Nas vésperas de se assinalar meio século de liberdade e democracia em Portugal, momento cimeiro da memória coletiva e identidade nacional entreaberto pela Revolução de 25 de Abril de 1974, o realizador José Vieira, reconhecido cineasta da emigração portuguesa, lançou o seu primeiro livro Souvenirs d’un Futur Radieux (“Memórias de um Futuro Radioso”).
Natural de Oliveira de Frades, uma vila da Beira Alta situada no distrito de Viseu, José Vieira partiu para França em 1965, com sete anos de idade. A sua experiência pessoal como emigrante e as muitas histórias compartilhadas com outros emigrantes em terras gaulesas, inspiraram assertivamente o percurso profissional do realizador que vive e trabalha entre Portugal e França.
Licenciado em Sociologia, José Vieira fez do documentário “uma forma de militância”, porquanto se apercebeu de que a maioria das pessoas “não conheciam a história da emigração portuguesa”, como afirmou em 2016 no decurso de uma entrevista à agência Lusa.
Desde a década de 1980, o cineasta lusodescendente realizou uma trintena de documentários, nomeadamente para a France 2, France 3, La Cinquième e Arte, onde tem abordado sobretudo a problemática da emigração portuguesa para França. Em particular a viagem “a salto”, ou seja, o trajeto clandestino para deixar Portugal rumo a França nos anos 60 e 70, e as condições de vida miseráveis de muitos compatriotas que nessa época habitaram nos “bidonvilles” (bairros de lata) em Paris.
No rol das suas películas dedicadas à emigração portuguesa destacam-se, por exemplo, “A fotografia rasgada” (2002), onde José Vieira retrata o código da fotografia rasgada do “passador”, que guardava metade da fotografia de quem emigrava e a outra levava-a o emigrante que, uma vez chegado ao destino, a remetia à família, em sinal de que chegara bem e que poderia ser concluído o pagamento pela sua “passagem”.
Os documentários “O país aonde nunca se regressa” (2005), “Le bateau en carton” (2010) e “A ilha dos ausentes” (2016), que de certo modo descrevem a sua própria experiência de emigrante, são igualmente parte integrante do valioso trabalho cinematográfico de José Vieira sobre os protagonistas anónimos da história portuguesa que lutaram além-fronteiras por uma vida melhor. Num dos seus trabalhos cinematográficos mais recentes, o filme “Nós Viemos” (2021), José Vieira traça ainda um retrato sobre os emigrantes do passado e do presente, com o intuito segundo o mesmo de “perceber o que há em comum entre estas pessoas”.
A estreia agora no campo das letras, com a chancela da editora francesa Chandeigne, prossegue a militância ativa no resgate da memória da epopeia da emigração portuguesa para França nos anos 60. Na esteira do documentário que realizou em 2015, “Souvenirs d’un futur radieux”, onde cruza as memórias dos emigrantes portugueses que viveram durante os anos 60 no bairro de lata de Massy, nos arredores de Paris, onde ele próprio viveu durante cinco anos na infância, com as vivências das vagas migratórias contemporâneas de África e do Médio Oriente, José Vieira fixa na sua estreia literária os sonhos, as humilhações, os medos e as injustiças dos portugueses que demandaram melhores condições de vida na pátria gaulesa.
Prosseguindo o esforço de dar voz ao silêncio dos da emigração “a salto” para França nos anos 60, que o cineasta escritor designa como “o maior êxodo e o mais brutal que Portugal alguma vez conheceu ao longo da sua história”, o ativismo cultural de José Vieira recorda-nos a máxima de Miguel de Cervantes, “a história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro”.