TOPO | Correio dos Açores. “Se existisse um barco a fazer a ligação Topo–Angra, podia criar-se um corredor entre as ilhas do Triângulo e a Terceira” (c/ entrevista)

Lizandro Bettencourt, presidente da Junta de Freguesia do Topo desde 2013, aponta como principais desafios a falta de habitação para os jovens, a deserticação, o envelhecimento da população e a ausência de respostas sociais, como um Lar ou um Centro de Dia — problemas comuns a muitas freguesias, mas agravados aqui pelo isolamento geográfico no extremo oriental de São Jorge. Ainda assim, o autarca afirma que o Topo se distingue por uma vida cultural activa, uma forte ligação ao Espírito Santo, um clube desportivo que mobiliza a ilha ao fim-de-semana, e por ser a casa de um dos queijos mais vendidos dos Açores. O turismo marítimo tem vindo a crescer e, para o autarca, o futuro pode passar por reforçar a ligação com a Terceira: “Estamos aqui a dois passos — uma marítimo-turística faz a ligação em cerca de uma hora e um quarto. Se houvesse um barco a fazer essa travessia, criava-se quase um corredor entre as ilhas do Triângulo e a Terceira”, afirma.
Correio dos Açores – Que retracto fazda freguesia do Topo?
Lizandro Bettencourt (Presidente da Junta da Freguesia do Topo) – A nossa freguesia foi sede de concelho até 1870, altura em que perdeu o estatuto de vila, que depois recuperou no ano 2000. Historicamente, manteve uma forte ligação à ilha Terceira, já que antigamente era muito difícil passar a serra que nos divide do resto da ilha de São Jorge.
Somos uma vila com muita história e património. Contamos com um convento franciscano, uma igreja matriz de estilo barroco, uma das mais importantes da ilha, e o único farol habitável em São Jorge, que depois dá manutenção aos outros faróis. O Solar dos Tiagos, onde funciona hoje a Casa do Povo, com serviço de enfermagem e médico.
No plano associativo, existem duas sociedades filarmónicas, o nosso Clube Desportivo Escolar do Topo, e o Cachalote – Associação De Defesa Do Património Da Vila Do Topo porque tem um bote baleeiro que participa em regatas no Grupo Central, e também já participou nos regionais nas ilhas de Santa Maria e Flores.
Temos ainda o quartel dos bombeiros e a Escola Básica Integrada do Topo, que vai até ao nono ano e dá bastante vida à freguesia. E mantêm-se activas as Irmandades do Espírito Santo, muito enraizadas nesta zona da ilha. Somos uma freguesia com bastante actividade cultural, tanto nos eventos organizados pelas sociedades filarmónicas como pela comunidade em geral.
Quais são os principais desafios, necessidades e diculdades que a freguesia enfrenta actualmente?
Desde logo, estamos separados do resto da ilha, e às vezes, para que alguma coisa chegue até cá, não é assim tão fácil quanto se pensa. Depois, temos a questão da habitação e uma população bastante envelhecida. Mas nem tudo é negativo. Também temos coisas muito boas aqui. Por exemplo, o nosso queijo do Topo, que é o queijo mais vendido nos Açores e temos uma população de jovens que investem bastante na agricultura, que é o pilar fundamental desta zona da ilha. Produz-se muito leite, há uma grande densidade de gado Ramo Grande aqui nesta zona, e muitos dos animais criados aqui são depois vendidos para outras ilhas.
As verbas disponíveis são suficientes para gerir a freguesia ao longo do ano?
As verbas são sempre escassas. E não nos vitimizando, sabemos que as Juntas de Freguesia são sempre o parente pobre da democracia. Tentamos gerir da melhor forma, e um dos principais objectivos da Junta é também alertar as entidades competentes para a falta de uma ou outra infra-estrutura. De resto, temos a freguesia bem organizada em termos de caminhos agrícolas e de cemitério, e os arruamentos têm melhorado. Foram feitas algumas intervenções em parceria com a Câmara Municipal, por exemplo nos passeios aqui na zona da vila. Retiraram-se águas pluviais e resolveu-se um ou outro problema grave que havia na freguesia. Portanto, têm-se feito melhorias dentro das nossas possibilidades. Mas claro que é sempre difícil, porque as verbas são sempre muito limitadas para aquilo que ambiciona-mos fazer.
Actualmente há falta de algum serviço ou infra-estrutura essencial na freguesia?
Sim. Face à questão da população envelhecida, temos falta de um Centro de Dia e de um Lar de Idosos. Vemos outras ilhas que estão geograficamente mais próximas dos seus centros urbanos e que têm estas infra-estruturas, e claro que consideramos que seria uma mais-valia aqui para esta zona. Os idosos ficavam mais perto das suas famílias e criavam-se postos de trabalho, o que pode ajudar a contrariar um pouco a deserticação.
A falta de habitação é um dos problemas para os casais jovens? Por que razões?
Sim. Em primeiro lugar, o facto de haver compradores de fora a adquirir habitação faz com que os preços subam. Qualquer casa que aparece à venda tem sido vendida, e essa conjugação entre o aumento dos preços e a capacidade de compra acaba por afastar os jovens da possibilidade de adquirir habitação. Depois há outras situações. Como temos aqui a escola, há casas que são geralmente alugadas a professores. E temos também algumas que foram transformadas em alojamento local, o que faz com que deixem de estar disponíveis para o arrendamento jovem. Tudo isto contribui para a diculdade em fixar jovens na freguesia. Este não é um problema exclusivo do Topo, mas é, de facto, uma diculdade que também leva à diminuição da população.
Sente problemas relacionados com a falta de mão de obra?
Também se sente um pouco. E já nem vou falar da agricultura, porque, a nível de lavoura, claro que há sempre muita falta de mão de obra. As nossas empresas de construção civil estão todas cheias de trabalho, mas também é muito difícil encontrar trabalhadores. Para colmatar este problema, têm chegado imigrantes, sobretudo de Cabo Verde e do Brasil, que vêm trabalhar para a construção e a restauração. Isso, claro, faz com que também ocupem casas, que depois deixam de estar disponíveis para o arrendamento jovem.
Qual é a dimensão do turismo na freguesia? O número de alojamentos locais tem aumentado?
Neste momento, temos cerca de sete alojamentos locais. O turismo, especialmente entre Maio e Setembro, tem muita expressão aqui no Topo. Nessa altura, temos praticamente todas as casas ocupadas. Os restaurantes, por norma, também estão sempre cheios. Mesmo quando os turistas não pernoitam nem usam a restauração local, há sempre muito movimento. Muitos dão a volta aqui ao Topo, vão à zona da Pontinha, que é uma zona balnear, com o Ilhéu, de onde se consegue ver as ilhas Terceira e Graciosa em frente.
Também têm vindo algumas empresas marítimo-turísticas da ilha Terceira. Agora com o nosso novo porto, que foi uma mais-valia para a freguesia, muitas dessas empresas embarcam e desembarcam aqui, o que dá um movimento considerável no Verão.
Temos ainda uma costa lindíssima, desde o Topo até à Caldeira de Santo Cristo, que vale muito a pena visitar. Essa zona tem muito potencial a nível marítimo-turístico. Claro que há sempre aspectos a melhorar. A nível de alojamento, se surgirem mais unidades ou até uma residencial, seria positivo. É preciso também melhorar alguns miradouros e valorizar um ou outro trilho, especialmente na zona norte da freguesia. São medidas que, com certeza, ajudariam a atrair ainda mais turismo.
Quantos residentes têm actualmente na freguesia e qual é a percentagem de idosos e jovens? Quais são as tendências de migração dos jovens?
Temos à volta de 400 habitantes, maioritariamente idosos. Quando acabam o 12.º ano, alguns jovens acabam por encontrar trabalho e fixam-se na freguesia; há quem abra o seu próprio negócio, sobretudo na lavoura. Mas, geralmente, os que vão estudar fora raramente regressam.
Como é que descreve a gastronomia do Topo?
A nossa ligação a Angra ainda se nota muito na gastronomia, sobretudo pela influência das especiarias, que antigamente eram descarregadas na cidade de Angra. Temos as nossas Espécies, que são um doce típico aqui do Topo e da ilha de São Jorge e os nossos enchidos são diferentes pois têm muito mais tempero do que os do resto da ilha. Na parte da pastelaria, temos os doces típicos do Espírito Santo, como os quercísios e os suspiros. Também fazemos as alcatras, e apanha-se algum peixe fresco aqui no nosso cais. O nosso queijo é o mais vendido nos Açores e uma parte é exportada para o mercado da saudade, como os Estados Unidos e o Canadá. Não tem um paladar tão intenso como o queijo de São Jorge DOP, mas é mais manteiguento, mais fresco, mais leve ao comer — e é, sem dúvida, uma mais-valia a nível gastronómico para esta zona.
Quais têm sido as principais acções de promoção cultural da freguesia?
Temos o nosso Clube Desportivo Escolar do Topo que já esteve na Série Açores, depois desceu de divisão para o nível ilha e voltou a subir este ano. Portanto, no próximo ano estará novamente no Campeonato Nacional de Voleibol, a disputar com equipas de outras ilhas. Isso dá um movimento muito interessante à nossa vila, porque quase todos os fins-de-semana a população da ilha junta-se e vai apoiar a equipa ao pavilhão, e isso dá aqui uma dinâmica muito positiva. Temos também duas sociedades filarmónicas, que organizam vários eventos culturais ao longo do ano, além da actividade musical. A Casa do Povo, onde funciona o serviço de enfermagem, também acolhe iniciativas comunitárias. A partir da Páscoa até Setembro, os fins-de-semana da ilha estão todos preenchidos com festividades. Cada sociedade faz a sua festa. Temos as festas religiosas, com destaque para São Pedro.
Temos o 15 de Agosto, que é a Senhora da Ajuda. Temos o nosso Bolo de Leite, que é na terça-feira do Espírito Santo. E temos os jantares que vão até ao oitavo domingo. Depois há uma particularidade interessante aqui na zona, que penso que é única nos Açores: o ‘Jantarinho das Meninas’, uma tradição secular em que há uma coroação feita só por meninas e, em vez de darem carne e sopas, fazem uma merenda à tarde com os doces típicos aqui da nossa zona.
A freguesia do Topo tem potencial para se desenvolver mais? Em que condições e em que domínios?
A freguesia do Topo tem condições para se desenvolver mais a nível turístico e de lavoura. É verdade que o terreno não cresce, mas de modo geral ainda poderá evoluir mais um pouco. Outra coisa que poderia elevar o potencial desta zona da ilha seria aproveitar o porto existente para estabelecer uma ligação à cidade de Angra pois estamos aqui a dois passos da ilha Terceira — só para dar uma ideia, uma embarcação marítimo-turística faz esta ligação em cerca de uma hora e um quarto, com o mar bom.Se existisse um barco que fizesse a ligação Topo–Angra, podia criar-se um corredor entre as ilhas do Triângulo e a Terceira. Para isso, claro, seria preciso vontade política e o investimento de algum privado que se quisesse avançar com este projecto.
DC/CA/RÁDIOILHÉU