DIÁSPORA

DIÁSPORA | No Pendão do Divino (c/entrevista)

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Em humanal verdade Te digo ela é o povo
que cruzou mares e terras num pássaro de metal
até ao Pacífico em busca da felicidade legítima
.
Vasco Pereira da Costa do poema Queen Nancy


Há algumas semanas fui contactado pelo jovem açoriano, recentemente licenciado em história, Marco Ferreira de Sousa, para um projeto académico sobre as festas do Divino. Como homenagem a tantos homens e mulheres da nossa comunidade na Califórnia que se dedicam aos nossos festejos, e com autorização o Marco, publico neste espaço de crónica a entrevista. Espero que as respostas, realidade conhecida por muitos açorianos em ambos os lados do atlântico, sejam ainda mais um contributo para a presença da nossa Diáspora nos Açores. Os festejos do Divino, que unem todas as freguesias açorianas, também, na longínqua Califórnia, unem a nossa Diáspora, e continuam a ser o elo entre as várias gerações. Poder-se -á dizer que se algum dia morrerem os festejos do Espírito Santo na Califórnia, morrerá a nossa identidade neste estado onde vive a maior comunidade açoriana (contando com acor-descendentes, como é óbvio) em todo o continente norte-americano. Isso jamais poderá acontecer. Acredito que as futuras gerações continuarão a celebrar o espírito açoriano em terras californianas, e como tal, aproximando ainda mais a Região da sua Diáspora. É que como tenho dito e escrito, repetidamente, só se entende a comunidade de origem portuguesa na Califórnia, entendendo-se os Açores.

1 – Qual é a importância da introdução das Festas Espírito Santo na Califórnia?

As festas do Espírito Santo na Califórnia foram, e continuam a ser, uma das formas de expressão da identidade açoriana, mais importantes neste estado. Através das festas do Espírito Santo a nossa Diáspora, que está repartida por muitas cidades deste colossal estado (em mais de 500) tem mantido alguns dos seus valores e tradições culturais.

Através das festas houve ainda uma partilha das tradições açorianas com outras etnias e outras culturas, construindo o multiculturalismo californiano, acionando a componente açoriana. Com mais de 80 festas dedicadas ao Espírito Santo neste estado, estes acontecimentos são marcantes não só na vida da Diáspora, mas também na vida social e cultural, particularmente das pequenas e médias cidades deste estado. Tornaram-se parte da cultura californiana.

2- Quando é que a festa do Espírito do Santo começou a ter um forte impacto na Califórnia?

As festas começaram no último quartel do século XIX, mas o maior impacto foi nas primeiras décadas do século XX, quando a comunidade já estava estabelecida e ainda continuavam a chegar alguns emigrantes da primeira grande onda emigratória para a Califórnia dos Açores que foi no último quartel do século XIX e nas primeiras duas décadas do século XX. Basta dizer-se que mais de 90% das nossas festas são centenárias ou tornam-se centenárias nos próximos anos. Praticamente todas as festas do Espírito Santo na Califórnia existiam antes da onda emigratório pós-Capelinhos.

3 – Quais são as particularidades desta tradição na Califórnia em relação aos outros lugares da Diáspora?

Existem várias diferenças, particularmente com as rainhas e os seus séquitos, algumas mudanças na confeção das sopas, a prática do culto já quase todo em inglês, a pujança dos salões do Espírito Santo como principal associação de cada comunidade. Criaram-se nuances e particularidades próprias, que precisam de ser estudadas. Não vejo estas mudanças como adulteração como já o ouvi, mas como mudanças naturais de outras terras e outros costumes, e criando a sua própria identidade.

4 – Qual é o simbolismo destas festas para quem está fora/longe dos Açores?

Os açorianos trouxeram o culto do Espírito Santo consigo e vivem-no como parte da sua crença religiosa e pratica cultural. É quase sinónimo com ser-se açoriano. As festas são momentos altos na expressão da açorianidade nas comunidades. Diria com são mesmo o que une os açorianos, e com eles os seus descendentes e outros portugueses, desde a Madeira ao Minho e Algarve. Os festejos do Divino aqui na Califórnia é a celebração do espirito açoriano, com todos os portugueses.

5- Na sua opinião, acha que o culto do Divino Espírito Santo é uma crença que está a ganhar cada vez mais força ou acha que está a perder a sua importância?

Nas comunidades mantém-se, apesar de ser visto de uma forma diferente pelas segundas, terceiras e sucessivas gerações. Porém ainda há uma forte crença e o culto está vivo, apesar das modificações já faladas. Nas gerações mais novas, e em algumas zonas mais urbanas perde-se o significado do culto, mas não se perde o elo identitário das festas representarem um momento único na celebração do espírito açoriano.

As celebrações do Divino Espírito Santo estão ainda muito presentes como o grande acontecimento anual de cada comunidade, ligando as gerações e interligando-se com outras culturas.

6 – Os descendentes dos açorianos estão empenhados em continuar e a participar nesta festa religiosa?

Acredito que sim, mesmo os que não o fazem por religiosidade fazem-no, como disse, por razões de identidade e por razões culturais. Vemos muita gente jovem nas festas. O que me preocupa, por vezes, é que muitos ficam-se por uma presença nas festas uma vez por ano, como sinónimo de ser-se açoriano e na realidade precisávamos uma maior intervenção dos jovens dentro e fora da igreja, no cultuo do Espirito Santo e fora dele.

7- O que significa participar nas Festa do Espírito Santo?

Para muitos açor-descendentes é um momento de afirmação da cultura dos seus antepassados. É uma celebração de partilha e de festividade que envolve a religião e o apego ao Espírito Santo, assim como a música, a gastronomia, a ligação aos Açores. É um contacto com as suas raízes e um momento de confraternização inter-geracional muito importante.

8 – Os descendentes de açorianos gostam de participar nas Festas em Honra do Divino Espírito Santo?

Participar sim, organizar e dedicar longas horas para o labor das festas nem tanto, apesar de em algumas zonas e porque as festas acontecem apenas uma vez por ano, ainda se vê muitos jovens dedicados às mesmas, o que é muito significativo. Os jovens gostam da folia das festas, da música, das sopas, da gastronomia, dos arraiais, das touradas que acontecem em torno das mesmas. Há também uma forte devoção e um respeito cultural pelas festas. Mesmo as gerações mais afastadas, os que são de terceiras e sucessivas gerações. Para eles participar nos festejos é ser-se açoriano e é uma forma de homenagearem os seus descendentes.

9 – Qual é o papel das Irmandades nestas festividades?

Na Califórnia as irmandades estão constituídas em organizações sem fins lucrativos que desenvolvem uma ação social e cultural. Cada irmandade tem o seu próprio salão do Espírito Santo normalmente o centro da comunidade de origem portuguesa nessa zona.

As irmandades, os seus espaços físicos, são importantes para a presença da comunidade nas cidades da Califórnia. São um património importante. Os festejos estão alicerçados nestas irmandades.

10 – Quais são as distinções entre as festas do Espírito Santo nos Açores e na Califórnia?

As festas na Califórnia têm mais um cariz coletivo e menos pessoal. Há zonas que cultivam a festa durante as semanas entre a Páscoa e o Pentecostes, com “funções do espírito santo particulares”, mas há outras em que o acontecimento está intimamente dedicado à semana da festa coletiva, em si. Em várias cidades, este é o grande acontecimento da comunidade de origem açoriana durante todo o ano.

Os mordomos aqui são presidentes, a coração é feita com rainhas (jovens escolhidas pela comissão das festas), o programa, em certas comunidades é de uma semana e existem, para além da reza do terço, momentos sociais, touradas à corda e de praça, concertos de música, cantorias e momentos de folclore e música das nossas bandas filarmónicas de origem portuguesa ou mesmo das escolas secundárias de várias cidades e vilas deste estado.

É um momento único de celebração da fé com os traços identitários que unem as várias gerações de açor-descendentes.

11 – Como é que a sociedade americana vê estas festividades?

Nas cidades mais pequenas da Califórnia a sociedade americana conhece as festividades e até apoia. Em grandes meios urbanos passam um tanto despercebidas, para além da vizinhança onde se celebram, mas em todas têm algum impacto. Se durante muitos anos as festas eram só para a comunidade de origem açoriana, pouco a pouco isso tem mudando, por motivos dos casamentos mistos e da integração das novas gerações. Hoje veem-se cada vez mais americanos de outras culturas e de várias etnias presentes nas nossas festas.

Entrevista conduzida por Marco Ferreira de Sousa, recém-licenciado em história pela Universidade dos Açores. *do poema O Dilúvio e a Pomba de Natália Correia, cujo centenário celebramos neste ano de 2023