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OPINIÃO | Sob um guarda-chuva de hortênsias: Escritoras canadianas com raízes açorianas, por Diniz Borges

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E os olhos emigrados
na nave da pálpebra
Natália Correia in auto-retrato

A tapeçaria cultural do Canadá é entrelaçada com os fios de diversas comunidades de imigrantes, cada uma contribuindo com uma narrativa única para a rica paisagem literária do país. As três escritoras portuguesas apresentadas no num painel do Congresso da Mulher Migrante, todas com raízes nos Açores, têm desempenhado um papel distinto entre as vozes multiculturais canadianas, acrescentando uma vasta experiência e perspetiva à cena literária canadiana. Estas e outras escritoras com raízes portuguesas têm navegado pelas complexidades da identidade, migração e pertença. Elaine Ávila, Esmeralda Cabral e Maria João Maciel Jorge oferecem uma visão profunda dos desafios e triunfos da experiência luso-canadiana e das ligações que a Diáspora procura promover com o outro lado do Atlântico.

Elaine Ávila, uma dramaturga canadiana de ascendência açoriana/portuguesa, é apaixonada pela exploração de histórias não contadas. Traz uma perspetiva única à literatura canadiana através da sua multiplicidade de experiências e do seu contacto com a terra natal dos seus antepassados. Foi descrita como “ousada, inteligente, direta, espirituosa, compassiva… convidativa, abrangente” (Caridad Svich), “aberta, generosa” (Erik Ehn), e “uma escritora maravilhosa, tremendamente dotada, fiável e inovadora”. (Suzan-Lori Parks).

As suas peças foram estreadas em Edmonton, Vancouver, Victoria, Toronto, Nova Iorque, Seattle, Novo México, Lisboa, Portugal e Londres, Inglaterra. Trabalhos recentes/próximos: Jane Austen, Action Figure; Kitimat; Quality: the Shoe Play, Lieutenant Nun, Burn Gloom, La Frontera/The Border, Lost and Found in Fado. Prémios: Victoria Critic’s Circle para Melhor Peça Nova, Favorito do Público Festival de Cocos, Cidade do Panamá; Vencedor, Disquiet International Short Play Competition, Lisboa; Canada Council (numerosos). Leccionou nas universidades da Colúmbia Britânica, Tasmânia, China e Panamá. As suas publicações incluem Fado – the saddest music in the world and  The Ballad of Ginger Goodwin & Kitimat (duas peças para trabalhadores).  

Como Elaine Avila prova nas suas magníficas peças de teatro, as escritoras portuguesas/açorianas no Canadá têm, habilmente utilizado o meio literário para explorar as complexidades das suas identidades. Estas escritoras debatem-se frequentemente com a tensão entre a preservação da sua herança açoriana e a aceitação da sua realidade canadiana. Através das suas obras, pintam um quadro vívido com a plenitude da experiência imigrante, destacando as dificuldades de integração, a nostalgia da terra natal e a negociação de uma identidade cultural híbrida. As suas narrativas servem de ponte entre vários mundos, convidando os leitores a contemplar as nuances da diversidade cultural. É um dos aspetos mais importantes desta nação de muitas nações. Uma cultura de muitas culturas. Uma literatura de muitas obras literárias.     

Esmeralda Cabral nasceu na ilha de São Miguel, Açores.  Ainda muito jovem, emigrou com a sua família para o Canadá. Atualmente, vive em Vancouver, na Colúmbia Britânica. Escreve não-ficção criativa – principalmente memórias – e ensaios sobre comida, viagens e ambiente. Também gosta de escrever para crianças pequenas. Segundo a descrição da sua editora, How to Clean a Fish: é uma convidativa história de viagem em família sobre uma estadia prolongada em Portugal, repleta de aventuras gastronómicas e culinárias, barreiras linguísticas, burocracia e a necessidade irresistível de nos ligarmos à cultura do lugar onde nascemos. 

Manuela Marujo, professora emérita da Universidade de Toronto e organizadora da conferência excecional na qual foi incluído este painel, que tive a honra de moderar, sintetiza magistralmente a obra da escritora nascida em São Miguel: “Esmeralda abraça com entusiasmo a oportunidade de viver com a sua família numa bela aldeia piscatória perto de Lisboa. Partilhando uma conversa genuína com as pessoas que encontra, explorando o seu amor pelo peixe, e constantemente traduzindo e interpretando para o seu marido e filhos, a viagem de Esmeralda está enraizada numa consciência da história e da cultura e no dilema da pertença.” 

De facto, a obra de Esmeralda Cabral, tal como a das outras duas escritoras deste painel, reflete uma profunda ligação à experiência imigrante. Quer explorem as complexidades da dinâmica familiar, a luta pela aceitação ou a procura de um sentido de pertença, estes autores trazem uma perspetiva única à narrativa canadiana em geral. As histórias ressoam na comunidade portuguesa/açoriana e em leitores de várias origens culturais, promovendo uma compreensão mais profunda da nossa experiência humana comum.  

Maria João Maciel Jorge também nasceu nos Açores e viveu na ilha da Faial até emigrar para o Canadá. A Professora Maria João Maciel Jorge é Associate Dean da Faculdade para o Envolvimento Global e Comunitário na Universidade de York, depois de ter sido Professora de Estudos Portugueses no Departamento de Línguas, Literaturas e Linguística da Universidade de York. Concluiu o seu doutoramento em 2007. É especialista em literatura espanhola e portuguesa do início da Idade Moderna. Os seus interesses de investigação incluem representações de beleza e feiúra em vários géneros modernos e narrativas de viagem que documentam os encontros entre os portugueses e os nativos do Brasil.

Tem publicado amplamente no meio académico e o livro AndarIlha: Viagens de um Hífen é uma magnífica coleção de 17 narrativas (15 em português e 2 em inglês).   Como ela escreve na sua breve biografia no LinkedIn: “O meu próximo livro, The Hyphen and Other Thoughts from the In-Between, centra-se na experiência imigrante com ideias que abordam a identidade hifenizada, navegando entre dois mundos díspares, encontrando-se no meio, enquanto aprofunda a reciprocidade cultural através da bondade e da empatia.” 

Tal como outras escritoras portuguesas no Canadá, a obra literária de Maria João Maciel Jorge é marcada por uma forte consciência feminista. Estas escritoras escavam os desafios que as mulheres enfrentam nas sociedades portuguesa e canadiana, examinando questões como o género, as expectativas e o choque entre os valores tradicionais e as exigências do mundo contemporâneo. Ao dar voz à perspetiva feminina, Maria João, Esmeralda e Elaine, entre outras autoras, contribuem para uma conversa mais ampla sobre género, cultura e normas sociais, promovendo um discurso literário mais inclusivo e diversificado. Elas definem os seus papéis como iguais e não como imitadoras, como escreveu Natália Correia em 1971: “(…) «(…) declaro que, por mais abandalhada que esteja a palavra, exijo, com toda a força da essência feminina que me dita os versos, que me chamem poetisa, genuinamente poetisa, visceralmente, titanicamente poetisa. E rio-me, ou antes, confranjo-me das desmioladas versejadoras que se babam de gozo quando magnificadas com o irónico beneplácito de «mulheres poetas», o passe que lhes concede um lugar ao sol masculino…» “. 

Não é exagero afirmar que as contribuições das escritoras portuguesas/açorianas no Canadá são inestimáveis na formação do mosaico multicultural da riquíssima literatura canadiana. Através da indagação da identidade, do feminismo e da experiência imigrante, estas autoras oferecem-nos uma perspetiva colorida que enriquece a paisagem literária no Canadá e em toda a diáspora açoriana, incluindo noutras latitudes, noutras culturas e outras sociedades. À medida que as suas vozes continuam a ser ouvidas através da sua escrita criativa, as narrativas das escritoras canadianas com raízes nos Açores contribuem para a preservação do património cultural e para a evolução contínua da literatura canadiana como uma tapeçaria vibrante de diversas vozes e experiências únicas.

*de um verso da poetisa Natália Correia, cujo centenário é comemorado ao longo de 2023.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.