Descíamos à fajã pelo caminho velho, uma vereda de cortar a respiração, um miradouro sobre o precipício. As curvas tinham de ser feitas de uma só vez e um erro significava bloquear a estrada.
Tudo me corria bem, descendo o caminho em primeira, num Polo que tinha pertencido ao padre Tavares, até que encontrei o Carvalho, pachorrento como um jorgense, na sua motorizada cor de vinho. Foi um aperto porque o carrinho só travava quando lhe apetecia: ou passava a ferro o homem ou subia a barreira para não cair na ravina. Ficámos amigos, eu e o Carvalho, e passei a frequentar a sua adega, onde havia vinho de cheiro e aguardente, queimada nos vários alambiques da Fajã de São João que, já na altura, as autoridades se esforçavam por perseguir.
Nesses dias de verão, era um espanto passar a tarde no Porto da Panela, olhando o mar espelhado, o Pico em frente, os garajaus à bulha e o sol afundando-se sobre o Faial. Com sorte, havia atum seco para o jantar e uma salada de tomate. O Carvalho convidou-me para ir à pesca. Confesso que sou impaciente e que aquela coisa de ficar ali à espera que o peixe morda me dá cabo dos nervos. Mas lá fui no barquinho de cores garridas até meio canal.
Desligámos o motor e esperámos pelo peixe que não apareceu. Então o homem foi a um compartimento da proa, tirou um garrafão de cinco litros de vinho e umas linguiças. Dormitá-mos até que a buzina estridente do Cruzeiro das Ilhas e a sua onda rasgada a caminho da Terceira nos fez vir ao mundo.
Na altura, também tinha havido uma derrocada que bloqueara o caminho principal.
Mas havia um gerador, religiosamente ativado pelo Artur Areias, que servia para alimentar as arcas e ver a novela. Não houve grandes notícias, nem falatório. Estávamos nos anos noventa!
OPINIÃO/DIÁRIOINSULAR/RÁDIOILHÉU
