DIÁSPORA

DIÁSPORA | Caminhando por si própria

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A comunidade de origem portuguesa na Califórnia tem, como se sabe, uma longa tradição de perpetuar as suas vivências portuguesas em terras do oeste americano com uma forte pincelada de integração.  A língua portuguesa, infelizmente, já não é a língua de comunicação diária na vasta maioria das nossas famílias.  Porém o interesse pelas vivências continua nas novas gerações, se bem que de una forma diferente, porque não têm, nem é de esperar que tenham, o mesmo apego e até necessidades, que os pais e os avós tinham.  Pela metamorfose que andamos a viver, sem ninguém, ou quase ninguém querer falar da mesma.  Pela diáspora que todos nós queremos construir com solidez, é, cada vez mais importante que utilizemos os meios do ensino, do mundo académico e cultural do mainstream americano para se chegar, com os mais variados formatos e ferramentas, às gerações mais distantes de Portugal, aquelas sujos avós e bisavós saíram das nossas terras.  Daí que com muito gosto partilho esta entrevista que o jornalista Hélio Vieira, ele próprio com um projeto muito interessante sobre a gastronomia dos Açores que podemos e devemos utilizar para congregar a açorianidade em terras americanas.  A entrevista foi publicada no jornal Diário Insular de Angra e aqui fica como registo de projetos e preocupações para o trabalho contínuo de trabalhar em prol da portugalidade e todas as suas nuances em terras norte-americanas.     

1 – A Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno, vai lançar, no outono deste ano, a Cátedra Natália Correia. O que motivou o Instituto Português Além-Fronteiras a propor o nome de um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX para essa cátedra?

Precisamente por ser isso mesmo, “um dos maiores vultos da cultura portuguesa”, por ter nascido nos Açores, por ser uma voz importantíssima na literatura e no pensamento português no século XX – diria mesmo na literatura e no pensamento europeu desse mesmo século – pela atualidade da sua obra e do seu pensamento, pela necessidade de trazer o seu nome e a sua obra ao mundo americano, incluindo o mundo luso-americano, pela necessidade de se falar, de se comemorar, de se investigar e de se publicar ainda mais sobre a Natália Correia, que na minha humilde opinião tem estado um tanto ao quanto esquecida. Acho que muitos dos temas principais na obra de Natália Correia interessam os nossos estudantes.  Queremos ainda que a cátedra, tal como todo o nosso trabalho no Instituto, tenha uma forte ligação à comunidade.    

2 – Essa iniciativa vai motivar a organização de eventos e palestras com escritores ligados aos Açores na Califórnia?

Esse é um dos principais objetivos. É nossa intenção darmos o curso “Cultures of the Azores” todos os anos, no semestre do outono.  Este curso faz parte do “minor” em Estudos Portugueses e estamos a trabalhar no sentido do curso ter a presença, durante pelos menos de uma semana de um escritor açoriano.  É essencial o apoio dos Açores neste sentido.  Mais, todas as leituras serão de textos literários, históricos e jornalísticos, traduzidos para inglês.  Para além do curso, a nosso ciclo de conferências terá, no mínimo, uma palestra por semestre dedicada à obra da Natália Correia.  Temos ainda planos para a realização de eventos culturais e debates sob a égide da cátedra.  A vasta maioria dedicada às artes nos Açores.  Queremos ainda promover mais investigação sobre a extensa obra de Natália Correia e apoiar projetos de publicação.  Queremos trabalhar com outras universidades e projetos académicos que deem destaque à obra de Natália Correia.  Achamos que esta é uma oportunidade única de se divulgar, também através da tradução, a obra de Natália Correia, e de falarmos ainda mais dos Açores na Califórnia. 

3 – Qual o interesse dos jovens luso-descendentes pela poesia açoriana e portuguesa em geral que apenas, em poucos casos, está traduzida em inglês?

Penso que os jovens luso-descendentes, que na Califórnia são quase todos açor-descendentes têm interesse pela poesia e pelas artes em geral, particularmente os jovens estudantes da nossa universidade, assim como os jovens ligados a outros grupos étnicos, principalmente os hispânicos, que estão muito interessados nos Açores pelo que ouvem dos seus amigos e vizinhos de origem açoriana.  Como diz na sua pergunta e muito bem, o dilema está na tradução.  Temos muito pouco traduzido, no que concerne a literatura açoriana, mas está a mudar.  Tivemos o trabalho colossal de Onésimo Almeida com a editora Gávea-Brown e agora temo-lo na coleção Bellis Azorica da Tagus Press, para além da Bruma Publications, na nossa universidade, que no último ano publicou 2 livros de poesia em tradução e em breve uma antologia.  Acho que estamos no bom caminho.  Há projetos de tradução, quer na Bellis Azorica, quer na Bruma Publications.  Acaba de ser publicada uma coletânea com cerca de 70 poemas de Álamo Oliveira, alguns dos quais também farão parte do curso supracitado.  Penso que teremos de criar mais oportunidades para se conhecer a poesia açoriana, em tradução, e no original, em espaços do mundo académico e do mundo comunitário.  A festa, as tradições populares estão vivas na Diáspora, se bem que com outras dimensões, mas a cultura, a história dos Açores, a literatura, a poesia e as artes plásticas precisam de ser conhecidas.  Há interesse, precisamos de ser mais audazes.  O Instituto Português Além-Fronterias (PBBI) é muito virado para os Açores, num contexto global, entenda-se, e daí haver interesse dos nossos alunos.  Mas teremos de cultivar ainda mais alunos. 

4 – Em que estado se encontra o ensino de português na Califórnia e quais as medidas que deviam ser implementadas para fomentar a sua aprendizagem?

O ensino da língua portuguesa continua e graças aos esforços de algumas comunidades, até algumas mais pequenas e mais antigas, onde já quase não se fala a língua tem havido movimento para criarem-se escolas comunitárias, também há uma nova escola do sistema de ensino privado ligado à igreja católica a começar com o ensino da língua portuguesa e isso é muito importante, porque há uma rede estadual dessas escolas.  Tudo tem sido muito lento e a metamorfose, que passamos com cada vez menos famílias a falarem português em casa, tem sido mais rápida, do que os esforços feitos.   As medidas a implementar são as mesmas propostas pelo plano estratégico que a comunidade elaborou, mas que o estado português ignorou.  As medidas, por mais voltas que se queiram dar, ou notícias fictícias que se promovam, estão nas mãos da comunidade.  O trabalho terá de ser feito dentro da comunidade, pela comunidade e com a comunidade.  Tudo isso está delineado nesse plano estratégico.  Enquanto tivermos apenas cerca de uma dúzia das quase 4 mil escolas secundárias públicas e privadas com o ensino da língua portuguesa; enquanto tivermos apenas um entre cerca de 700 programas de imersão em português no ensino primário da Califórnia; enquanto não entendermos que que há outros métodos e outros esforços, para além do que é “oficializado” pelo estado português, teremos sempre os mesmos dilemas.  As medidas, as ferramentas para se alterar a situação, estão delineadas, temos é que mudar de paradigmas.