OPINIÃO | Língua e Cultura no Centro do Coração: A língua portuguesa e a cultura açoriana interlaçadas no multiculturalismo californiano
Eu sou a alma que se estende
no alcance mais distante dos
meus dedos e apara além dos mesmos.
Philip Liveine—poeta que ensinou na Univerisdade Estadual da califórnia em Fresno e influenciou vários escritories açor-descendentes
Quando com os meus pais e irmão cheguei ao Vale de São Joaquim, no estado da Califórnia, com dez anos de idade, por sinal o mesmo condado que tinha sido a casa do meu avô materno de 1910 a 1928, ano em que ele, a minha avó e 5 das suas 8 filhas regressaram aos Açores, Vale que já fazia parte do meu imaginário pelas histórias que meu avô me contava, mas que jamais imaginaria que estava a chegar a uma área que iria crescer imensamente, e seria o centro de uma amálgama de culturas e línguas, que se entrelaçaram, criando um espaço multicultural que, juntamente com a terra fértil da agricultura, dá aos nossos estudantes mais oportunidades com base na variedade de línguas e culturas ensinadas nas escolas e universidades desta mítica e por vezes incompreendida zona da Califórnia.
A partir do final de 1968, quando cheguei a este Vale, tive a sorte de me ligar a colegas que como eu estudevam a língua inglesa, muitos vindos do México e de outros países latino-americanos. Estas amizades deram-me um sentido de pertença e uma introdução ao multiculturalismo. Fizemo-las através da camaradagem, partilhando histórias, experiências, dificuldades, vitórias, e comida. Utilizámos a língua e a cultura para construir um laço baseado nas afetividades que nos vinham do coração e da alma. Esses vizinhos e amigos, foram marcantes para quem acabara de chegar, porque como escreveu David Masumoto, escritor residente neste vale com origem asiática, no seu ainda muito relevante livro – Epitáfio a um Pêssego: “Os bons vizinhos valem mais do que dezasseis árvores de fruta”.
O Vale de São Joaquim no ano de 1968, quando muitos outros imigrantes do arquipélago dos Açores aqui chegaram, continua a ser a mesma região acolhedora para muitos imigrantes de várias partes do globo. Sim, somos uma região que cultiva uma variedade de produtos agrícolas e lácteos, alimentando a Califórnia, os EUA, e muitas partes do mundo. É aqui que 25% da coida sonsumida pela grande nação americana é produzida. Mas somos também um centro de culturas e línguas, criando oportunidades à escala mundial para os nossos estudantes. Temos a sorte de ter professores em espanhol, francês, alemão, português, mandarim, japonês, hmong, arménio, árabe, e muitas outras línguas. A língua e a cultura no centro dos nossos corações permitem aos nossos estudantes entrar nas nossas faculdades e terem sucesso. A vastíssima maioria dos estudantes universitários nos condados de Kings, Tulare, Fresno, e Madera que frequentam a Universidade Estadual da Califórnia Fresno são os primeiros nas suas famílias a frequentarem o ensino universitário, e quase 80% dos estudantes destes condados, ao concluírem os seus estudos, permanecem no vale de São Joaquim. Isso é verdadeiramente transformativo para esta zona e para todo o estado da Califórnia, que como se sabe se fosse indenpendente seria a quinta economia mundial.
Esta área fértil do Vale de São Joaquim tem sido um centro de cultivo de solos e de culturas e tradições, quer em música, nas artes visuais, e na literatura. Os desafios e oportunidades neste Vale deram lugar a várias gerações de escritores e poetas que utilizam a Língua e a Cultura para trasnmititrem as experiências multiculturais, multilingues e multiétnicas de uma área que continua a enfrentar os seus desafios, mas que, simultaneamente, contém uma amalgama de oportunidades. Estas pontes devem incluir todas as línguas e todas as culturas. Como disse eloquentemente o primeiro Poeta Latino-Americano Laureado aqui nos Estados Unidos, Juan Filipe Herrera de Central Valley (criado na pequena cidade de Fowler): “Diversidade significa realmente tornar-se completo como seres humanos – todos nós. É que aprendemos uns com os outros. Se faltarmos a esse palco, aprendemos menos. Todos nós precisamos de estar nesse palco.” E é isso que acontece nas nossas salas de aula de línguas, incluindo na sala de aula de língua portuguesa nas escolas americanas. Graças ao trabalho dos nossos professores, todos os nossos alunos estão sempre no palco.
Há anos atrás, o poeta Hmong-americano Kao Kalia Yang, no soberbo livro: O Poeta da Canção: Memórias de meu pai, escreveu: “Na América, a minha voz só é poderosa dentro da nossa casa. No momento em que saio da nossa porta da frente e entro nas ruas pavimentadas, a minha voz profunda perde o seu volume e a sua força”. Ao manter a língua e a cultura no Centro dos Nossos Corações, damos vozes a todos os nossos estudantes e transformamos a sociedade.
Graças ao trabalho inovador que está a ser feito nas nossas escolas secundárias do Vale de São Joaquim, através de projetos como o Central Valley World Language Project, em colaboração com as faculdades do estado da California em Fresno e Bakersfield, e outras parcerias, os nossos alunos continuam a ter acesso a alguns dos professores de línguas mais inovadores do nosso Estado. Um desses projectos, se me permitem, é um novo empreendimento entre várias entidades para que os professores de língua espanhola também se tornem credenciados em português. Acreditamos que esta é uma oportunidade única de oferecer mais aulas de línguas aos nossos falantes nativos de espanhol, permitindo-lhes destacarem-se na aquisição de línguas e tornarem-se trilingues e multiculturais. Construindo sobre as pluralidades da miríade de culturas e tradições que compõem o espanhol e o português, os falantes de espanhol nas nossas escolas secundárias da Califórnia poderiam liderar a nação na aquisição de línguas e na fluência em três ou mais línguas. Temos de lhes proporcionar esta oportunidade única. Estou grato a todos os que têm trabalhadom incansavelmente neste projecto; espero que alguns professores de língua espanhola hoje aqui presentes considerem fazer parte do programa piloto.
E o que me levou a este projecto, para além da visão, liderança e dedicação de pessoas que respeito e admiro, como Nancy Pérez, Neyreda Maroot, Duarte Silva, e Teresa Huerta – para além deles, as palavras sábias de um pai, um humilde mas muito astuto trabalhador agrícola que conheci há alguns anos inspirou este projecto – e devo acrescentar que o meu pai foi um trabalhador agrícola durante todos os 25 anos em que trabalhou nos EUA antes de se reformar. E eu também trabalhei com ele nos meus nos de escola primária e secundária nos “ranchos” deste Vale. Permitam-me esta história que me tem inspirado.
Antes de me aventurar na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, ensinei português e dirigi Departamento de Línguas do Mundo na Escola Secundária da União Tulare. Um dos projectos que criei, ainda em existência, foi incorporar tradições e danças folclóricas na aula de português, nos mais avançado. No último ano em que leccionei, fomos convidados a apresentar as modas do folclore açoriano numa cerimónia de pais hispânico. Um pai orgulhoso de uma das estudantes dançarinas – devo dizer que quase metade dos dançarinos de uma turma de 42 eram hispânicos – esse homem humilde mas com uma forte sabedoria, veio ter comigo, e no seu espanhol e no meu portunhol, falámos durante cerca de 15 minutos. Disse-me que havia influenciado a filha a tirar a minha aula de língua portuguesa. Quando lhe perguntei porquê, respondeu: A minha filha sabe bem espanhol, e inglês também, pois veio para este país quando tinha 8 anos, por isso lhe disse para o português. Será trilingue e poderá ir desde o Alasca à Argentina e falar com qualquer pessoa na América do Norte, Central e do Sul, bem como em outros continentes.
Jamais esquecerei a sabedoria deste trabalhador esforçado que trabalha nos nossos campos desde o nascer até ao pôr-do-sol para dar à sua filha o que os meus pais também queriam para mim há mais de cinquenta anos, uma oportunidade para uma vida melhor – o que todos os imigrantes aspiram. As suas palavras sábias e profundas foram melhores do que qualquer campanha publicitária que se pudesse desenvolver para Manter a Língua e a Cultura no Centro dos nossos Corações.
O escritor do Vale Central William Saroyan, de ascendência arménia, escreveu: “Faz parte da natureza de um arménio estudar, aprender, questionar, especular, descobrir, inventar, rever, restaurar, preservar, fazer, e dar”. Péco licença a Saroyan, de quem aprendi no oitavo ano de escolaridade por ter um um colega arménio, para modificar a dita frase: ” Faz parte da natureza do Professor de Línguas estudar, aprender, questionar, questionar, especular, descobrir, inventar, rever, restaurar, preservar, fazer, e dar, mas também inspirar”. A magia de uma sala de aula de línguas é única. Através do ensino de uma nova língua os professores permitem aos alunos ouçam sons únicos, como a música das sereias e levam-nos a lugares com que só sonharam ou com os quais nemtão pouco haviam sonhado.
O fascínio que se vê nos alunos quando dizem a primeira frase na nova língua que estão a aprender, quando criam a sua árvore genealógica numa nova língua ou a língua dos seus antepassados, quando aprendem as semelhanças das línguas e heranças, quando, através da língua, aprendem princípios de justiça social e racial, aceitação e empatia, paz e prosperidade e as complexidades entrelaçadas que mantêm a Língua e a Cultura no Centro do Coração, na essência da nossa Alma.
No Vale de São Joaquim, onde tantos emigrantes açorianos refizeram as suas vidas, onde vivem mais emigrantes e luso-descendentes do que na própria região, os Professores de Línguas exemplificam o que César Chávez disse: “Não podemos procurar a realização para nós próprios e esquecemo-nos ddo progresso e da prosperidade para a nossa comunidade.” À medida que construímos programas para o ensino das línguas no estado da Califórnia, incluindo cursos de língua e cultura portuguesas que sejam adequados à realidade do mesmo, pomos em prática a frase simples, influente e icónica do antigo dirigente dos trabalhadores agrícolas, César Chavez: “A luta nunca é sobre uvas ou alfaces. A luta é sempre sobre e para o povo”.
A luta nunca é sobre verbos e substantivos. É sempre sobre a criação de aprendizes de línguas, que a aprendam e a estimem ao longo da vida. A criança de cidadãos globais.
*crónica baseada nas notas de uma alocução que fiz como orador principal do congresso anual dos professores de línguas (California Language Teachers Association-CLTA) do estado da Califórnia.