OPINIÃO

OPINIÃO | A rejeição à pobreza e à saúde, por Alexandra Manes

OPINIÃO | Alexandra Manes Dirigente do BE
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No dia 8 – Dia Internacional da Mulher – , no parlamento dos Açores, aquando do voto de saudação apresentado pelo BE, foram tecidos elogios e o reconhecimento das dificuldades que as mulheres enfrentam, mas dois dias depois o cenário já foi alterado e as dificuldades desvalorizadas.

Entre a falta de papel higiénico nas escolas, às lâminas de barbear e, ainda, à alegria das mulheres em menstruar para serem mães, de forma atabalhoada, tudo serviu para desmerecer a proposta do Bloco de Esquerda. Enfim, assistiu-se a um triste espetáculo com um conjunto de argumentos que não lembrava a ninguém.

De uma forma geral, penso que não haverá mulher alguma que, em algum momento da sua vida fértil, não tenha sentido o embaraço de se sujar com sangue. A sensação de embaraço, na maior parte das vezes, é acompanha pela vergonha quando o que deveria prevalecer é o embaraço pelo desconforto físico resultante.

Na verdade, a nossa sociedade, conservadora e patriarcal, ao longo dos anos, concebeu todos os espaços não pensando nas mulheres. Exemplo disto é o facto de as escolas, na sua maioria, não preverem casas de banho com bidés, que devidamente utilizados e desinfetados seriam uma mais-valia para a saúde íntima das estudantes.

O parlamento dos Açores teve a oportunidade para dar um passo em frente, revelando a sua real preocupação com as mulheres, com uma ação consequente, permitindo a distribuição gratuita de produtos de recolha menstrual, mas preferiu usar do seu conservadorismo, por vezes atacando a proposta com argumentos de ideologia de género, revelando um profundo desconhecimento no que toca às dificuldades que são sentidas por adolescentes, jovens e jovens adultas.

Nesta região, à semelhança de outros lugares no mundo, há jovens que têm vergonha de menstruar pelo facto de ainda persistir um enorme tabu relativamente às condições biológicas do sexo feminino. Com a rejeição desta proposta, perpetua-se esse tabu, pois a sensibilização e a distribuição de produtos contribuiriam fortemente para a normalização do corpo feminino. Nesta região, ainda há adolescentes e jovens que faltam às aulas por não terem acesso a produtos de recolha menstrual, arranjando outras justificações para o fazer. Há adolescentes e jovens que têm vergonha de ir com panos turcos para a escola! Não se pode pedir que o corpo docente consiga identificar todos os casos. A exigência do cumprimento do currículo e a excessiva burocracia não o permitem.

Desta forma, subestimou-se a saúde mental e a saúde física de futuras mulheres adultas.

Para além disso, seria mais uma ferramenta para o combate à pobreza que se agudiza entre a população feminina. A feminização da pobreza também parece ser tabu, pois só é abordada quando dá jeito. No entanto, relembro que há gerações de mulheres pobres que nunca conseguiram sair deste ciclo devido à obrigação de cuidar da família; a precariedade no trabalho é maior, e persiste, no que diz respeito às mulheres; todos os relatórios, resultantes dos estudos, apontam para o facto das mulheres auferirem menos dinheiro do que os homens. Esperava-se que as mulheres, senhoras deputadas, eleitas pela direita, e pelas quais tenho o devido respeito, influenciassem as suas bancadas no sentido de afirmar a problemática da feminização da pobreza.

Portanto, continuamos a assistir, a ouvir discursos fofos acompanhados de flores e a “oportunidades” concedidas às mulheres, como assim o disse José Manuel Bolieiro, da forma mais conservadora possível.

Alexandra Manes, Dirigente do BE/Açores

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.