SÃO JORGE

“Retalhos Soltos” para a História do Concelho da Calheta (IV) Filarmónica “Club(e) União” – 150º aniversário Republicação em agosto de 2023, por Paulo Teixeira

780views

Fajã de São João, 18 de julho de 2019
Paulo Teixeira

Ao assumir a intenção de justamente assinalar com merecido retalho, os 150 anos da Sociedade Filarmónica do Clube União, deparamo-nos com a escassez de tempo.


Neste retalho vamos concentrar a nossa ação sobre os primeiros anos da coletividade, partilhando quanto descobrimos e lançando algumas possibilidades de reflexão que possam ajudar a compor o mais completo possível a história do Clube União.


Uma nota de agradecimento ao atual Presidente da direção do Clube União, Artur Mendonça e ao amigo e entusiasta da filarmónica Joaquim Borba pela disponibilidade dispensada.


A origem das filarmónicas é militar e daí o tipo de fardamento adotado. A primeira filarmónica açoriana terá sido criada em 1846 na cidade de Ponta Delgada. Na ilha de São Jorge surge a União Popular na freguesia da Ribeira Seca, concelho da Calheta e hoje a mais antiga dos Açores em atividade. Entretanto surge uma segunda filarmónica na ilha de São Jorge, desta vez no concelho de Velas. Em 1869 o Topo é ainda Concelho, com destino traçado desde 1855, que se consumaria no dia 1 de abril de 1870 com a definitiva inclusão no da Calheta, simplesmente como a freguesia de Nossa Senhora do Rosário. É nesta fase que surge a terceira filarmónica da ilha de São Jorge no referido ano de 1869.


Estando na ilha de São Jorge é um pouco mais difícil a pesquisa de jornais antigos, mesmo assim podemos consultar alguns de onde retiramos as escassas notas, mas que em nosso entender permitem formar ideias e sobretudo base para outros avanços na investigação.


Destes primeiros anos encontramos no jornal “O JORGENSE” datado de 15-4-1871, que “(…) tocou a filarmónica às matinas desse dia com um desempenho que muito honra o digníssimo mestre que a rege – Sr. Chaves.“ Esta nota relativamente próxima da data da fundação, parece-nos plausível para considerar que o Senhor Chaves tenha sido o mestre fundador da filarmónica do Topo, provavelmente seria um guarda-fiscal colocado no Posto de Vila Nova do Topo que sabia musica.


Em 15-4-1874 o jornal “O JORGENSE” publica uma nota proveniente de Vila Nova do Topo, datada de 6-4-1874, referindo-se às atividades “da semana santa” e em que se fica a saber que “sendo a parte instrumental executada pela Harmónica Topense”. Tal como a nota do primeiro mestre, também se nos afigura credível que “Harmónica Topense” foi a primeira designação da atual Clube União.


Os primeiros estatutos terão sido aprovados em 1882. Socorrendo-nos dos artigos 103 e 104, da “Musicografia de São Jorge” de REI BORI, publicado no jornal “Diário Insular” (1987), “foi possível terem os primeiros estatutos aprovados, os quais tem data de 12 de fevereiro de 1882, e foram elaborados pelo Senhor Manuel Alves da Silveira, aprovados primeiramente em Assembleia Geral e naquela data pelo Governo Civil de Angra do Heroísmo”. Por enquanto não foi possível consultar estes estatutos e fica-nos sérias dúvidas de que estes sejam os da filarmónica, mas antes os do “Teatro Topense”, pois seria muita coincidência que as duas sociedades tivessem aprovado estatutos na mesma data.

Tem surgido alguma confusão entre a filarmónica e o “Teatro Topense”, tendo encontrado, inclusive a ideia de que o primeiro nome do Clube União teria sido precisamente “Teatro Topense” e que REI BORI aponta como tendo sido “a primeira sede para os seus ensaios e as pessoas fazerem a sua vida cultural e associativa, o Teatro Topense, então situado na Rua Direita”. Ora na Rua Direita situava-se o Teatro, onde eram depositadas as insígnias do Espirito Santo, certamente naquela data, inserido no próprio edifício da Casa do Divino Espirito Santo, onde funcionava a sede do Club União, com exceção da época das funções do Espirito Santo, como se percebe da leitura da ata da diretoria do Club União de 5 de abril de 1936 referindo-se à necessidade de alugar “parte de uma casa da Sra. Maria Filomena Terra, residente nos EUA para instalar a filarmónica, por não poder continuar na Casa do Espirito Santo pelas festas.”


O raciocínio que desenvolvemos, assenta em nota de fevereiro de 1882, do jornal “O Velense” que “Vários cavalheiros desta localidade (Topo) reunidos em 12-2-1882 resolveram, formar uma sociedade com a denominação – Teatro Topense – e eleita uma comissão de 5 membros, cuidou esta em formular os respetivos estatutos que regulam a sociedade”; assenta, ainda, nas noticias do Topo, subscritas por S. B. (Manuel Maria Silveira Bettencourt) e publicadas no jornal “O Picaroto” que na sua edição de 15-2-1882 relata “na organização de uma sociedade recreativa, e nisso estão empenhados quase todos os cavalheiros desta Vila. Procedeu-se à formação dos estatutos e ensaio de uma comédia porque, também, haverá uma casa especial para teatro. Parabéns aos iniciadores de tal sociedade e, creio que verão os seus esforços coroados de feliz êxito.”

A distinção entre a filarmónica e o teatro fica, ainda mais clara em apontamentos publicados no mesmo jornal com datas de 1-4-1882, do mesmo autor, onde “a sociedade recreativa desta Vila deu um recital a seus sócios pela primeira vez e no dia seguinte ao publico: em ambos agradou.”; e com data de 15-4-1882, S. B. escreve “muito concorreu a “Harmónica Topense” para abrilhantar a procissão (…)”.


REI BORI, adianta que foi na concorrida Assembleia de 25 de janeiro de 1891 que a filarmónica teria passado a chamar-se Recreio Topense, o que se nos afigura credível, contudo chamar-se ia ainda Harmónica Topense e não Club União como refere, nos artigos atrás apontados, pois que em coluna de “Noticias do Topo”, datada de 20 de dezembro de 1888 e publicada a 11 de janeiro de 1889, no jornal “Ecco Jorgense” ficamos a saber que: -“Deixou de fazer parte da Harmónica o Sr. José Vieira de Sousa Enes, sendo substituído pelo Sr. João Alves Freitas Jr., a quem damos os nossos parabéns.”


Em 1891 e 1893 sabemos que é presidente da Recreio Topense o Senhor Manuel Henrique Borges e mestre José Paulino da Silveira e Costa que emigra para Califórnia em agosto de 1895 e onde viria a falecer em 1923, como se atesta pelo voto de pesar exarado na ata do primeiro de agosto de 1923. Era mestre honorário da Recreio Topense, titulo que foi transferido para o Club União, conforme deliberação de 1 de novembro de 1897: – “2º – que ao cidadão José Paulino da Silveira e Costa, ausente nos Estados Unidos da América do Norte e mestre honorário da sociedade musical “Recreio Topense”, hoje dissolvida, se mantivesse o titulo de mestre honorário da filarmónica Club União.”


A foto da figura 1 parece-nos seguramente anterior a 1896, partindo do princípio que a figura que se destaca ao fundo é certamente o regente da banda e não parece ser a fisionomia de Joaquim Homem da Silveira Noronha que assume a filarmónica naquela data. Caso não se identifique Joaquim Homem na foto, sub-regente de José Paulino da Silveira e Costa, e a presença de Gregório Freitas que integra a banda em fins de 1888, somos tentados a situar a foto entre 1888 e 1893. Ou serão estes os 16 músicos, cujos nomes José Silveira de Borba publica no jornal “O Insulano” em maio de 1893.


Em 24 de outubro de 1896 são aprovados novos estatutos, ao abrigo dos quais, no dia seguinte, são feitas eleições e assim registado na ata da sessão, “na casa onde funcionará o Club União”, sob a presidência do sócio mais velho João d’Assis Brasil da Costa (tem nesta data cerca de 42 anos), procedeu-se à eleição da diretoria: João Benjamim Borges d’Azevedo Ennes (viria a falecer em Lisboa pouco tempo depois), Manuel Augusto dos Reis (pai do Senhor João Costa dos Reis) e Joaquim Homem da Silveira Noronha”.


Em 3 de outubro de 1897 realiza-se uma assembleia que nos deixa a pensar sobre a sua razão de ser, uma vez que estaríamos perante a mesma coletividade que por um ou outro pensamento, foi mudando de nome, o que era associado a uma “nova” sociedade. Ora ficou registado que “na sala de sessões da sociedade musical Recreio Topense, onde se acham reunidos os membros do Club União, bem como os daquela sociedade, foi aberta a sessão: sendo apresentada a ideia de se fundirem as duas sociedades Recreio Topense e Club União, numa só por a maioria dos sócios d’uma pertencerem à outra, o que seria extremamente vantajoso (ilegível) de todos os pontos de vista – foi por unanimidade aprovada a fusão, devendo a nova sociedade ser regida por novos estatutos e ficando desde já dissolvida(s) esta(s) sociedade(s). Todo o ativo e passivo passará para a nova sociedade”. Esta ata é assinada por nove elementos.

No mesmo mês de outubro são aprovados novos estatutos e eleitos no dia 31 de outubro de 1897, sob a presidência do sócio mais velho – João d’Assis Brasil da Costa (faleceria em 27 de abril de 1902, com 48 anos) – Pedro Borges dos Reis; Joaquim Homem da Silveira Noronha e Manuel Augusto dos Reis. “Ata assinada por todos os membros do “Club União”: Pedro Borges dos Reis; João d’Assis Brasil da Costa; Manuel Brasil Bettencourt; Joaquim Ferreira Vieira; José Joaquim Brasil; Manuel Augusto dos Reis; Alfredo Júlio dos Reis Noronha; José Constantino da Silveira Lopes; Ignacio Augusto dos Reis; Vitorino Augusto dos Reis; Álvaro de Noronha; Gregório Alves Freitas; Manuel Jorge Soares; Manuel Jerónimo da Silva e Joaquim Homem da Silveira Noronha.”


No dia seguinte, 1º de novembro de 1897, realiza-se nova Assembleia em que foram apresentados e aprovados por unanimidade os pontos que abaixo transcrevemos por serem exemplificativos da existência de uma instituição que conheceu diferentes fases de desenvolvimento. Assim:

“1º – que aos sócios fundadores da antiga sociedade musical – Recreio Topense – Senhores José Vieira de Sousa Enes; Izidoro de Bettencourt Vasconcellos Correia e Ávila; João Alves de Freitas e Manuel Henriques Borges – fosse oferecido o título de sócios beneméritos do Club União, como humilde prova de consideração.


2º – que ao cidadão José Paulino da Silveira e Costa, ausente nos Estados Unidos da América do Norte e mestre honorário da sociedade musical “Recreio Topense”, hoje dissolvida, se mantivesse o título de mestre honorário da filarmónica Club União.


3º – que aqui fosse exarado um voto de profundo pesar e sentimento pelo falecimento do infeliz e sempre lembrado presidente desta sociedade, benquisto cidadão, excelentíssimo Senhor João Benjamim Borges d’Azevedo Enes, falecido em Lisboa no dia 20-11-1896.


4º – que o Senhor Doutor José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa, da Villa das Velas, em conformidade com o artigo 7º dos referidos estatutos, fosse oferecido o título de sócio benemérito.


5º – que finalmente aos cidadãos José Paulino da Silveira e Costa, Pedro Alberto da Silveira e Sousa, Henrique Júlio de Noronha, Mateus João dos Reis e José Teodoro d’Oliveira, residentes atualmente nos EUA do Norte; José Mendonça dos Reis, morador no Brasil, sócios da sociedade musical Recreio Topense, hoje dissolvida e João Pereira Vieira, também atualmente nos EUA do Norte e sócio da sociedade que primeiramente teve o titulo de Club União e também hoje extinta – sejam todos considerados sócios ausentes desta sociedade.”


Outra curiosidade é a antecedência com que eram eleitos os corpos gerentes para o mandato do ano seguinte, por exemplo em 1898 foi no dia 1 de agosto, sendo a sua posse dada no dia 1 de novembro, com aprovação das contas e que coincidia com a data de aniversário da sociedade.


Na Assembleia do 1º de janeiro de 1899 foi aprovado por unanimidade “um voto de profundo agradecimento pelo mimoso oferecimento de uma bandeira de cetim azul claro, contendo as palavras “Club União”, bordadas a seda branca e com franja e borlas da retraz amarelo, que as excelentíssimas senhoras D. Senhorinha Elisa da S. e Costa, D. Maria Estefânia dos Reis Noronha, D. Rosa Ermelinda dos Reis, D. Lucinda Cândida de Bettencourt e D. Maria E. da Silveira e Costa se dignaram fazer a esta sociedade.”


O desenho da bandeira que aqui se apresenta foi produzido pela jovem designer Isabel Gomes, natural de Santo Antão, a quem muito se agradece a pronta atenção e disponibilidade, de mesmo no Canadá continuar a trabalhar para a sua terra como tem sido as mais diversas produções que temos tido oportunidade de apreciar com a admiração que temos pela Isabel.


Os honorários das filarmónicas das freguesias de Santo Antão e Topo tem gerado discussões diversas, abandono de músicos e sócios, mas esse é um problema com mais de 100 anos, como podemos ver no jornal “O Insulano” Nº 48 de 23 de junho de 1894, referindo que a procissão foi a seco na Festa de Santo António, por comodismo e acrescenta-se “que para o odioso recaia sobre quem é devido, fique-se sabendo que a filarmónica, Recreio Topense, só se tem recusado comparecer gratuitamente a qualquer ato religioso ou profano, quando se paga a uns e a outros não.”


Situações como a que originou a Assembleia Extraordinária de 11 de abril de 1899 poderia ter acontecido uns poucos anos atrás. É presidente e regente o Senhor Joaquim Homem da Silveira Noronha que começa por informar que a mesma é para “colocar os sócios a par do facto que se dera na véspera”. Explica que tendo os membros do Clube União resolvido que para acompanhar as coroações dos domingos das fatias seriam cobrados 5.000 réis e que convidado na véspera do 1º domingo, dera conta ao mordomo e que este dissera que não podia pagar.


Como a filarmónica não tocou, o falatório foi muito e inclusive envolvera músicos que “contrariando os princípios de união e solidariedade”, tinham criticado a ação do Presidente. Informa que no ensaio da véspera tinha confrontado os músicos, donde Álvaro Noronha, se destacara dizendo que apesar de decidido diferente, que ou se voltava ao antigo costume ou que saia. Foi este elemento secundado pelos músicos João AMÉRICO (este nome foi acrescentado depois de ter visitado os Estados Unidos da América, sendo mesmo referido numa ata a alteração do nome) Pereira da Silva, Inácio Augusto dos Reis (readmitido em 1 de agosto de 1901) e José Constantino Silveira Lopes.


Joaquim Homem, não se ficou pelas ameaças e referindo que na impossibilidade de chamar os mesmo à razão “os mandara sair imediatamente expulsando-os, pois não era amissível que permanecessem na sociedade indivíduos que queriam impor a sua opinião contra a maioria de sócios”.


Joaquim Homem da Silveira Noronha era sub-regente do mestre José Paulino, pelo que sucedeu àquele quando emigrou, à frente da filarmónica e acumularia o cargo com a presidência a partir de 1899 até 1908, sucedendo-lhe Pedro Borges dos Reis em 1909, que já tinha exercido a presidência em 1897 e foi ainda reeleito para o ano de 1910. Como regente Joaquim Homem manteve-se até 4 de dezembro de 1910, conforme consta da ata, o que abalou a sociedade pois na mesma Assembleia é votado “o fim ou continuidade da sociedade”, acabando por ser eleito presidente para dar continuidade, o professor Manuel Jorge Soares, acompanhado do secretário Manuel Augusto dos Reis e tesoureiro Gregório Freitas.

As coisas não deveriam andar muito bem porque na assembleia imediatamente atrás referida, regista-se que a ausência de atas desde 1908 se deve ao “descuido dos secretários”. A crise estava aberta e uma semana depois realiza-se nova assembleia onde se regista: – “Voto de profundo pesar pela demissão de um dos mais prestimosos sócios desta sociedade, o ilustre cidadão Joaquim Homem da Silveira Noronha e que não havendo de entre os músicos atuais outro que se queira encarregar da regência da filarmónica, fica a ela a cargo da diretoria.”


Este “retalho solto” fica por 1910, merecendo que outros se juntem a este num futuro próximo. A ideia é que serão necessários mais três retalhos: um que possa abranger o período 1910-1940 que coincide com o falecimento de Joaquim Homem da Silveira Noronha; outro que pensamos poder abranger a história até 1980, destacando a figura incontornável de João da Costa Reis e um final retalho que trace o percurso a partir de 1980.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.