A declaração política que o Bloco de Esquerda fez no plenário de janeiro, no parlamento dos Açores, acerca da falta de transparência deste governo, parece ter deixado muita gente incomodada.
Félix Rodrigues – dirigente do CDS e administrador da EDA Renováveis – foi talvez quem teve a reação mais violenta. Porque acha que este governo é muito transparente? Não. Porque rejeita a existência de uma teia de familiares nomeados por este governo? Não. Porque rejeita a existência de concursos pouco transparentes e que levantam muitas dúvidas? Também não. A indignação de Félix Rodrigues prende-se com o facto de, no seu caso, ter sido trocada a designação de “cunhado” por “sogro”.
Portanto, para Félix Rodrigues, o problema não está no facto de haver demasiadas nomeações de familiares de membros do governo para o exercício de cargos de direção na administração pública e empresas públicas. O problema é que lhe trocaram o grau de parentesco. Se este é o problema, Félix Rodrigues escusava de ter gasto tempo e energia a destilar ódio em artigos de jornal, porque – e qualquer deputado ou deputada o pode confirmar – o líder parlamentar do Bloco de Esquerda reconheceu o lapso imediatamente a seguir à sua intervenção, em ‘à parte’ dirigido à câmara.
Se Félix Rodrigues tivesse tido o cuidado de ler, ou ouvir, a declaração política do Bloco de Esquerda na íntegra, em vez de acreditar no que alguém lhe terá dito, saberia que defendemos que “ninguém pode ser prejudicado por ser familiar de um governante”, mas que também “ninguém pode ser beneficiado por isso”.
Mas o que verifico – e assinalo com surpresa – é a quantidade de pessoas, certamente competentes, que acedem a cargos de direção e administração apenas depois do governo onde estão seus familiares entrar em funções.
Até pode ser coincidência, mas a quantidade de casos leva-nos a crer que não será.
A mulher do secretário regional da Agricultura foi nomeada para diretora de serviço – no seguimento de um concurso que levantou dúvidas e que originou a fiscalização desse concurso por parte de uma bancada parlamentar –, a mulher do anterior presidente do conselho de administração do hospital da Terceira foi nomeada para diretora de serviço, o sobrinho do presidente do governo regional foi nomeado para chefe de divisão em regime de substituição, o marido da antiga presidente do conselho de administração do hospital de Ponta Delgada foi nomeado para vários cargos hospital, e o cunhado do secretário regional do Ambiente e Alterações Climáticas foi nomeado administrador da EDA Renováveis.
Tudo o que está escrito no parágrafo anterior são factos. Não são ataques pessoais. E foram ‘só’ estes os casos levantados pelo Bloco de Esquerda no parlamento, ao contrário do que refere Félix Rodrigues – mal informado, mas bem-intencionado, certamente.
Sabemos que poderíamos ter levantado muito mais situações de ética duvidosa, mas optamos, responsavelmente, por levantar apenas as situações em que há uma nomeação para um cargo com superior hierárquico da mesma família.
Contra factos, até pode haver argumentos, mas insultar quem apresenta factos não vai alterar a realidade. E a realidade é que este governo de coligação é composto por três partidos que num passado recente atacavam violentamente o PS por distribuir cargos por familiares dos governantes, mas ao fim de dois anos no poder já se esqueceram de todas estas críticas e agora têm exatamente o mesmo tipo de conduta.
Mas há mais uma coisa que Félix Rodrigues não refere no seu artigo. É que a declaração política do Bloco de Esquerda foi consequente e culminou com o anúncio de duas propostas que pretendem combater o nepotismo e o favorecimento no acesso a cargos de nomeação na administração pública: a criação do Portal das Nomeações e a criação de uma comissão para o recrutamento de dirigentes da administração pública nos Açores.
Seria interessante saber o que pensa Félix Rodrigues destas propostas. Talvez possa usar os seus artigos de opinião para promover o debate de ideias em vez de distribuir insultos.
Alexandra Manes, Dirigente do BE/Açores