OPINIÃO | O medo como ferramenta de poder: quando a política silencia a comunidade, por Dario Ambrósio

No concelho da Calheta, como em tantas outras terras dos Açores, quase todos se conhecem. Crescemos juntos, partilhamos histórias, cruzamo-nos todos os dias por aqui e por ali. É essa proximidade que faz a riqueza das comunidades pequenas, mas também é essa intimidade que torna o impacto da política do medo ainda mais profundo e difícil de combater.
Nos últimos tempos, tem-se tornado visível, embora poucos o digam em voz alta, o uso do medo como arma silenciosa. Medo de perder o emprego. Medo de ver a família prejudicada. Medo de integrar listas partidárias. Medo de ser malvisto, excluído ou ridicularizado. Muitas vezes, basta alguém ousar ter uma opinião diferente da corrente dominante ou simplesmente fazer perguntas incómodas para sentir esse peso.
No concelho da Calheta, como noutros locais insulares, há uma ideia persistente de que “não vale a pena falar” ou “é melhor ficar quieto para não arranjar problemas”. Esta resignação instala-se como nevoeiro: não se vê, mas sente-se. Silencia projetos, ideias e críticas que poderiam enriquecer a vida pública e o futuro do concelho. E assim se perpetua um ciclo onde poucos mandam, muitos se calam e o progresso verdadeiro, o que nasce do debate e da participação, fica adiado.
Gostaria de deixar bem claro que, para mim, a política, em si, é algo fantástico. É uma das mais nobres formas de servir o bem comum. Quando bem praticada, transforma vidas, resolve problemas, aproxima as pessoas daquilo que verdadeiramente importa. O problema não está na política, mas sim nas pessoas, em quem a usa para fins pessoais, como instrumento de pressão ou manipulação. Infelizmente, este não é um mal exclusivo só de um partido político, pois existe, em maior ou menor grau, um pouco por todo o lado.
E para perceber como este clima de medo se alimenta, partilho um episódio que vivi pessoalmente. Em 2021, fui abordado por um alto responsável do PSD Calheta, numa conversa que, apesar do aparente tom amigável, assumiu contornos de chantagem política. Tentou condicionar a minha decisão de me candidatar pelo PS à Câmara Municipal da Calheta nesse ano, deixando claro que a manutenção do cargo público que então ocupava nas Obras Públicas dependeria da minha obediência e do meu silêncio, apesar do próprio ter reconhecido que eu estava a realizar um bom trabalho nessa função. Chegou mesmo a ser sugerida, ainda que como hipótese, a possibilidade de eu vir a ser candidato pelo seu partido em 2025, mas apenas se aceitasse alinhar nesse jogo de bastidores.
Não aceitei. Porque acredito que a política deve ser feita com verdade, com convicções e, acima de tudo, com liberdade. A consequência foi clara: alguns meses depois fui exonerado do cargo que exercia.
O que me foi dito naquela altura é apenas um exemplo, infelizmente não isolado, de como se tenta manipular vontades e manobrar decisões. São práticas como estas que afetam a confiança dos cidadãos, desacreditam a política e afastam da participação cívica muitas pessoas com capacidade e competência.
Esta cultura do medo não se expressa só em palavras. Está nos silêncios cúmplices, nos favores trocados, nas oportunidades que surgem apenas para quem “alinha”. Está no uso das instituições para recompensar os obedientes e castigar os que pensam de forma livre. Quem ousa questionar o estado das coisas é rapidamente rotulado como “do contra”, “agitador” ou até “inimigo da terra”.
Mas será isso justo? Será esse o espírito que queremos para o concelho da Calheta, uma terra com história, cultura, potencial e, acima de tudo, gente com valor? O medo não pode continuar a ser o cimento da nossa política. Precisamos de líderes éticos, de cidadãos ativos e de uma comunidade que valorize o respeito pelas diferenças.
Se queremos um concelho com futuro, temos de abandonar a ideia de que é perigoso pensar diferente. Precisamos de espaços onde todos possam falar, sem receio e sem represálias. O concelho da Calheta não pode ser gerido como um clube fechado ou um sistema de recompensas pessoais. O concelho da Calheta é de todos, e só com todos se constrói. Está nas mãos da população, mesmo que pareça difícil, começar a quebrar este ciclo. O medo só vence quando o deixamos crescer no silêncio. Mas uma comunidade que escolhe falar, mesmo a medo, é uma comunidade que começa a ganhar voz. E é essa voz, plural e livre, que poderá restaurar a política como aquilo que ela deve ser: um serviço nobre ao bem comum.
Unidos, seremos sempre mais fortes, e só na união poderemos finalmente quebrar este ciclo.
Dário Ambrósio
Calheta, setembro de 2025






