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OPINIÃO | Raiz Envenenada: o Nativismo Corrompe a Alma Americana, por Diniz Borges

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A América sempre foi melhor quando 
constrói pontes, não muros
Bill Clinton, 42º Presidente dos EUA.

O nativismo, a convicção de que os interesses dos cidadãos nativos devem ter prioridade sobre os dos imigrantes, tem surgido historicamente na política americana, por vezes nos períodos mais sombrios da mesma história. Embora seja, por vezes, enquadrado como um meio de proteger a identidade e a segurança nacionais, as políticas nativistas representam perigos significativos para os Estados Unidos da América. Ameaçam o crescimento económico, aprofundam as divisões sociais, alienam os aliados e põem em risco o papel da América como líder global. Ao restringir a imigração, ao fomentar a xenofobia e ao rejeitar a cooperação internacional, o nativismo mina os próprios alicerces da força americana – a diversidade, a inovação e o envolvimento global. Se os Estados Unidos adotarem políticas nativistas de Donald Trump, outrora um universalista, hoje, e porque vê que é carne vermelha para a sua base, um dos mais perigosos nacionalistas, arriscam-se à estagnação, à fragmentação e a uma posição mais fraca nos assuntos mundiais.  Aliás, está à vista de quem quiser abrir os olhos.  Já o Republicano Dwight Eisenhower o disse: “Um povo que valoriza os seus privilégios acima dos seus princípios depressa perde ambos.”

Estagnação económica

Um dos maiores perigos das políticas nativistas é o seu potencial para asfixiar o crescimento económico. Os Estados Unidos há muito que beneficiam da imigração, que tem fomentado a inovação, o empreendedorismo e a expansão do mercado de trabalho. Historicamente, os imigrantes têm desempenhado um papel crucial na construção de indústrias-chave, desde os caminhos-de-ferro e a agricultura no século XIX até aos sectores da tecnologia e dos cuidados de saúde atuais.  Ao restringir a imigração, os EUA arriscam-se a criar uma escassez de mão de obra em sectores essenciais. Por exemplo, a agricultura, a construção e os cuidados de saúde dependem fortemente de trabalhadores imigrantes. Sem um fluxo constante de trabalhadores, estas indústrias enfrentam custos de produção mais elevados, interrupções na cadeia de abastecimento e um declínio na produção.  Mais, os imigrantes contribuem significativamente para a Segurança Social e outros programas públicos, ajudando a sustentar uma força de trabalho envelhecida. Políticas de imigração restritivas poderiam, portanto, exacerbar os desafios demográficos, reduzindo o número de jovens trabalhadores que apoiam os reformados.

É do conhecimento geral que os imigrantes são responsáveis por muitas inovações revolucionárias nos Estados Unidos. Umas percentagens substanciais dos fundadores de start-ups, dos inovadores no Silicon Valley, por exemplo, são imigrantes. Empresas como a Google, a Tesla (esta a ser vítima de quando um imigrante quer ser nativista) e a Intel ou foram fundadas por imigrantes ou devem o seu sucesso a contribuições de imigrantes. Se as políticas nativistas tornarem os EUA menos atrativos para indivíduos talentosos de todo o mundo, a nação poderá perder a sua vantagem competitiva na tecnologia, na medicina e em outros domínios que são fundamentais no mundo moderno.  Lyndon B. Johnson, um dos presidentes mais progressistas dos EUA, e o responsável pela última grande reforma da emigração, a lei que permitiu a emigração de milhares de açorianos para a nação americana, as denominadas “cartas de chamada,” disse magistralmente: “Sempre nos orgulhámos de ser uma sociedade aberta, de porta em porta. No entanto, esta mesma abertura tem sido, por vezes, um convite ao medo, a um medo que pode ser uma força destrutiva numa democracia.” 

O nativismo como força de polarização

As políticas nativistas não só prejudicam a economia como também aprofundam as divisões entre os americanos. Ao longo da história, os movimentos nativistas têm sido frequentemente motivados pelo medo e pelo ressentimento, retratando os imigrantes como ameaças e não como contribuintes. Este facto conduz ao aumento das tensões sociais, à criação de bodes expiatórios e à discriminação.

Durante o século XIX e início do século XX, ondas de nativismo levaram à discriminação contra imigrantes irlandeses, chineses, italianos e judeus. A Lei de Exclusão dos Chineses de 1882 e a Lei da Imigração de 1924 são exemplos de políticas motivadas por sentimentos nativistas que resultaram em discriminação racial e étnica. Os portugueses, considerados os “dark europeans—europeus escuros”, foram discriminados.  Durante o século XX, forma muitos os imigrantes portugueses que mudaram os seus apelidos, americanizando-os para se mostrarem integrados, tentando fugir à discriminação.  Mais recentemente, a retórica em torno da imigração da América Latina e do Médio Oriente alimentou o sentimento anti-imigrante, conduzindo a crimes de ódio e a clivagens culturais.

O nativismo prejudica a unidade nacional ao promover uma mentalidade de “nós contra eles”. Aliás, ainda há poucos dias um filho de um emigrante açoriano, veementemente contra os novos emigrantes, disse-me: os meus pais também foram emigrantes, mas vieram “the right way-da forma correta.”  São palavras-chaves que ouvem nos programas televisivos da FOX News, e em outras plataformas, para justificarem a sua xenofobia.

O nativismo, hoje à flor da pele na sociedade americana, em vez de promover uma identidade nacional inclusiva, cria divisões baseadas na etnia, na religião e no local de nascimento. Isto enfraquece a coesão social e a confiança nas instituições, levando a uma maior polarização política. A ideia de que alguns americanos são “mais americanos” do que outros contradiz os princípios fundadores da nação de igualdade e inclusão. A longo prazo, essas divisões podem corroer a democracia, dificultando a governação eficaz e a resolução de questões nacionais prementes.  As palavras ditas pelo Presidente Barack Obama há 16 anos ainda ecoam hoje: “O maior erro que podemos cometer neste momento é estarmos divididos, sucumbirmos a uma política de ressentimento, em que nos culpamos uns aos outros pelo que está a acontecer.”

Isolacionismo e alienação internacional

As políticas nativistas não dividem apenas os americanos internamente; também colocam os Estados Unidos em desacordo com o resto do mundo. Historicamente, os períodos de nativismo americano coincidiram com o isolacionismo, em que os EUA se retiraram do envolvimento global em favor de uma abordagem mais insular. É do conhecimento geral que esta tendência isolacionista enfraquece as relações diplomáticas, reduz a influência internacional e torna os EUA menos eficazes na resposta aos desafios globais.  Vejamos: as políticas de imigração austeras e quase sempre racistas e as proibições de viagem dirigidas a nacionalidades específicas afetam negativamente as relações com vários países, tradicionalmente aliados dos EUA. Quando Washington implementa políticas de exclusão, dá a entender ao mundo que a nação das portas abertas, está a fechar-se, tornando mais difícil a formação de parcerias e a cooperação em questões internacionais. A proibição de viagens imposta pela administração Trump a vários países de maioria muçulmana no primeiro mandato criou tensões com nações que anteriormente tinham sido aliados e bons cooperantes dos EUA. Estas políticas reforçam as perceções negativas dos Estados Unidos como uma nação hostil ou então pouco acolhedora.

As políticas nativistas podem levar a um declínio do soft power – a capacidade de um país influenciar outros através do apelo cultural, da diplomacia e dos valores, em vez da coerção. Os EUA têm sido historicamente um farol de oportunidades e liberdade, atraindo estudantes, empresários e talentos globais. Se as políticas restritivas tornarem os EUA menos atrativos para os estudantes, profissionais e investidores internacionais, outros países – como o Canadá (que jamais será um estado americano) e a Austrália, entre outros – poderão beneficiar da saída de talentos. Isto enfraquece a influência da América e diminui o papel dos EUA na formação da ordem global.  Ronald Reagan, o pai do conservadorismo moderno, e o último presidente americano a dar amnistia a milhões de emigrantes clandestinos, relembrou-nos muitas vezes que: “Se alguma vez fecharmos a porta aos novos americanos, a nossa liderança no mundo perder-se-á em breve.”

O declínio da liderança dos EUA na cena mundial

Talvez a consequência mais grave das políticas nativistas seja o potencial das mesmas abdicarem dos Estados Unidos como líder global. Desde a Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos têm desempenhado um papel central na formação das instituições internacionais, na promoção de acordos comerciais e na defesa dos valores democráticos. As políticas nativistas ameaçam esta liderança ao promoverem o isolacionismo, o protecionismo económico e o desinteresse pelos desafios globais.

Uma das principais formas de os EUA exercerem a liderança global é através de coligações e alianças internacionais. A NATO, as Nações Unidas e os acordos comerciais como o NAFTA e a Parceria Trans-Pacífico têm contado com a importante e decisiva participação americana. Quando as políticas nativistas afastam os EUA desses acordos, como está a acontecer com as medidas caóticas do Presidente Trump, outras nações entram em cena para preencher esse vazio. A China, por exemplo, expandiu a sua influência global através de iniciativas económicas como a Iniciativa “Belt and Road”, enquanto a União Europeia assumiu um papel de maior liderança no comércio internacional e na política climática. Se os EUA se retirarem da cooperação global, como promete, e já o fez Donald Trump, arriscam-se a ceder influência a nações que podem não partilhar os seus valores democráticos.  Se bem que a democracia americana, particularmente a ponte basilar das separações dos poderes andam pelas ruas da amargura.   

Mais, a perceção da América como um líder inclusivo e com visão de futuro diminui quando as políticas nativistas estão em vigor, como estamos a testemunhar diariamente. Ao longo da história, os EUA têm sido um refúgio para indivíduos perseguidos, desde refugiados judeus durante a Segunda Guerra Mundial a dissidentes que fogem de regimes autoritários. Fechar as portas aos imigrantes e refugiados prejudica a autoridade moral da América e mina a sua capacidade de defender os direitos humanos e os princípios democráticos no estrangeiro.

Os perigos das políticas nativistas para os Estados Unidos são profundos e de longo alcance. Ao restringir a imigração, essas políticas asfixiam o crescimento económico, dificultam a inovação e criam escassez de mão de obra. Também aprofundam as divisões sociais, alimentando a xenofobia e enfraquecendo a unidade nacional. Na cena mundial, o nativismo isola os Estados Unidos, prejudica as relações internacionais e corrói o soft power. Acima de tudo, ameaça o papel de liderança dos Estados Unidos, reduzindo a sua capacidade de moldar os assuntos internacionais e de defender os valores democráticos—que só podemos defender em outras terras quando os respeitamos e defendemos em casa. O Presidente Jimmy Carter dizia-o, repetidamente: “A melhor forma de reforçar a liberdade nos outros países é demonstrar aqui que o nosso sistema democrático é digno de ser imitado.” 

A força dos Estados Unidos tem sido sempre a sua abertura – a sua vontade de abraçar a diversidade, acolher novos talento e envolver-se com o mundo. As políticas orientadas pelo medo e pela exclusão não protegem a nação americana, bem pelo contrário: enfraquecem-na. Se os Estados Unidos quiserem manter a sua posição de líder global, devem ultrapassar esta onda de divisionismo e snobismo, devem rejeitar o nativismo em favor de políticas que promovam a inclusão, a cooperação e o envolvimento com o mundo. 

O futuro da nação americana depende da sua capacidade de defender esses princípios, garantindo que continue a ser um farol de oportunidade e liderança no século XXI. Que volte a ser, o que o escritor F. Scott Fitzgerald descreveu como a sua verdadeira essência: “A América é uma vontade do coração.”

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.