DIÁSPORA

OPINIÃO | No Caminho dos Nossos Passos: a Diáspora que Somos

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Desbravando este novo território de arte e afetos.
Vamberto Freitas in

Imaginários Luso-Americanos e Açorianos

As vivências portuguesas e luso‑descendentes, maioritariamente açorianas e madeirenses, no estado da Califórnia, têm mais de 150 anos. É do conhecimento geral que a nossa presença data os tempos que precedem a entrada da Califórnia na união americana. É sabido, graças a um pequeno grupo de intelectuais, mas principalmente ao saudoso Professor Doutor Eduardo Mayone Dias, quando e como foram as sucessivas ondas emigratórias para o Eldorado. Daí que seja mais do que justo afirmar-se que a Califórnia, já há algum tempo, também é a nossa terra. A terra de muitos homens e mulheres que desde o último quartel do século XIX, saíam principalmente das suas ilhas, dos Açores e da Madeira, para refazerem as suas vidas em cidades e vilas do agora mais poderoso estado norte-americano.  E é bom dizer-se que o fizeram, por mérito próprio.  

Tenho afirmado, repetidamente, que as nossas comunidades usufruem de passos gigantescos dados em vários sectores da vida californiana.  Recentemente escrevi sobre esses andamentos, numa humilde crónica, sobre a nossa presença no mundo da política, traçando os nossos números como votantes e o espantoso número de luso‑eleitos, quase todos eles com origem ou raízes nos Acores. Mas a nossa presença, como se sabe, está no mundo empresarial, particularmente na agropecuária; no mundo do ensino (só no condado de Tulare temos mais de 50 professores de origem portuguesa, assim como diretores escolares), no mundo dos serviços – de agências de seguros e viagens a vendedores de imobiliária; estamos na banca, na alta tecnologia e nas artes—por exemplo a jovem poeta laureada do distrito escolar de Tulare é acor-descendente: Audrey Reis. Muitas vezes silenciosamente, mas estamos nestes e outros setores. Demos o passo, entrámos no mainstream californiano.  Agora há que marcar a nossa presença e defender a nossa dama.  Há sobretudo que sermos iguais a nós próprios, cuidando e destacando o que temos.  Há que acreditar que temos santos de casa a fazerem muitos milagres. E há que abandonar os pequenos altares que os pseudolíderes erguem, muitas vezes com a bênção oportunista de um Portugal centralista que ainda não compreendeu a sua diáspora.    

Como defensor das nossas comunidades, como fruto que sou das mesmas, vivendo nelas e com elas desde os dez anos de idade, a minha vida tem‑se concentrado no ativismo comunitário e, simultaneamente, com a distância que ainda consigo e o espírito crítico que sempre cultivei: observá‑las, estudá‑las e refleti‑las.  Paguei e pago algum preço por esta mistura de ativismo e reflexão. Mas as comunidades (mesmo quando sou ostracizado—e tem acontecido repetidamente, em ambos os lados do atlântico—não é queixa, é realidade) merecem‑no e a nossa presença em terras americanas, neste caso particular californianas, não pode ficar circunscrita aos efémeros acontecimentos que ainda fazemos, nem às falsas leituras que infelizmente ainda são feitas no outro lado do Rio Atlântico (frase de Onésimo Almeida). As nossas comunidades da Califórnia, ao contrário do que ainda se diz, cá e lá, não são entidades estáticas.  E não se devem contentar com um calendário social onde quem tem mais de 65 anos (estou quase lá) é 80% da audiência ou da presença.  Teremos de ter a consciência, e a audácia, de mudarmos, de refletirmos, de darmos o passo que todos sabemos que é absolutamente necessário, mas que teimosamente não o damos porque é muito mais divertido irmos de chamarita em chamarita, de festa em festa (que todos nós gostamos e que nos faz bem), sem construirmos a comunidade de amanhã.  Acredito nestas palavras com as quais lançaremos um novo projeto através do Instituto que dirijo na universidade em Fresno: honremos o passado e celebremos o futuro.  Esse tributo, essa celebração, acontecem com homens e mulheres, quase todos de segundas, terceiras e sucessivas gerações, integrados na multiculturalíssima sociedade californiana, que diariamente elevam o nosso património cultural e a nossa identidade a outros patamares.   É que para se ser de origem portuguesa na américa e ter‑se orgulho nas suas raízes, não basta ir anualmente às sopas, à matança, ou  à tourada.

Com a nossa entrada no mundo californiano, desde o empresarial ao tecnológico, desde o académico ao político, desde o educativo ao artístico, há que utilizar essa presença para promovermos a nossa identidade cultural.   Há que acreditar-se nos nossos talentos e há que os destacar.  Na literatura, por exemplo, campo que me é particularmente importante, penso que deveremos ter outro olhar.  Este estado tem nomes muito interessantes, que fazem parte do mundo californiano e que se orgulham nas suas raízes portuguesas.  Como mero exemplo e não é lista exaustiva ou completa: em 2022 Lara Gularte (a única poeta com raízes açorianas a ser nomeada poeta laureada de um condado deste estado—que deveria ser reconhecida por isso) publicou um livro que infelizmente não foi muito divulgado; Millicent Borges Accardi publicou dois livros de poesia; no ano anterior Sam Pereira também o tinha feito.  Estes, aliados a outros nomes, como: Anthony Barcellos, Tony John Roma, Frank Gaspar, Rose Silva King, entre vários outros, são escritores californianos, mas são simultaneamente escritores portugueses, com raízes nos Açores.  Isto para não falarmos em novos talentos como: Melinda Medeiros, Mellissa Jensen-Hiser, Tyler Freitas Houlsey, Caleigh Câmara AnneMarie Ross e outros.  Mais do que um eco a estas vozes, que elas até nem precisam porque estão totalmente inseridas no mundo que as rodeia, onde criam e vendem os seus livros – sempre com uns filamentos da sua herança cultural presente – este é acima de tudo um grito e um protesto contra os poderes portugueses que nada fazem para mimar estes escritores, estes homens e estas mulheres que nos dão voz no mundo das novas gerações, que vão além dos guetos que por vezes, demasiadas vezes, Portugal alimenta.  Estes e outros são nossos, não meros turistas da diáspora. 

As novas comunidades, que como já o escrevi, despontam um pouco por todo o estado da Califórnia, estão repletas de jovens que fazem parte das mais variadas carreiras, alguns com trilhos brilhantes, todos com o alicerce português—português das ilhas— que veio do berço, da família e da comunidade.  Na diáspora portuguesa na Califórnia temos gente no mundo da medicina, da engenharia, da tecnologia, das artes, da educação, da alta finança, da política. Desde a tecnologia do Silicon Valley à agropecuária do San Joaquim Valley; da alta finança do Wall Street aos pequenos e médios negócios do K Street; dos centros académicos às escolas primárias e secundárias, em todos estes mundos lá estão homens e mulheres, muitos ainda jovens, filhos, netos e bisnetos de emigrantes dos Açores e da Madeira que pela sua inteligência e a sua capacidade de trabalho têm carreiras interessantes e estão, cada vez mais em posições que os seus pais e avós não conseguiram—alguns nem sonhariam. É o progresso, a evolução comunitária à vista.  É a verdadeira diáspora que se anda a construir.  Devemos destacá-los.  E nunca nos devemos esquecer que Portugal, só é o Portugal que é na Califórnia porque aqui estamos há mais de 150 anos, porque como dizia a nossa Natália Correia os poderes centrais só nos dão: um barco e uma chapeu/para tirarmos o retrato.    

Na capacidade e intelecto das nossas comunidades mais novas reside um pacote de valores que vieram do seu património cultural, das suas famílias, das suas comunidades e mais ainda da sua herança cultural, da sua história como herdeiros dos navegadores de outros tempos. Esse património, deu‑lhes o sustentáculo para dentro das suas profissões, e do seu envolvimento no mundo americano serem figuras transformativas. É pena que Portugal não saiba aproveitar estes talentos, nem tão pouco os Açores, que bem precisavam, porque apesar de tudo estes jovens sentem-se, sobretudo, açorianos e madeirenses. 

É, pois, importante continuarmos a trabalhar, quotidianamente, para lhes incutir o pensamento transfigurador de que nas nas suas profissões podem contribuir imenso para a preservação da nossa identidade cultural. Acho que temos falhado nesse aspeto! Para que a comunidade veja os frutos dessa presença há que responsabilizá‑los e fazê‑los sentir que o seu legado cultural não pode ficar no armário, ou ser celebrado apenas no salão do Espírito Santo uma vez por ano. Só chegaremos totalmente ao mundo americano quando conseguirmos que, nas suas carreiras profissionais, no seu contacto com o mundo californiano/americano, os nossos jovens profissionais defendam a sua herança cultural e usem o seu património linguístico, cultural e identitário como mecanismos transformativos para bem de toda a sociedade. Concentremo-nos neles e nelas e deixemos os eternos corredores ao elogio fácil, à medalhinha engraçada ou ao convite oficial no seu mundo fictício, onde o espírito critico é baseado na calúnia e na apologia pessoal.

Como já o disse, as novas comunidades que despontam um pouco por todo o estado estão repletas de homens e mulheres que em sintonia com a nova economia e o multiculturalismo californiano, não estão estáticas.  Os nossos jovens frequentam cursos nas mais variadas universidades e por vezes fazem as suas vidas em comunidades distantes das suas. Podem não estar nas duas universidades que Portugal gosta de namorar, mas estão em muitas outras e são brilhantes.  Há ainda outros que ficam juntos ao ninho e também aí têm carreiras importantes e significativas. Quer para uns, quer para outros, é importante que os encorajemos a empregarem as ferramentas herdadas pelo seu legado cultural para transformarem o mundo que nos rodeia, e que nessa transformação, lá estejam, bem patentes elementos identitários das ilhas dos seus antepassados. 

*inspirado num verso de Natália Correia   

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