OPINIÃO

OPINIÃO | Preço do leite nos Açores mais distante do praticado no continente e na Europa, por Patrícia Miranda

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Em tempos difíceis para toda a sociedade, em tempos onde os valores socioeconómicos começam a ser postos em causa, em tempos em que a especulação sobre a escassez alimentar se faz ouvir, que futuro esperar para a produção de leite nos Açores?

A agricultura regional assume um valor importante na economia local e o setor do leite e lacticínios exprime uma representação considerável: 33% da produção de leite nacional; 38% da produção de queijo nacional; 80% da produção de leite dos açores é para exportação (dados do SREA e PORDATA, em 2020).

Torna-se evidente todo o capital que ronda em torno da agricultura, neste caso em particular do setor do leite e lacticínios. Este é um setor que tem a urgência de ser protegido, um setor que tem a urgência de ser uma prioridade para quem nos governa.

Todos nós conhecemos as dificuldades que o setor do leite e lacticínios atravessa, resultantes de um conjunto de fatores. O setor atravessa um período prolongado de grave desequilíbrio entre preço pago à produção e aumento do custo dos fatores de produção, que se traduz em preços de venda inferiores ao custo de produção, tendo atingido níveis insustentáveis para um grande número de produtores.

Continuamos com um dos preços à produção mais baixos da Europa e com uma grande discrepância quando comparados com os preços praticados no continente. Estamos a falar de uma diferença de cerca de 17% dos valores praticados no Continente, e de uma diferença de 38% dos valores praticados na Europa.

Contudo, os mercados estão a mudar, a procura está a aumentar, temos o exemplo dos EUA, ao importar leite em pó da UE para colmatar o decréscimo na sua produção e fazer face às suas necessidades, neste caso para a alimentação de bebés. O preço ao consumidor começou a subir, portanto, o preço ao produtor teve e tem que, obrigatoriamente, começar a ver refletidas essas mudanças. Infelizmente, contudo, aquilo a que o produtor assiste é a aumentos insignificantes por parte das indústrias e medidas insignificantes por parte do Governo Regional, para fazer face às dificuldades que já se faziam sentir e que agora se agravaram pelo aumento do custo dos fatores de produção.

Neste momento, os produtores estão a diminuir a sua produção porque não é rentável, não compensa produzir leite com custos de produção tão elevados.

E, em vez deste Governo estar preocupado em arranjar soluções para a origem do problema, soluções com impacto imediato, este governo decide “tapar o sol com a peneira”, e mais uma vez são os produtores que saem prejudicados.

O problema não está e nunca esteve na produção, mas sim na transformação e na comercialização, e em vez de, fechar indústrias ou expor publicamente as dificuldades das cooperativas de lacticínios, fragilizando a sua credibilidade e a sua capacidade de negócio ou ameaçar cortar-lhe os apoios, o Governo devia sim, arranjar forma de as impulsionar e ajudar a projetar os nossos produtos nos demais mercados!

É mais um sinal de que este governo não sabe que rumo dar à nossa Agricultura, em especial ao setor de leite e lacticínios.

Assistimos a um total desnorte no setor, com medidas e orientações contraditórias: em algumas ilhas estimula-se a produção, noutras apoia-se a redução voluntária e a conversão para outros setores, gerando confusão e insegurança no setor do leite e lacticínios!

E com estas medidas, o lugar que os Açores podiam ocupar nos mercados, quer nacionais, quer internacionais, será ocupado, mas certamente não será por nós, já diz o ditado, “Quem vai ao ar perde o lugar”!

Numa altura, em que a sustentabilidade e sobrevivência da produção está em causa, a valorização e pagamento do produto não pode ser feita por medidas assentes em expectativas ou em medidas em que o retorno não será imediato, temos sim que apostar em medidas rápidas e eficazes com impacto positivo e direto no rendimento dos agricultores.

A situação que se vive no setor do leite é uma situação gravíssima. Neste cenário de completa desregulação, este governo optou por uma falsa autorregulação. O resultado está à vista: os agricultores Açorianos, estes homens e mulheres, que dedicam a sua vida à terra e aos animais, continuam a pagar para produzir e a pagar para trabalhar.

Aproveitando as declarações do Sr. Secretário da Agricultura e Desenvolvimento Rural: “o governo existe para isso, para acautelar o rendimento das pessoas, neste caso dos agricultores”. Problema é que “palavras leva as o vento” e, neste caso, alguma coisa realmente está a falhar…

PS/AÇORES/RÁDIOILHÉU

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.