OPINIÃO | João Pires: um exemplo de empreendedorismo e humildade na comunidade portuguesa da Califórnia, por Daniel Bastos
A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.
No seio da numerosa comunidade lusa nos EUA, segundo dados dos últimos censos americanos residem no território mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, destacam-se vários percursos de vida de compatriotas que alcançaram o sonho americano (“the American dream”).
Entre as várias trajetórias de portugueses que começaram do nada na América e ascenderam na escala social graças a capacidades extraordinárias de trabalho, mérito e resiliência, destaca-se o percurso inspirador e de sucesso do comendador João Pires, dirigente associativo, criador de gado e produtor de leite no Vale de São Joaquim, um dos centros da emigração portuguesa na Califórnia.
Natural da Ladeira Grande, freguesia da Ribeirinha, Ilha Terceira, emigrou dos Açores na década de 1970, época em que casou com o grande suporte e companheira de vida Cecília Correia, para o sul da Califórnia na esteira transatlântica de milhares de compatriotas em busca de uma vida melhor.
Desde sempre ligado à indústria do leite, e detentor de uma personalidade abnegada, modesta e resiliente, e profundamente comprometida com a família e o trabalho, estabeleceu-se nos anos 80 em Hilmar. E na década seguinte, em Gustine, lançando assim as bases para a criação de uma das maiores e mais modernas leitarias da Califórnia, hoje com mais de dez mil cabeças de gado, contexto que contribui decisivamente para que seja unanimemente reconhecido como um dos mais destacados produtores leiteiros no Condado de Merced.
A trajetória singular de João Pires, que constantemente faz das fraquezas forças, e encontra nas adversidades oportunidades, lemas de vida essenciais para singrar ao longo dos anos num sector que não é imune a crises e dificuldades, foram enaltecidas no ano passado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. No âmbito de uma visita de cinco dias aos principais centros da emigração portuguesa na Califórnia, o chefe de Estado atribuiu, no salão português de Gustine, ao emigrante açoriano a comenda da Ordem do Mérito, destinada a galardoar atos ou serviços meritórios no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas, que revelem abnegação em favor da coletividade.
No decurso da cerimónia, o mais alto magistrado da Nação, explicou a atribuição do galardão com termos devidamente elucidativos: «havia muitas pessoas que mereciam ser condecoradas», nesta região, mas “quis encontrar alguém que é muito humilde, fala pouco, faz muito mas fala pouco, está sempre presente. Ele é um grande empresário, produtor aqui, mas sobretudo tem ajudado muito, muito as associações aqui».
De facto, o sucesso que o emigrante terceirense alcançou ao longo dos últimos anos no mundo dos negócios, tem sido acompanhado de um apoio constante à comunidade luso-americana. Por exemplo, o comendador João Pires é um dos grandes beneméritos das Festas do Espírito Santo na Califórnia, sendo desde os anos 90, tesoureiro da Festa do Espírito Santo de Gustine.
Esta ligação marcante à Festa do Espírito Santo, uma das características indeléveis da cultura açoriana, concorrem para que o mesmo não olvide as suas raízes e seja igualmente um conhecido benemérito e padroeiro na sua terra natal. Ainda em 2017, no seguimento das comemorações do Divino Espírito Santo na Ladeira Grande, o casal Cecília e João Pires ofereceu à freguesia três touradas à corda.
Uma das figuras mais consideradas e respeitadas da comunidade luso-americana da Califórnia, o exemplo de empreendedorismo e humildade do comendador João Pires, inspira-nos a máxima do escritor indiano Rabindranath Tagore: “Quanto maiores somos em humildade, tanto mais próximos estamos da grandeza”.