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OPINIÃO | Vera Duarte: Uma ponte de culturas e emoções, por Diniz Borges

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Eu africana me confesso
Ave de raízes enterradas no vento 
Tronco de barbatanas em pétalas 
Flor rubra nascida no charco 
Gritando em pleno deserto
A canção do mar das ilhas  

Vera Duarte no poema Eu africana me confesso

As línguas e as linguagens são amplamente aceites como uma ferramenta potente de comunicação, cultura e arte.  A poesia, uma das expressões mais profundas do pensamento e das emoções humanas, não conhece fronteiras. Traduzir poesia de outras línguas para inglês é um esforço essencial que tem uma importância imensa, ultrapassando os limites linguísticos e culturais.  O significado multifacetado da tradução de poesia fomenta a compreensão global, faz a ponte entre mundos e reúne o espírito humano com a sua amálgama de tribulações e esperanças.  Como George Steiner afirmou de forma tão eloquente:  “Cada língua é um mundo. Sem a tradução, habitaríamos paróquias que rondam o silêncio”.  Daí a minha razão para traduzir a poderosa poesia de Vera Duarte, uma poetisa sem fronteiras que transcende culturas, etnias, raças, géneros e todos os outros rótulos que insistimos em usar e abusar.  O seu trabalho é um testemunho do poder duradouro da poesia para transcender fronteiras e ligar a humanidade através do tempo e do espaço.  

Cabo Verde, também como se sabe, tem produzido muitas vozes notáveis; uma dessas poetisas extraordinárias é Vera Duarte. A sua voz reflete a rica tapeçaria cultural desta nação insular africana, enquanto explora temas universais de amor, identidade e nostalgia. A obra de Vera Duarte é um tesouro de emoções e perceções que merecem ser partilhadas com o mundo anglófono, incluindo a diáspora cabo-verdiana, especialmente na América do Norte, onde a sua poesia, agora traduzida, pode ter um impacto profundo.  

Uma leitura atenta da obra poética de Vera Duarte trará, à tona, que é sem sombra de dúvida uma poesia profundamente enraizada na experiência cabo-verdiana, uma mistura única de influências africanas, europeias e crioulas. As suas palavras carregam o peso da história, refletindo as lutas e a resiliência do seu povo. Os seus poemas retratam vividamente as paisagens, as tradições e o folclore de Cabo Verde, permitindo aos leitores mergulhar na cultura e na história desta bela nação. Levar a poesia de Vera Duarte aos leitores anglófonos é abrir uma janela para uma cultura e tradição entrelaçadas em muitas experiências, ligando latitudes e criando esperança.   A poesia de Vera Duarte está profundamente ligada ao que Maya Angelou escreveu um dia: “O navio da minha vida pode ou não estar a navegar em mares calmos e amáveis. Os dias desafiantes da minha existência podem ou não ser brilhantes e promissores. Dias de tempestade ou de sol, noites gloriosas ou solitárias, porém, sempre mantenho uma atitude de gratidão”.   Mesmo nos poemas mais sombrios, podemos sentir as pinceladas de um movimento que se baseia na justiça social, na igualdade racial e de género e numa paz significativa, princípios que os poetas cantam e todos no mundo criativo devem assumir.  Como escreveu Toni Morrison: “as definições pertencem a quem define, não a quem é definido”.

À medida que me fui familiarizando com os poemas de Vera Duarte, lendo-os e relendo-os, senti-me compelido, ou melhor, com um sentido de obrigação de enfrentar a desafiante tarefa de a traduzir para inglês, pois as suas palavras e o que está entre as palavras (o título da coleção traduzida) contêm uma multiplicidade de temas universais que ela explora magistralmente. O amor, a perda, a nostalgia e a condição humana estão no centro da sua obra. A capacidade de Vera Duarte para ultrapassar as fronteiras culturais e explorar a experiência humana em todas as latitudes, torna a sua poesia altamente relacionável com um público global.  

É, pois, meu sincero desejo que os leitores de língua inglesa consigam ver o poder dos seus versos profundamente emotivos e instigantes.  Que possam encontrar consolo e inspiração nas suas palavras, pois, como escreveu Martin Luther King: “As trevas não podem expulsar as trevas; só a luz o pode fazer. O ódio não pode expulsar o ódio; só o amor o pode fazer”.

A poesia de Vera Duarte contribui para a diversificação e o poder da literatura como um património que pertence a todos os cidadãos. A sua voz única e intensa na língua inglesa introduz novas nuances, outras perspetivas e influências culturais nas nossas sociedades que, felizmente, são cada vez mais multiculturais.  Como escreveu James Baldwin: “O mundo é teu para moldares. Podes mudá-lo ou deixar que ele te molde.”  A poesia de Vera Duarte enriquece o panorama literário, permitindo uma maior apreciação da experiência humana em qualquer parte do planeta.   A poesia de Vera Duarte pode atuar como uma ponte entre culturas, promovendo a compreensão e a apreciação mútuas.  

Alice Walker recordou-nos vezes sem conta que:  “É mais saudável, penso eu, olhar para o mundo através de uma janela do que através de um espelho.”  Ou, como Vera Duarte magicamente escreve num dos seus poemas: “visionária e idealista / à procura do oásis da vida”.

Encaro também a tradução da poesia de Vera Duarte para inglês como uma abertura a várias potencialidades de benefícios educativos e académicos. A sua obra oferece um recurso valioso para académicos, estudantes e investigadores interessados em explorar a literatura e a cultura de Cabo Verde e da diáspora cabo-verdiana. A tradução da sua poesia permite uma análise aprofundada e uma comparação intercultural, contribuindo para uma compreensão mais ampla da literatura global e da interligação das experiências humanas em questões que nos afetam, independentemente de quem sejamos e onde estejamos.  É que tal como Vera Duarte escreveu, há que “construir a utopia de um futuro / feito de palavras e profecias”.  Ou como escreveu Harriet Beecher Stowe: “O passado, o presente e o futuro são um só: são hoje”.

Nunca é demais dizer-se que a poesia de Vera Duarte é uma joia cultural, oferecendo um vislumbre único da experiência cabo-verdiana e explorando temas universalmente ressonantes.  Profundamente enraizada no seu país e na sua visão do nosso mundo, por vezes demasiadamente complicado, a poesia de Vera Duarte transcende fronteiras e línguas, tornando-se uma adição valiosa ao cânone literário global, enriquecendo as mentes e os corações dos leitores de língua inglesa e um farol para muitos descendentes deste arquipélago na diáspora cabo-verdiana que já não comunicam na sua língua original. 

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.