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OPINIÃO | Pensar as comunidades – Alcançar o Futuro, por Diniz Borges

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Em cada 22 de outubro, deveria comemorar-se em Tulare, cidade irmã de Angra do Heroísmo, localizada no vastíssimo Vale de São Joaquim na Califórnia, segundo decreto municipal, o Portuguese Education Day-Dia do Ensino Português.  Foi um decreto da câmara municipal instituído em 2012 pela mão do antigo Presidente da Câmara, Wayne Ross, por ocasião da visita do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário e o então Cônsul Portugal em São Francisco, Nuno Matias.  Tulare, foi o palco do simpósio literário Filamentos da Herança Atlântica, o maior festival literário açoriano jamais feito fora do arquipélago.  Esta cidade tem ainda um lugar especial na literatura açoriana, quer na poesia, com referências em vários poemas e outros dedicados à própria cidade, quer na ficção narrativa, sendo o cenário para o romance Já Não Gosto de Chocolates de Álamo Oliveira.  Ter um dia dedicado ao ensino português é um feito importante que infelizmente, em menos de uma década está a ficar esquecido.  Esta é uma oportunidade que deveria ser, como já o foi, pretexto para uma reflexão e celebração.   Os editais e as resoluções do mundo americano, desde os nacionais aos municipais, sobre as nossas comunidades, não podem ficar nas gavetas.  É uma injustiça e uma transgressão contra o futuro que todos queremos construir.  

Até há meia dúzia de anos este decreto foi celebrado em algumas aulas do ensino secundário e foi justificação para reflexão sobre a comunidade, feita, no museu histórico, e mais tarde na biblioteca da escola secundária desta mesma cidade, sob os auspícios dos cursos de português das escolas secundárias desta cidade, do Cônsul Honorário de Tulare e o Centro Português de Evangelização e Cultura.  Esses eventos constaram de um diálogo intracomunitário e interassociativo, com a presença de vários dirigentes do nosso movimento associativo, líderes luso-americanos do sector do ensino público americano, professores e membros da nossa comunidade.

Ao abrigo de tal diálogo e ponderação, e baseado no que se disse e refletiu, elaborou-se para os presentes, um documento que ainda hoje pode servir para a continuidade do diálogo, da reflexão e do planeamento, não só para a mais velha geminação açoriana com uma cidade americana, Tulare, mas para outras zonas da Califórnia e dos EUA onde a nossa presença merece ser refletida, debatida e preservada.  Até mesmo para o relacionamento entre Portugal e a sua Diáspora.  Não é obviamente uma panaceia, nem tão pouco uma receita, porque cada comunidade tem a sua especificidade.  Poderá ser sim, o princípio de um debate que, na minha ótica, é urgente ter-se em cada comunidade.  

Considerando a opinião unânime em que a falta de emigração dos Açores ao longo das quatro décadas para a nossa comunidade de Tulare, e zonas circunvizinha,s está a mudar o rosto comunitário;

Considerando que a língua portuguesa é, infelizmente, cada vez menos a língua de comunicação diária na maioria das nossas famílias;

Considerando que esta nossa comunidade tem várias gerações de luso-descendentes, já que a nossa emigração para esta zona remota o século XIX;

Considerando que há a necessidade de preservarmos o nosso legado linguístico e cultural, dentro e fora da nossa comunidade;

Considerando que entre os jovens há, e ainda bem, cada vez mais a procura pelo ensino superior, pela formação académica em universidades americanas, que os leva para várias partes deste estado e desta nação e muitos não voltam;

É, pois, importante que não só reflitamos a nossa comunidade, como tomemos passos importantes para salvaguardar o que várias gerações de emigrantes e luso-descendentes têm construído nesta cidade e neste condado.  Daí que, sugere-se, como primeiro passo, as seguintes atividades, com a certeza de que as mesmas trarão benefícios à nossa comunidade, ao nosso legado cultural, à nossa presença nesta zona da Califórnia. 

A.  Continuar o diálogo e a reflexão entre a comunidade e as suas associações.  Um diálogo aberto e honesto sobre os nossos desafios, a médio e a longo prazo.

B.  Instituir uma maior presença das nossas instituições nos acontecimentos da cidade, do condado e da região.  Essa presença deveria começar pela nossa participação ativa, como comunidade, num dos maiores certames desta zona: a Feira anual do Condado de Tulare.  É imperativo que as nossas associações estejam presentes no desfile e no certame em geral, com o nosso folclore, a nossa música, a nossa gastronomia (esta até já acontece, embora limitada), a nossa história comunitária e exposições da nossa região e do nosso país de origem.

C.  Aproveitar outros certames, e eventos da cidade para que neles haja uma presença da nossa cultura, como, por exemplo na feira das fainas agrícolas- a maior feira agrícola nos EUA, no desfile do Natal, nas atividades da Câmara de Comércio, no museu histórico da cidade e do condado, na biblioteca pública e no concerto que a Filarmónica Portuguesa faz em Julho, para toda a cidade, o qual deveria ser transformado (como aliás já se falou) numa celebração da presença portuguesa em Tulare.

D.  Continuar com a aproximação entre as escolas do ensino secundário, particularmente os cursos de língua e cultura portuguesas, e o nosso movimento associativo, com parcerias e protocolos credíveis e funcionáveis que promovam a nossa cultura aos jovens que todos os anos aprendem a língua e a cultura portuguesas, independentemente, da sua origem étnica, porque é essencial promover-se a nossa identidade, fora do nosso cubículo comunitário.  Essa promoção terá que ser alargada a toda a população estudantil e ao corpo docente dessas escolas.  Trabalhar para uma maior presença das forças culturais da nossa comunidade nas escolas secundárias e dos alunos dos cursos de língua e cultura portuguesas no nosso movimento associativo. 

E.  Produzir um pacote pedagógico promovendo o nosso legado cultural para ser apresentado nas escolas do ensino primário, com visitas das forças vivas da nossa comunidade, para que todas as crianças, de todos os grupos étnicos, tenham a oportunidade de aprender sobre a nossa presença no mundo americano, tal como acontece, em várias partes do estado e do país, com outras etnicidades e outras culturas.  

F.  Ter uma maior proximidade entre todo o nosso movimento associativo, com o objetivo de refletir os nossos acontecimentos sociais para que os mesmos não sejam um peso, quer na comunidade, quer nas próprias instituições e nas pessoas que nelas trabalham.  É urgente refletir a dualidade: qualidade versus quantidade.  

G.  Criar dentro do nosso movimento associativo o bilinguismo para que todos os emigrantes e luso-americanos tenham a mesma oportunidade de usufruir a nossa cultura.  Há que trabalhar pela perseverança da nossa língua sem perder, ainda por mais uma geração, os luso-americanos que não conseguem comunicar fluentemente em português.  Há que democratizar a cultura para que ela não seja apenas propriedade de um grupo. 

H. Promover, sempre que possível, em português, inglês ou em sistema bilingue, consoante a oportunidade, o evento, o objetivo e a audiência, as artes, desde os elementos da cultura popular, já celebrados de diversas fórmulas, às artes na sua globalidade, tais como:  a música, a poesia, a literatura e as artes plásticas em eventos da cidade e do condado.

I.  Utilizar os meios de comunicação do mundo americano, os jornais, a rádio e a televisão, para divulgar a nossa presença, as nossas iniciativas culturais, a fim de promovermos a presença de outros grupos étnicos que compõem este mosaico humano que é a nação americana, nas nossas festas, nos nossos acontecimentos culturais.  É urgente que os nossos eventos se tornem em verdadeiros acontecimentos culturais da nossa cidade, de todos os habitantes da nossa cidade e do nosso condado.  Há que promover-se a inclusão.  

J.  Estabelecer mais espaços de diálogo comunitário, com reflexão e debate, que inclua os mais novos, alunos universitários, os que ficaram e os que saíram da comunidade, jovens casais, jovens profissionais que exercem as suas profissões em várias partes do estado e ex-dirigentes do nosso movimento associativo que se afastaram da comunidade.  As experiências de todos tornar-nos-á uma comunidade mais sólida, mais rica.  

K.  Trabalhar em conjunto com a Tulare-Angra Sister City Foundation para criarmos mais oportunidades para intercâmbios entre as cidades irmãs, que envolvam todo o movimento associativo.  É importante celebrar-se Angra em Tulare e Tulare em Angra. 

L.  Usufruir deste diálogo intracomunitário para se estabelecer uma ponte com Portugal e as Regiões Autónomas, particularmente os Açores, para que as visitas das entidades a esta zona sejam frutíferas, com objetivos definidos e resultados tangíveis, para a comunidade e a mãe pátria.   

Infelizmente, estes espaços de reflexão terminaram e o Portuguese Education Day, ficou, ainda este ano (e não podemos culpar tudo no COVID-19) no baú do esquecimento. Pena desperdiçar-se este decreto, porque não conheço outras cidades californianas que o tenham.   Quero ainda acreditar que com o diálogo, e uma grande dose de boa vontade e de visão, seguida de um plano que tenha uma missão e um conjunto de objetivos definidos e alcançáveis, a nossa comunidade de origem portuguesa (quase toda açoriana) na Califórnia poderá, ao longo do século XXI, não só sobreviver, mas sobretudo progredir.  

Como já o escrevi: temos de ser criativos no seio da comunidade e corajosos para dizermos a Portugal e aos Açores que “more of the same” não funciona.  

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.