SÃO JORGE

OPINIÃO | Na minha saga graciosense, Procura-se: “Belarmino, velho rico de Santa Cruz”, por Paulo Teixeira

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Quando andava na escola e me perguntavam o que queria ser, respondia nos primeiros anitos com um “ordenhar vacas” (meu pai não tinha lavoura) e mais tarde com “ser veterinário”. Bem, naqueles longínquos anos de 1987/88 era preciso sair da ilha para fazer o Secundário e fui para a ilha Terceira, onde me deram alojamento e comida no Centro Juvenil, sito na Penha de França no Pico da Urze.

Na Terceira tive possibilidade de jogar futebol no Lusitânia e de tocar música na Fanfarra Operária e nas Cinco Ribeiras, sendo um dos seus músicos fundadores, juntamente com a minha irmã Ana Bela e para onde fomos pela mão do Aires Reis e do seu pai, António Tomé, então o regente.

Ainda continuava a pensar que queria ser veterinário, mas a verdade é que só havia dois lugares no contingente Açores e as notas de acesso eram pelo teto. Recordava então as palavras mais realistas da minha professora de matemática, Senhora Agostinha que me dizia para considerar a Terra Chã como possibilidade para dar continuidade aos estudos.

A verdade é que no fim do décimo segundo ano recebi uma chamada com uma proposta de trabalho e formação, numa área que, confesso, nunca tinha imaginado: Técnico Profissional de Construção Civil. Acabei por gostar e cheguei mesmo a ingressar na Universidade dos Açores em Ciências da Engenharia Civil, suspendendo e acabando por transferir a matrícula para a Universidade Aberta onde conclui Ciências Sociais – Política Administrativa.

Bom tudo isto para dizer que a minha verdadeira paixão nunca foi o meu objetivo de formação ou de realização profissional, mas sempre mais um “hobbie” e vá-se lá saber porquê. Sempre gostei de História. Fascina-me querer saber como foram os lugares, as pessoas e como se faziam as coisas.

Em determinada altura, já morava na fajã de São João onde a eletricidade era fornecida por um gerador comunitário das 18h às 24h, virei-me para as genealogias. A ideia era reunir os primos da minha geração, espalhados por esse mundo fora de forma a possibilitar o eventual contato. Ora a obsessão foi grande. Passava as noites, enquanto não faltava a energia, a pesquisar via net no Arquivo de Angra que já tinha digitalizado os assentos de nascimentos, casamentos e óbitos da zona do Topo. Cada descoberta, até cada decifrar de uma palavra ou letra era um incentivo para continuar. Só parava quando matematicamente o gerador desligava e a esfregar nos olhos cansado lá iá eu dormir e quando não conseguia ficava a analisar as minhas descobertas do dia.

Bom, ainda hoje ando na luta por encontrar pessoas que completem a árvore genealógica. Cada pequena pista é um caminho a seguir e acabei de chegar da ilha Graciosa, onde nasceu minha avó materna no longínquo inverno de 1908, assente na Igreja de São Mateus como tendo nascido no Caminho do Meio, filha de pai incógnito e onde terá vivido até cerca dos 4 anos, saindo com uma muito ligeira ideia de o “pai” lá ir a casa e levar chocolates. E a informação que chegou à minha mãe e tias foi que o seu avô era um “velho rico de Santa Cruz chamado Belarmino”.

Tenho vasculhado a informação digitalizada no Arquivo de Angra e o único Belarmino (Sousa – solteiro) que me apareceu é o padrinho de batismo do Henrique, irmão de minha avó que nasceu na Cancela, São Mateus da Graciosa. Nesta viagem pensei que a possibilidade seria de, no arquivo da Câmara Municipal, encontrar os recenseamentos eleitorais ou de contribuição para achar o meu Belarmino. Ainda chateei algumas pessoas e através do amigo João Ferraz descobri que um incêndio a meados do século XX tinha consumido a documentação mais antiga. Via, assim, a minha esperança ardida nas chamas.

Num quase estado de desespero fui em busca de um milagre e percorri o cemitério de Santa Cruz, focava as campas mais antigas e anónimas, algumas esquecidas, imaginando se não seria aquela, a última casa do meu “Belarmino de Santa Cruz”. Algumas fotografias fruto da curiosidade ou da singularidade de uma outra campa e abandonei aquele espaço.

Fui ao Registo Civil e a simpática senhora que me atendeu, pacientemente foi buscar os livros. Parti do princípio que um “velho” em 1908 deveria ter falecido dentro da janela dos próximos 20 anos e nada de Belarmino até 1930. Agora acho que deveria ter pedido à Senhora para ver mais 20 anos, é que o conceito de “velho” pode ser muito relativo. Ainda fica essa possibilidade de encontrar o “velho” de Santa Cruz.

A outra possibilidade, que alimenta a minha esperança de encontrar o Belarmino, é através do Rol de confessados do fim século XIX (anos de 1890) e início do século XX (até 1915), com o que conto pedir ajuda ao jorgense Padre João Paulo.

A mina costela graciosense leva-me a querer conhecer a história da terra onde nasceu a minha avó e, nesta viagem, levei comigo Saudades da Terra, livro VI do Dr. Gaspar Frutuoso, acabei por ler mais alguns trabalhos, mas destaco os que regressam comigo à fajã de São João: “Memórias para a História da ilha Graciosa” do Padre Jerónimo Emiliano de Andrade; “O Cantinho do Gabriel – histórias do quotidiano graciosense” de Gabriel Melo e “Açores. Seus Milenares Mistérios e Segredos” de Ezequiel Athayde, um descendente de graciosenses emigrados no Brasil. Olhei para o livro e pensei que me surpreenderia, mas muito mais do que isso, encontrei a explicação que melhor me convence para a designação de “Açores” e, chegando à ultima das 156 páginas, voltarei ao princípio para fazer uma segunda leitura desta pequena mas fantástica obra, que deve merecer dos mais atentos uma profunda e justa análise critica.

Já me alonguei com o entusiasmo sem dizer ao que venho. Na verdade, procuro ajuda para encontrar o “Belarmino, velho rico de Santa Cruz”, esperando que a sorte possa bater à porta e que de um qualquer canto do mundo, onde chega o DI, encontre o meu bisavô da Graciosa e com isso partilhe a informação com a minha querida octogenária mãe, que sempre se mostrou curiosa a respeito desse seu antepassado. Grato a todos os que tiraram tempo para ler este artigo e ainda mais agradecido aos que tenham alguma informação e que desejem partilhar comigo, podendo faze-lo através do email: saojoao11@gmail.com.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.