Em 1976, à beira de fazer os dezoito anos de idade, substituí um amigo da nossa família num programa de rádio em língua portuguesa que ele produzia há meia dúzia de anos. Estávamos em Tulare, pacata cidade no sul do vale de San Joaquim, cidade irmã de Angra do Heroísmo, para a qual havia emigrado com os meus pais aos dez anos de idade e na qual tinha continuado a minha paixão pela rádio, que ouvíamos em nossa casa diariamente. A rádio na diáspora, nos anos fortes da nossa emigração para a Califórnia, particularmente nas décadas de 1960 e 1970, era mais do que a ligação à terra mãe, era a rádio que assegurava a continuidade da língua portuguesa nas nossas casas, e açorianidade além-arquipélago. A diáspora açoriana em terras americanas e canadianas não seria a mesma, sem a história da nossa rádio em língua portuguesa, que acompanhou as nossas vidas em terras da nossa emigração. Qualquer comunidade que se prezava, tinha o seu programa de rádio. A Califórnia teve dezenas de programas de rádio em língua portuguesa.
Quando no fim desse mesmo ano de 1976, no mês de dezembro, já com os 18 anos feitos, decidi começar o meu primeiro programa de rádio em língua portuguesa, fi-lo com muita apreensão, porque esta zona tinha alguns dos pioneiros da nossa rádio, como Inácio e Magarida Santos que haviam começado o seu programa em 1937 e Joaquim e Amélia Morisson (meus grandes amigos) que começaram na década de 1950. Juntei-me a uma amalgama de homens e mulheres que se dedicavam à manutenção da língua portuguesa, das tradições, das nossas vivências além-arquipélago. Nesse ano de 1976 havia nesta zona da Califórnia havia 16 programas de rádio em língua portuguesa, o meu humilde “Voz do Emigrante Português” foi o décimo sétimo, quase todos emitidos em duas estações de rádio americanas.
A comunidade de origem portuguesa nesta zona, ainda nesse ano de 1976 era marcada por todos os meses pela chegada de novos emigrantes, se bem que em número muito mais reduzido, do que nos fins da década de 1960 e começo de 1970. A rádio era a ligação a tudo o que ficava para trás e, simultaneamente, uma ajuda importante no processo de integração. Era a rádio que dava as notícias de lá e de cá, trazia o calendário social, ajudava na aquisição de emprego, dava-nos conselhos sobre as firmas que tinham empregados que falavam a nossa língua, dizia-nos quem havia nascido, casado e morrido. Por vezes extremamente artesanal, era uma rádio que falava com a comunidade e não para a comunidade. Falava-nos sobretudo da nossa realidade atual, e não da comunidade que já não eramos, como, infelizmente, acontece nos dias de hoje.
Neste Dia Mundial da Rádio, em que a diáspora açoriana na califórnia está diferente, muito diferente, em que as novas tecnologias vieram mudar o mundo, e a nossa rádio já não é a mesma, como a comunidade também não é a mesma, há que trabalhar, de uma forma diferente, mas há que trabalhar, para que tenhamos a nossa própria voz, uma voz adequada ao mundo da nossa diáspora. E há que celebrar esta efeméride celebrando que foi construído pelos pioneiros, não como exercício saudosista, como uma via-sacra sofrida e penada, que infelizmente é tão notória nas nossas vivências da diáspora açoriana na Califórnia, mas termos a coragem de mudar, de transformar o que já pertence ao passado, e trazer à comunidade a rádio que seria importante a mesma ter: a sua própria voz, alicerçada na história que temos, consciente de que todos estamos aqui sobre os ombros de alguém, mas com olhos postos no futuro. Essa seria a melhor homenagem que poderíamos prestar aos nossos pioneiros, para que parafraseando a poeta Natália Correia, não fiquemos presos, nas “ruinas da memória.”
*de um verso de Vera Santos, do livro Lua que Sou