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REGIÃO | Botes baleeiros no pasto açoriano, uma história que flutua numa jangada e um deus de plástico

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A 5.ª edição do Festival Maravilha deixou uma marca na ilha do Faial, Açores. A iniciativa celebra a arte de rua e os bons encontros entre os que vêm, os que vão e os que ficam e contou com a participação de artistas como Joana Bértholo, Soizic Séon e Superlinox. Seja uma jangada com um conto impermeável na Baía de Porto Pim, um mural com botes baleeiros a caminho do mar dos Capelinhos ou as esculturas de um velho nadador e de um semi-deus na Praia do Almoxarife, todas as obras convidam à reflexão sobre a relação entre as pessoas e o mar, a importância da preservação ambiental e a força da tradição açoriana.

A edição 2024 do Festival Maravilha chegou ao fim, deixando uma presença viva nos Açores, tanto na memória de quem participou, como no legado de obras artísticas para a posteridade. Neste ano, foram quatro as obras que se destacaram, cada uma delas concebida especificamente para um lugar com uma forte ligação ao mar e aos veleiros que nele vagueiam. Estas criações são um tributo à ilha açoriana com uma das marinas mais movimentadas do mundo, refletindo as suas características atmosféricas, a sua história e a vida das pessoas que a habitam e a visitam, acolhendo anualmente mais de 1200 embarcações que atravessam o Oceano Atlântico.

Todos os anos, durante o verão, a organização do Festival Maravilha – a Associação Cultural Fazendo – instala uma jangada na Baía de Porto Pim (paisagem protegida e integrada no Parque Natural do Faial), transformando-a num ponto de encontro para brincadeiras, conversas e mergulhos refrescantes. Se “é preciso sair da ilha para ver a ilha”, então para ler o conto “uma ilha dentro de uma ilha dentro de uma” de Joana Bértholo (Lisboa, Portugal), é necessário nadar até esta jangada. Joana, que já foi nadadora e triatleta, esteve em residência artística na cidade da Horta, em abril do ano corrente, a convite do Maravilha. Durante esse período, a escritora e dramaturga escreveu este conto flutuante. Uma obra que convida à reflexão sobre a insularidade e a identidade açoriana através de uma experiência imersiva.

Não muito longe, no Cais Comercial da Horta, pode encontrar-se uma das obras de Superlinox (Setúbal, Portugal): “Neptuno (Primo)”. É uma figura humana monocromática que representa um primo afastado do Deus dos mares. A obra procura denunciar a forma como a humanidade tem tratado os oceanos e os deuses. O tesouro sobre o qual Neptuno está pousado é composto por lixo marinho, a sua coroa é feita de escovas de dentes de plástico e o cinto de vapes descartáveis, numa clara alusão ao estilo de vida atual e às suas consequências ambientais e em especial para o estado do oceano.

A apenas 7 km de Porto Pim encontra-se a Praia do Almoxarife. De origem vulcânica, água cristalina e com um longo areal de tonalidades escuras, é uma das zonas balneares mais procuradas para a prática de desportos aquáticos, como o surf e o mergulho. Foi esta a praia escolhida para mais uma escultura de Superlinox: “Orlando”, um velho senhor que todos os dias enfrenta o mar açoriano para dar umas boas braçadas. É um símbolo de resiliência e sabedoria: “Porque é preciso saber envelhecer. Os mais velhos têm muito a ensinar. Têm toda uma existência de experiências acumuladas. Chegar a velho é sinal de um caminho bem trilhado”, acrescenta Tomás Melo, diretor artístico do Festival Maravilha. Orlando convida-nos a refletir sobre a força e determinação humanas.

Sendo que um dos propósitos do festival é levar a arte a outras freguesias da ilha, a velejadora e artista Soizic Séon (França/Bélgica) foi convidada a pintar um mural na freguesia do Capelo. Soizic, que em 2021 já tinha sido responsável pela pintura do palco-mar e pelo localmente famoso mural das caudas junto à sede do Angústias Atlético Club, traz agora uma nova obra, para manter viva a memória baleeira açoriana, capturando a essência dos botes baleeiros que navegam num mar de ondas e vulcões.

Este projeto contou com a colaboração da Junta de Freguesia do Capelo, Almoxarife e Angústias e o apoio da Câmara Municipal da Horta, do Governo Regional dos Açores, do Governo da República e da DgArtes.

FAZENDO/RÁDIOILHÉU

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.