta tutela, de uma série de livros para serem oferecidos às universidades com cursos de língua e cultura portuguesa nos EUA e no Canadá. Oferta de um número pequeno, acompanhado de um catálogo completo e as informações como podem comprar tudo o que é traduzido nos Açores, ou de literatura açoriana.    
  2. Gerar na diáspora açoriana um fundo especial, com donativos de mecenas açor-descendentes para se comprar livros em tradução e oferecê-los às bibliotecas públicas nos EUA e no Canadá. 
  3. Criar oportunidades para que com cada cruzeiro que pare nos Açores, nas suas viagens transatlânticas, haja uma oferta de meia dúzia de livros em tradução com a literatura e a história dos Açores, para as suas respetivas bibliotecas.
  4. Produzir um catálogo, de preferência eletrónico, com os livros traduzidos, assim como um marca-páginas que se possa oferecer ao turista com uma listagem dos livros traduzidos que estão no mercado. Catálogo que deveria ser acessível a todas as agências de viagens, operadores turísticos, guias turísticos, companhias aéreas com ligações aos Açores.
  5. Conceber através das novas plataformas programas de lançamentos de livros, de leituras por alunos de inglês nos estabelecimentos de ensino da região e da diáspora.  Todos os lançamentos de livros da região deverão ser gravados ou transmitidos ao vivo pelas redes sociais ou outras plataformas, como a YouTube, entre outras.  
  6. Criar espaços para os livros em todos os cantos e recantos da região onde passam turistas e promover feiras do livro com a presença de autores açorianos na diáspora e nos principais países que têm ligações aéreas com os Açores. 

Esta região, com a sua rica tradição literária, que já dá lições a muitas regiões, quer pela quantidade, quer pela qualidade da literatura aqui produzida, poderá ser, particularmente pela nossa tradição universalista, uma região que se visita pela paisagem deslumbrante, pela gastronomia diversificada e apetecível, pelas tradições e pela riqueza literária.  Os Açores têm todas as possibilidades de serem uma rota do turismo literário.  A essência do turismo literário, não é mais do que um meio de conhecer o mundo através da lente da literatura, ligando-se aos lugares e histórias que captam a nossa imaginação, porque os livros são passaportes para outros mundos, e o turismo literário é a aventura de explorar esses mundos, ou como foi dito algures: “O turismo literário permite-nos seguir os passos das nossas personagens favoritas, explorar os mundos que elas habitam e contactar com os locais que as inspiraram.”  E os Açores têm todas as condições: autores com uma enorme capacidade criativa e editores como a Letras Lavadas que fazem um trabalho heroico em nome da literatura que se escreve nos Açores e na Diáspora.  

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.