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OPINIÃO | Uma lista para este Natal: para uma Diáspora em Movimento, por Diniz Borges

Diniz (Dennis) Borges Portuguese Beyond Borders Institute-Director
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Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.
Miguel Torga do poema “Natal”

É Natal!  Publicam-se frases de renovação, de esperança, de fraternidade, de amizade.  Andámos (felizmente nem todos), no mesmo frenesim de sempre, compras para aqui, jantares para ali e desejos de Boas Festas para todos.  Fazem-se listas, uns para dar, outros para receber e quase todos englobando os dois.  Acho que é tempo de fazer uma lista para o Menino Jesus (como se usava no meu tempo de menino e moço) ou o Pai Natal do nosso quotidiano.  Daí que neste Natal de 2023 vou mesmo fazer uma lista de desejos não só para a época festiva, mas mais importante para o ano vindouro, ou os anos vindouros.  É uma lista muito ligada a quem sou, como emigrante, como membro da diáspora açoriana, como cidadão com dupla nacionalidade, a portuguesa, por nascença e a americana, por opção.  

Que na Califórnia e um pouco por todo o mundo norte-americano tenhamos mais escolas secundárias, do ensino público e privado, com cursos de língua e cultura portuguesas.  Que nessas escolas hajam docentes ligados à diáspora açoriana e a que a mesma comunidade saiba apreciar e trabalhar com os docentes para que a nossa língua e cultura não fique circunscrita  a meia dúzia de famílias e como já o disse a meia dúzia de vocábulos, ora exóticos, ora eróticos, conforme as circunstâncias, que seja um movimento comunitário e que o Terreiro do Paço português, cada vez mais centralista, compreenda que o ensino da língua portuguesa da nossa diáspora está nas mãos das comunidades e que só com elas a pode sobreviver.  E que percamos, de uma vez por todas, o gosto de alimentarmos falsidades sobre a pompa e a circunstância no ensino da nossa língua e culturas.  Não nos fica bem andarmos a dizer que temos mais escolas a ensinar português, sem falarmos das que fecharam, e das que foram de 185 alunos matriculados para 105, por exemplo.

Que continuemos a ter mais jovens açor-descendentes nas nossas organizações, desde as mais populares às ditas culturais.  Que esses jovens percebam a responsabilidade que lhes cabe, neste momento da nossa história coletiva como comunidades de origem portuguesa na Califórnia, e não só. É que, como já o disse, repetidamente, o que trabalhou para as gerações dos vossos avós e dos pais, meus caros jovens, não trabalhará para as vossas gerações.  Que os jovens adultos, na casa os 20 e 30, compreendam que a continuidade está na geração deles e das gerações ainda mais jovens e que há que, sem desrespeitar o passado, construir o futuro, há que se ser audaz e há que se ser genuíno, e há que se lutar com os poderes estabelecidos que nos dizem que querem gente nova, e depois elevam e protegem gente que nunca teve imaginação para cargos que merecem a irreverência da juventude.

Que o nosso movimento associativo compreenda que não pode viver fora do mundo norte-americano.  A única forma de sobrevivência é a nossa adaptação ao mundo a que pertencemos e a nossa aceitação das outras etnicidades que compõem o mosaico humano que compõem os EUA e o Canadá.  Que tenhamos a capacidade de perceber essa realidade hoje, porque amanhã poderá ser tarde demais.

Que abiquemos de um orgulho banal que ainda infesta alguns setores da nossa diáspora e que é alimentado pelos poderes portugueses quando nos visitam ou quando estão entre nós ao serviço de uma pátria de emigrantes que ainda não compreendeu a sua diáspora.  Não somos melhores do que outros grupos étnicos, outras nacionalidades, outras raças.   Que tenhamos a idoneidade de compreender que todas as culturas têm valores, todas têm virtudes e todas, incluindo a nossa, têm vicissitudes.  Que aceitemos e abracemos os outros, como seres humanos, tal e qual como nós, com as mesmas aspirações, sonhos e desejos.  Que percebamos as outras culturas antes, muito antes, dos nossos filhos estarem casados com alguém de outra etnia, outra raça e outro credo religioso.   

Se somos religiosos, aceitemos que as outras religiões são tão importantes como a nossa.  Que se olharmos à religião como um clube fechado, ao qual só nós temos direito, estaremos a estagnarmo-nos.   E que recebamos, tal como disse recentemente o Papa, aqueles que não são religiosos.  Lembremo-nos que toda a gente é pessoa, título de um programa de rádio, em tempos idos, do Padre António Rego.  

Que saibamos entender o nosso lugar na sociedade.  Somos imigrantes, como os outros imigrantes, com ou sem documentação.  Também tivemos, em termos de entrada nos EUA “as nossas mentiras”.  Também fomos estrangeiros!  E há muita da nossa gente que mesmo 25, 30, 40 anos depois de viverem e trabalharem nos EUA no Canadá – ainda é estrangeira.

Que tenhamos a capacidade de entender que não somos “povo escolhido” (um conceito perfeitamente patético).  Que somos do mesmo berço, da mesma cultura latina, que muitos outros grupos étnicos que se identificam como latinos nos EUA e no Canadá.  Que culturalmente estamos muito distantes dos povos do norte da Europa e primos, mas primos chegados dos povos do sul da Europa e dos sul-americanos, continente que também colonizamos.

Que admitamos que nem tudo no nosso legado cultural é correto, que a nossa história, como nação e como povo, também tem os seus períodos escuros, os seus momentos amargos, as suas desilusões e tribulações, e que discursos como o que foi feito em setembro do ano de 2022 no Centro da Califórnia elevando-nos aos pináculos do universo, mais do que serem populistas, são nefastos e caricatos. 

Que tal como nós gostamos das nossas festividades, com a nossa gastronomia, a nossa música, e a exibição da nossa bandeira, os outros grupos étnicos também têm os mesmos desejos e o mesmo direito a exibirem a sua bandeira e a pactuarem pelas suas causas – aliás, nós é que estamos um pouco sem causas. Que cada vez que dizemos, e infelizmente tenho ouvido demasiadas vezes: lá vão aqueles com a sua bandeira, que nos lembremos que bandeira (ou bandeiras) é que nós também levamos nas nossas festas.   

Que apesar de estarmos num país estrangeiro, pelo menos os imigrantes, como eu, é bom recordarmos dos valores humanistas que trouxemos e que incutiram a nossa cultura durante séculos, que sempre fomos um povo aberto ao mundo, que fomos dos primeiros europeus a abolir a pena de morte, a aceitar a diferença dos outros, a defender os direitos das mulheres, a lutar pela justiça social.  

Que admitamos que a nossa cultura é extremamente versátil e rica, não por ser a cultura de uma rua, de uma freguesia, de uma vila, de uma ilha ou de uma região, mas porque é uma cultura marcada pelas experiências que tivemos com o resto do mundo.  Que as culturas, todas elas, do mundo da língua portuguesa são importantes e devem estar em pé de igualdade com a da nossa rua, da nossa freguesia, da nossa vila e da nossa região.

Que estejamos abertos a olhar para a cultura além do que já sabemos.  Que tenhamos a visão de encararmos a cultura além de uma música popular, de uma noite de castanhas, de um jantar de chicharros, de um bailinho e de uma tourada.  A cultura também é feita pelas artes plásticas, pela poesia, pela literatura, pela música erudita, pelas exposições, pelo jornalismo, pelo debate de ideias.   

Que apesar de estarmos enevoados com a neblina cerebral da FOX News, na nossa terra sempre dissemos: Boas Festas ou Festas Felizes, muito mais do que Feliz Natal.  Que ao contrário do que gente de memória curta queira imprimir, ou outros cujos pais, infelizmente, não souberam ou quiseram passar algumas das nossas tradições, não o fazíamos por qualquer uso do “político correto”, mas sim porque faz parte da nossa idiossincrasia. 

Que tenhamos orgulho da nossa presença em terras americanas e canadianas, mas, simultaneamente, que admitamos que temos ainda muito a fazer.  Que trabalhemos no sentido de termos mais profissionais de origem portuguesa na medicina, na jurisprudência, nas artes, na política, na comunicação social, no ensino e no mundo académico, entre outros.  Que construamos o futuro que queremos e não o futuro que nos ditam, particularmente quando nos centros do poder português, e infelizmente, em todos os quadrantes da esfera política, ainda não entenderam o potencial da diáspora. E que o digamos bem alto para que nos ouçam. E uma vez que estamos à beira de eleições, nacionais e regionais, se não é para fazermos as mudanças que todos sabemos que são absolutamente necessárias, que nos deixem em paz – a paz com a qual construímos o nosso património em terras que para nós já não são, ou deveriam ser, estrangeiras.        

É uma lista grande!  Acho que nem o Menino Jesus, nem o Pai Natal (para não falar em algumas pessoas nas nossas comunidades e do Terreiro do Paço) quererão que faça mais listas do Natal.  O autor CS Lewis escreveu algures: Quando amadurecemos, a lista de desejos para o Natal fica mais curta, e o que realmente desejamos, não é possível comprar.  Esta, apesar de não ser curta, definitivamente não é possível comprá-la.  Só será possível com trabalho, visão, e desapego do que é fictício e, infelizmente insistimos em manter na nossa diáspora e no nosso relacionamento com os Açores, com Portugal e com a Lusofonia.   

Festas Felizes! Boas Festas!  Feliz Natal e Próspero Ano Novo.    

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.