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OPINIÃO | Os pecados do mundial de futebol , por Alexandra Manes

OPINIÃO | Alexandra Manes Dirigente do BE
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Há poucas semanas, Iker Casillas tuitou “Espero que me respeten: soy gay”. Poucas horas depois o tuite foi apagado, tendo afirmando que a sua conta tinha sido “hackeada”, pedindo desculpa à comunidade Gay. No entanto, alguns jornais espanhóis afirmavam que o jogador tinha sido irónico, para que os rumores acerca da sua vida amorosa terminassem. Em poucas horas este tuite originou um misto de reações, as de orgulho pela coragem de um dos melhores guarda-redes de sempre assumir a sua homossexualidade, num meio tão homofóbico, por outro lado, a homofobia foi esmagadora, clarificando a razão para que casos de “coming out”, como o de Josh Cavallo, sejam tão raros no meio futebolístico.

Num mundo onde ainda se mata e morre pela orientação sexual, em que muitas pessoas sofrem numa profunda solidão, para evitar comentários do nível dos que foram escritos, foi de uma irresponsabilidade e falta de respeito enormes, que não deveria ter passado incólume por parte do jogador espanhol.

Nas últimas semanas, na Premier League e Bundesliga surgiram adereços alusivos à comunidade LGBTI+ para demonstrar o apoio à comunidade. No entanto, estamos a poucos dias de um dos maiores eventos desportivos do mundo, que concentra a atenção dos cinco continentes, que se realiza num país onde são negados os mais básicos direitos humanos e onde a monarquia absolutista do Qatar tem o poder executivo, legislativo e domina o judicial. 

É sabido que cerca de 300 mil cidadãos estão entre os mais ricos do mundo enquanto mais de dois milhões das pessoas que lá vivem não têm direitos e são vítimas de abusos e discriminação.

No mesmo país onde se realiza o mundial de futebol, a exploração laboral resultou em mais de seis mil mortos na construção de estádios de futebol de alta tecnologia para este evento, com base num regime que permite todo o tipo de abusos por parte do patrão, que tem poder quase absoluto sobre a vida do trabalhador, ao “patrocinar” a sua entrada no país e tratar das autorizações de trabalho e residência, podendo cancelá-las a qualquer altura.

Segundo a Human Rights Watch, as mulheres migrantes trabalhadoras domésticas, vivem em verdadeiras prisões e são sujeitas a abusos físicos e sexuais. Verdadeiros objetos.

As mulheres do Quatar têm de pedir aos seus tutores masculinos autorização para trabalhar em empregos públicos, casar, estudar no estrangeiro com bolsas do estado ou viajar para o estrangeiro até aos 25 anos. A partir dessa idade também podem ser proibidas de sair por parte dos seus pais ou maridos. A lei da família discrimina as mulheres no casamento, no divórcio, custódia dos filhos e nas heranças. Não existem leis a punir a violência doméstica ou sobre menores.

O sexo fora do casamento é punido até sete anos de prisão, podendo ainda ser condenados a açoites ou à morte.

Relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são ilegais e consideradas como um distúrbio mental, punidas com uma pena de um a três anos para qualquer homem considerado culpado de incentivar outro homem a “cometer um ato de sodomia ou imoralidade”.

Nos últimos anos foram realizadas várias campanhas de defesa dos direitos LGBTI+. Em 2020, o Qatar dizia que turistas LGBTI+ seriam bem-vindos, podendo levar bandeiras arco-íris para os estádios. Em abril deste ano, o major-general Abdullah Al Ansari, responsável pelo comité antiterrorista, afirmava que se alguém mostrasse a bandeira ao pé dele a tiraria, acrescentando:” Se quiser mostrar a sua opinião sobre a situação (LGBTI+), então que o mostre numa sociedade onde isso seja aceite”.

Mais recentemente, o emir Sheikh Tamim bin Hamad al-Thani confirmou a linha oficial ao ser questionado em Berlim sobre o tema, dizendo: “Nós damos a todos as boas-vindas, mas também esperamos que respeitem a nossa cultura”.


É num país onde não existem direitos para as minorias, eleições, partidos políticos nem protestos que em 2022 se realiza uma prova mundial. Mas, esta não é a primeira vez que o Futebol Mundial ou Europeu tem uma posição de neutralidade aos ataques dos Direitos Humanos. Em 2021, no Europeu de futebol, o organismo comunicou que “Pelos seus estatutos, a UEFA é uma organização política e religiosamente neutra”, negando assim a iluminação de um estádio com as cores da bandeira LGBTI+ numa partida entre Alemanha e a Hungria.  

Recentemente, a Fifa proibiu a Dinamarca de treinar com camisola pró-direitos humanos, alegando que as regras não permitem “mensagens políticas”. Mas existe maior mensagem política da que é a posição da Fifa?

Na verdade, se tivesse havido coragem, nenhuma seleção estaria presente neste mundial, pois, ao contrário do que Infantino disse, este é um exemplo de interesses políticos e financeiros que se sobrepuseram ao respeito pelos Direitos Humanos.

Descrevi duas situações em que o futebol dá um péssimo exemplo. Casillas e a Fifa. Mas esta também poderá ser uma oportunidade para o Mundo conhecer a realidade do Qatar. Há valores que têm de ser universais e o Futebol não se deve desassociar dos Direitos Humanos. 

Como podem ver, este Mundial está envolto em pecados, muitos deles mortais.

Alexandra Manes, Deputada do BE, à ALRAA

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.