OPINIÃO

OPINIÃO | Uma cultura envenenada, por Alexandra Manes

OPINIÃO | Alexandra Manes Dirigente do BE
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Nas mais variadas versões do conto da Branca de Neve e dos seus sete companheiros, há algumas constantes que vamos encontrando repetidas, como aviso de cautela aos mais novos. Cada um dos companheiros de estatura reduzida representa determinadas caraterísticas que se querem devidamente civilizadas, numa sociedade contemporânea. E há a questão da maçã, e do veneno que ela esconde, por detrás de um presente.

É de maçãs que escrevo hoje. Ou melhor, de presentes envenenados. 

Em 2022, o Governo Regional dos Açores avançou com uma remodelação integral de alguns dos seus setores, assumindo publicamente que tinha cometido uma série de erros de casting que tinham tido consequências desastrosas para a Região. 

As finanças passaram a ser asseguradas por um favor político tornado pessoa – que decidiu imitar o seu companheiro Pacheco ao “atacar” um órgão de comunicação social, como se senhor e dono da comunicação, fosse. Uma nova secretaria nasceu das cinzas de Mota Borges, para acolher Berta Cabral, que voltou pelo meio do nevoeiro para salvar José Manuel Bolieiro das facadas dos amigos. E, claro está a cultura voltou à casa de onde tinha saído, para nos lembrar que, para a direita, a cultura vale tanto como uma ficha de jogo, para trocar quando é preciso. 

Não acreditam? Venham comigo, conhecer o orçamento para 2023, na área dos assuntos, cada vez menos culturais.

De acordo com o que foi possível apurar, e foi já tornado público por vários cidadãos e movimentos cívicos, a estratégia para a cultura, em 2023, passará pela terra queimada. O objetivo parece ser destruir totalmente qualquer vestígio de possível futuro para as e os profissionais do setor. Tanto os agentes culturais como os que trabalham nas políticas de gestão do património foram relegados para um plano que já há muito deixou de ser terciário, para passar mesmo a inexistente. 

27% é o que se prevê como corte total da verba, face ao miserável orçamento que já tinha sido atribuído para este ano. 

Se este número não vos assustar, pensem antes na coisa de outra forma. A percentagem de corte representa um substancial decréscimo nos apoios a atribuir, tanto no que concerne à conservação e valorização do património, como nas áreas de criação artísticas. E mesmo que os regimes de apoio propriamente ditos até mantenham verbas semelhantes (o que já de si deveria de ser inaceitável), outras verbas simplesmente desapareceram.

Sr. diretor regional dos assuntos culturais onde está a estratégia para o audiovisual nos Açores em 2023? Sra. Secretária Regional da Educação e Assuntos Culturais sobre o desaparecimento da arte contemporânea no arquipélago, algo a dizer? Para onde foram os 43% da verba que foi sugada da parte da manutenção e preservação do nosso património cultural, histórico, arqueológico e arquitetónico? 

A resposta, talvez se encontre numa análise de maior espetro ao restante orçamento. A Secretaria Regional da Educação e dos Assuntos Culturais vai aumentar a sua verba, face ao presente ano, em 2023. Haverá mais dinheiro para a Educação e Assuntos Culturais, mas menos para os Assuntos Culturais, portanto. O que nos leva de volta ao presente envenenado que toda a cultura na Região recebeu, quando voltou à casa de onde tinha partido. 

A Cultura merece uma Secretaria própria. Merece um investimento que conte com uma percentagem real do orçamento total para os Açores. Merece ser reconhecida, pelos artistas de excelência que cá trabalham, e cá desejam continuar a trabalhar. Merece que se lembrem das distinções que o nosso património já recebeu, na UNESCO, na Europa e no mundo, e também das que procura agora receber, com trabalhos como os da Capital Europeia, que contavam com um apoio que não vão ter.

A Cultura não merece um investimento que fica tragicamente perto do valor que o Governo vai pagar pelos tais campos de golfe de que já aqui escrevi. Na altura, alertou-se Sofia Ribeiro e o seu executivo para terem algum tipo de sensibilidade face às pessoas que vão passar fome com um corte como este. A resposta é evidente. A Senhora Secretária não quis saber.  

Talvez agora, como a Branca de Neve, seja altura de pensarmos no futuro, e em quem queremos que nos venha acordar deste eterno pesadelo que parece não terminar. 

Alexandra Manes, Deputada do BE, à ALRAA

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.