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OPINIÃO | “Retalhos Soltos” para a História do Concelho da Calheta – Dona Regina de Azevedo Pires Toste Tristão da Cunha, por Paulo Teixeira

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Fajã de São João, 29 de julho de 2024
Paulo Teixeira

Em Assembleia Municipal da Calheta, José Gabriel da Silva Matos, Presidente da Junta de Freguesia da Calheta (eleito pelo PSD), apresentou um voto de pesar pelo falecimento da professora e escritora, Regina de Azevedo Pires Toste Tristão da Cunha, que foi Presidente da Assembleia Municipal da Calheta de 1979-1987, nascida em Angra do Heroísmo a 7-9-1934 e falecida aos 89 anos, nesta Vila da Calheta a 2 de novembro de 2023. Voto que o Vereador Socialista, que nem deveria ter acesso ao uso da palavra na Assembleia Municipal, contestou como se fosse pecado capital lembrar uma grande social democrata, uma grande cidadã e uma das mais destacadas mulheres açorianas.

Aproveito a estrutura deste voto para prestar a minha homenagem a uma grande mulher, mas sobretudo à minha amiga D. Regina!

Professora de profissão, terminou o curso em 1954, que exerceu na ilha Terceira (Escola da Sé, Serreta e Praia da Vitória) e depois na ilha de São Jorge, freguesia das Manadas, nos Biscoitos e na Escola Preparatória Padre Manuel Azevedo da Cunha, da Vila da Calheta onde acabou por casar, fixar residência e constituir família.

O empenho no desenvolvimento da terra onde optou por viver, levou a que se envolvesse no seu desenvolvimento nos mais variados domínios.

Na política, foi além de Presidente da Assembleia Municipal (1979-1987), deputada pelo PPD/ PSD, eleita pelo círculo eleitoral da ilha de São Jorge na Assembleia Legislativa Regional dos Açores na 4ª legislatura de 1989-1993, integrando as Comissões dos Assuntos Sociais, da Juventude e Formação e dos Assuntos Internacionais.

Na ação social com destaque para a fundação do Núcleo da Cruz Vermelha da Calheta (RAA), que presidiu de 1980-1988 e que prestou importante apoio organizado às populações pelo grande sismo de 1980.
Na cultura onde se eleva a sua coordenação como responsável pelo Grupo Etnográfico da Calheta (RAA) que levou a nossa cultura por todas as ilhas dos Açores e por esse mundo fora, como o continente português, a Madeira, Espanha, Canadá e Estados Unidos da América.

Além de professora foi investigadora e escritora deixando obras de referência como “Da tecelagem ao trajo – aspetos da vida jorgense” (2000); em 2002 a coleção “Kathy – férias nos Açores”, em que desenvolve um livro por cada uma das ilhas. Esta coleção que está esgotada faz parte do Plano Regional de Leitura, sendo ainda recomendada para Leitura Orientada no 2º ciclo; “O menino Músico: Francisco de Lacerda” (2010); “O Padre Cunha: Padre Manuel d’Azevedo da Cunha” (2012) e “Registos do Sismo de 1980 na ilha de São Jorge” (2016). Estava a preparar uma obra sobre as vivências nas fajãs da ilha de São Jorge, em que me dava a honra de integrar um dos meus textos. Foi colaboradora em outras obras como “A tecelagem Antiga dos Açores” (2004), “As fajãs da ilha de São Jorge” (2013-Instituto Açoriano da Cultura – Angra do Heroísmo, vol. 58), etc.

Como cidadã dinâmica deixa importante participação cívica de que se destaca o programa de televisão “Pulsar da Região” (2014), participação em jornais como “A União”, “Diário Insular”, “Correio de São Jorge” e ainda o “Jornal Português da Califórnia”.

Em 2012 foi justamente homenageada e agraciada com a medalha de Mérito do Município da Calheta (RAA) e com a Insígnia Autonómica de Reconhecimento a 21 de maio de 2018, que distingue “os atos ou a conduta de excecional relevância” que “valorizem e prestigiem a Região no País ou no estrangeiro”, que “contribuam para a expansão da cultura açoriana ou para o conhecimento dos Açores e da sua história” ou que se “distingam pelo seu mérito literário, científico, artístico ou desportivo”.

Em 2017 Letras Lavadas editou “Vidas – Mulheres Açorianas” que releva a vida de 18 mulheres que nasceram ou viveram nos Açores. Em 2019, o Top Azores, assinalou o Dia Internacional da Mulher, diferenciando 7 dessas 18 mulheres, em que ao lado de Natália Correia, surge Regina Tristão da Cunha e ainda a jorgense Teodora de Borba, que se destacaram na “paixão pelo ensino e educação, pela cultura e artes ou pela força, coragem e amabilidade na sua luta pelas dificuldades da vida”.

É esta grande Mulher que conheci e com quem troquei opiniões, muitas de ordem política. Foi sobretudo dentro do PSD que passei a admirar a D. Regina. Apreciava as suas análises políticas e durante muitos anos foi como uma conselheira que ouvia regularmente. Ajudou-me com muitos textos e foi um dia feliz, apesar do sofrimento por que passava, quando em 2020 o PSD passou a ser Governo, como me relatava:
-“Quanto ao novo Governo, no meio da minha dor, fez-me feliz por ver os socialistas perderem. Adorei a tomada de posse pois os discursos do Bolieiro e do Presidente da Assembleia foram muito bons e … pelo menos sabem que somos nove ilhas. Um beijinho para ambos.”

Por este tempo vivia a família um momento difícil com o falecimento do marido, Dr. Fernando Tristão da Cunha como me confessa a 29 de outubro:

-“Muito obrigado pelas vossas palavras. É sempre reconfortante ter pessoas amigas. Mas estou passando um dos piores momentos da minha vida, pois foram 61 anos casados. Um beijinho de muita amizade.”

Enquadramento em que ainda trocamos mais algumas mensagens:

“Bom dia, sim 61 anos é uma grande parte da vida e é, certamente, como perder parte significativa de nós próprios, mas procure apoiar-se precisamente nessa possibilidade que a vida vos deu de partilharem tantas coisas. Admiro muito a vossa relação, porque se percebia o companheirismo presente. Minha querida amiga, gostaria muito de fazer alguma coisa para atenuar a sua dor e ajudar a ultrapassar estes momentos, mas só o tempo abranda a chama do sofrimento. Alguma coisa que precise estou sempre aqui. Grande e forte abraço”

-“Muito obrigada Paulo pelo teu carinho”.

Alguns dias depois respondia-me na sua experimentada vida com a simples e brutal confissão de que há momentos para os quais nada nos prepara por muitos anos de vida que se tenha:

“Ora, aguentando um momento da vida para o qual ninguém está preparado. Obrigada Paulo, pela tua amizade.”

“Bom dia querida amiga, é de facto muito difícil, passados que são oito anos, ainda me custa aceitar a partida de meu pai. Tem conseguido escrever? Tem de fazer um esforço para não se deixar abater.
É difícil, mas minha amiga tem uma força muito grande e vai conseguir criar a sua “nova” normalidade. Beijinhos. Paulo”

Foi esta Senhora que me deu a honra de me sentar entre ela e o Professor Nemésio Serpa, outra grande figura adotada do Concelho da Calheta, a presidir à apresentação do livro “Registos do Sismo de 1980 na ilha de São Jorge” (2016), na freguesia de Santo Antão.

Livro que colocou à venda por cerca de 50% do preço de custo “para que as pessoas possam comprar”. Para sempre grato.

Escrevo estas linhas em sua memória e em defesa do seu pensamento politico que alguns socialistas cá do burgo pretendem apropriar, mas a verdade é que o apoio dado ao candidato socialista nas últimas autárquicas não o foi na ideologia, mas contra os independentes, aliás como me confidenciou pela alegria com que viu o PSD e José Manuel Bolieiro chegarem ao Governo, mas sobretudo pela derrota do centralismo socialista que tantas vezes criticou publicamente.

A política é infelizmente um mundo ingrato, em que nem sempre os mais capazes são os que chegam aos lugares para fazer a diferença na vida das pessoas. Certo vez desabafava com a D. Regina ao que ela me respondeu:

“As palavras do Paulo parecem as do meu filho Fernando!”.

Conheço o Fernando há já algum tempo e a ele devo muita atenção e paciência de me ouvir e aconselhar em momentos difíceis.

A outra Professora Regina, só conheci na Universidade dos Açores na minha muito breve passagem por aquela instituição quando achei que passados quase trinta anos, ainda seria capaz de me licenciar em Engenharia Civil.

Aos filhos, Fernando e Regina, que no curto espaço de tempo perderam os pais, fica um grande abraço de solidariedade.

Á memória da D. Regina uma mulher que merece o respeito de todos e que deve ser um modelo a seguir.

Uma mulher que sempre fez a diferença na sociedade.

Até sempre.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.