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OPINIÃO | A estrela que ainda brilha: O Espírito de Natal num Mundo Agitado, por Diniz Borges

Diniz (Dennis) Borges Portuguese Beyond Borders Institute-Director
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Natal. E, só pelo facto de o ser, 
o mundo parece outro
Miguel Torga

Com a aproximação do Natal de 2024, o mundo encontra-se numa encruzilhada, repleto de desafios, mas iluminado pela promessa perdurável da resiliência da humanidade. Nesta época, em que as luzes cintilantes adornam as nossas ruas e as canções de Natal enchem a nossa alma, é bom relembrarmo-nos não só da alegria que as festas trazem, mas também do apelo mais profundo à paz, à justiça e ao trabalho coletivo, para o qual todos temos de contribuir individualmente, na construção de um mundo mais equitativo.  Na realidade podemos ter justiça social sem prosperidade económica, mas a prosperidade económica sem justiça social jamais fara sentido.  Já a cientista americana Agnes M. Pahro o disse: O que é o Natal? É a ternura do passado, a coragem no presente e a esperança para o futuro

Um Mundo Tumultuoso

A humanidade entra nesta época festiva com o peso das desigualdades persistentes, as quais nunca quisemos enfrentas, e de novas crises globais. As alterações climáticas aceleram em todas as partes, as guerras continuam e as disparidades económicas são cada vez mais acentuadas. As injustiças sociais e as divisões raciais perseveram de formas que exigem não só uma dura reflexão, mas sobretudo decisões imediatas. Com todos estes e outros dilemas o Natal oferece-nos um momento de pausa, para refletir não só sobre o que somos, mas também sobre o que poderíamos ser. Charles Dickens escreveu no seu A Christmas Carol que a época, “É um ajuste justo, imparcial e nobre das coisas, que embora haja infeção na doença e na tristeza, não há nada no mundo tão irresistivelmente contagioso como o riso e o bom humor”. Esta recordação intemporal incita-nos a aproveitar o espírito da época para contagiar o mundo, não com desespero, mas com compaixão.

À Procura da Paz

A paz, esse sonho fugidio, continua a estar no centro das aspirações da humanidade. Uma paz que não fique apenas pela ausência de conflitos bélicos, o que já seria um grande passo, mas a verdadeira paz; a que requer justiça, compreensão e coragem. Sobre os desafios globais que enfrentamos, as tensões geopolíticas e a agitação civil, ecoam-nos as palavras de Martin Luther King Jr.: “A verdadeira paz não é apenas a ausência de tensão; é a presença da justiça.” Quando as famílias se reúnem para o Natal, partilhando refeições e trocando presentes, seria bom relembrarmo-nos que a paz começa nas nossas mais pequenas interações – com bondade, empatia e aceitação da diferença.

O próprio simbolismo do Natal fala-nos deste desejo de harmonia. A história de uma criança nascida numa humilde manjedoura, visitada tanto por pastores como por reis, transcende as suas raízes religiosas para se tornar uma metáfora universal sobre a possibilidade de reconciliação entre as diferenças que insistimos em transformá-las em elos de discórdia e de contendas. O bebé na manjedoura recorda-nos que as sementes da paz surgem frequentemente dos começos mais humildes.

A Justiça Económica

A disparidade económica que marca grande parte do nosso mundo atual parece muitas vezes insuperável, mas na realidade todos sabemos que não é. Os bilionários lançam-se ao espaço enquanto milhões lutam para ter uma refeição decente. Esta realidade contrasta fortemente com o espírito igualitário do Natal. Como refletiu a escritora americana Ursula K. Le Guin, “cada um de nós tem um pequeno mundo só seu. E todos os mundos precisam de ser concertados”. A correção da desigualdade económica, a nível mundial, exige uma vontade coletiva e uma mudança sistémica – mas não sejamos ingénuos, também começa com as escolhas que fazemos quotidianamente.

Enquanto as vendas da época Natalícia atingem níveis recorde, a quadra desafia-nos a repensar o consumismo. Podemos equilibrar a generosidade com a sustentabilidade? Podemos dar prioridade aos investimentos nas pessoas e nas comunidades em detrimento dos bens materiais? As organizações que trabalham para alimentar os mais necessitados, alojar os sem-abrigo e apoiar o comércio justo recordam-nos que a justiça económica não é apenas um ideal sublime, mas um objetivo tangível e cada vez mais necessário.

A Justiça Racial e Social

A injustiça racial continua a ser um dos fracassos mais prementes e persistentes da humanidade neste pós-modernismo. Em 2024, os protestos pela igualdade racial continuam a ecoar nas ruas dos pequenos e grandes urbes.  É cada vez mais visível o grito das comunidades marginalizadas exigindo, o que não queremos enfrentar: responsabilidade e inclusão. Neste contexto, as palavras do escritor afro-americano James Baldwin, ainda hoje, entoam poderosamente: “Nem tudo o que é enfrentado pode ser mudado, mas nada pode ser mudado até que seja enfrentado.”

O Natal desafia-nos a enfrentar as verdades sobre as nossas sociedades. Obriga-nos a examinar a forma como tratamos o estrangeiro, o refugiado, o vizinho que não se parece ou não fala como nós. A própria história natalícia está impregnada de temas como a deslocação e a pertença, como quando Maria e José procuram abrigo e, mais tarde, fogem da perseguição. A sua viagem ecoa as lutas de milhões de pessoas que vivem atualmente, lembrando-nos que a justiça exige tanto o reconhecimento da humanidade partilhada como esforços ativos, e coletivos, para desmantelar os sistemas que oprimem. Já o escritor G.K. Chesterton o disse: “O Natal assenta num belo e intencional paradoxo: o nascimento dos sem-abrigo deve ser celebrado em todas as casas.”

A Dádiva da Esperança

No meio destes e tantos outros desafios, o Natal traz-nos um sentimento de esperança que transcende as circunstâncias. A esperança não é um otimismo ingénuo, mas a convicção audaciosa de que a mudança é possível. A poeta afro-americana Maya Angelou captou este sentimento de uma forma deslumbrante quando escreveu: “A esperança e o medo não podem ocupar o mesmo espaço. Convide um deles a desaparecer.” Enquanto navegamos num mundo carregado de medo – do desconhecido, da perda, do afastamento uns dos outros – o Natal convida-nos a escolher a esperança, o arrojo de que podemos e devemos assumir a nossa responsabilidade, individual e coletiva.

A esperança encontra-se nos pequenos atos de generosidade que, felizmente, ainda se propagam. Está no voluntário que serve refeições num abrigo, na comunidade que se reúne para apoiar uma família em dificuldades, nos líderes que se atrevem a dar prioridade à humanidade em detrimento do poder. Está nas crianças que, na manhã de Natal, acreditam na magia da época – e nos adultos que se esforçam para tornar essa magia numa nova realidade.

Um Futuro Unido

O Natal de 2024 é um apelo à reflexão, mas também à ação. Os desafios do mundo – desde as crises climáticas à injustiça sistémica – são vastos, mas não são insuperáveis. Juntos, a humanidade tem a capacidade de criar um mundo que honre a dignidade de todas as pessoas. Como escreveu John Steinbeck: “Talvez seja preciso coragem para criar os filhos não à nossa própria imagem, mas à imagem do mundo no seu melhor”.

Esta coragem de imaginar e construir um mundo melhor deve guiar-nos no novo ano. Exige que passemos das boas intenções à mudança tangível. E se, em vez de resoluções fugazes, nos comprometêssemos com verdadeiros movimentos de mudança a médio e a longo prazo? E se o espírito de dádiva se prolongasse para além de dezembro, moldando a forma como vivemos e trabalhamos todos os dias?

Novas Possibilidades

O Natal é, acima de tudo uma época de reinvenção- de ver o mundo como ele é, mas também como poderia ser. Convida-nos a reacender a luz da humanidade numa época em que a escuridão é, demasiadas vezes, avassaladora. O poeta americano T.S. Eliot escreveu: “As palavras do ano passado pertencem à linguagem do ano passado. As palavras do próximo ano aguardam outra voz”.

Na linguagem de 2024, que as nossas vozes sejam as da unidade, da justiça e do amor. Que as nossas ações reflitam o compromisso de construir pontes, reparar feridas e forjar um futuro em que a paz e a equidade não sejam apenas aspirações.  Que sejam realidades.

A época festiva está por aí a desenrolar-se.  Que a alegria do Natal nos recorde o poder transformador da esperança, o apelo permanente à justiça e a possibilidade de um mundo redimido não por um único herói, mas pela força coletiva da humanidade.

Desde a Califórnia, Boas Festas para todos! 

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.