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OPINIÃO | Ligação Transatlântica: Reforçar a influência política e a identidade cultural, por Diniz Borges

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O Vale de São Joaquim, na Califórnia, recentemente visitado por uma delegação da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, FLAD, Nuno Morais Sarmento, acompanhado pelo diretor Miguel Vaz e a coordenadora Leonor Barroso é uma das regiões agrícolas mais produtivas do mundo, por vezes referida como o “cesto de alimentos do mundo”. Localizado no coração do estado da Califórnia, o solo fértil do vale e o clima suportam uma vasta gama de culturas, incluindo amêndoas, uvas, citrinos, tomates, algodão e produtos lácteos. É a principal região produtora de amêndoas e laticínios dos Estados Unidos, com exportações que dominam mercados internacionais.

Para além da agricultura, o Vale de São Joaquim tem diversas indústrias que impulsionam a sua economia. A produção de petróleo é um sector importante, sendo o condado de Kern, na parte sul do vale, uma das regiões produtoras de petróleo mais importantes do país. O Vale possui centros de logística e transporte que facilitam a circulação de mercadorias na Califórnia e em outros locais.  Os sectores aeroespacial e das energias renováveis, em especial a energia solar, têm vindo a expandir-se nos últimos anos. As artes e a cultura do vale refletem a diversidade da sua população, com uma forte influência das comunidades mexicana, asiática e portuguesa entre outras. A região tem uma tradição vibrante de música popular, festivais e murais que retratam a sua rica história agrícola e social.

Politicamente este Vale desempenha um papel crucial na Califórnia, servindo frequentemente como campo de batalha entre candidatos democratas e republicanos devido à sua mistura de centros urbanos e comunidades agrícolas rurais. Enquanto cidades como Fresno se inclinam para os democratas, muitas áreas rurais têm uma forte presença conservadora, particularmente em questões como os direitos da água e a política de imigração. O Vale alberga uma população luso-americana significativa, muitos dos quais estão envolvidos na agricultura e na produção de lacticínios. Esta comunidade tem uma influência política crescente, defendendo laços mais fortes entre a Califórnia e Portugal, particularmente com os Açores, onde muitas famílias luso-americanas da região têm as suas raízes. À medida que o vale continua a evoluir, as suas indústrias, artes e paisagem política permanecem profundamente ligadas à sua herança agrícola

A Coligação Luso-Americana da Califórnia (CPAC), na minha perspetiva e na dos membros da nossa direção, continua a ser uma organização vital que une os funcionários eleitos e os líderes cívicos luso-americanos em toda a Califórnia. A sua missão é fomentar a colaboração e promover os interesses das comunidades luso-americanas, assegurando que as suas vozes são ouvidas nos assuntos locais, estatais e nacionais. Ao reunir líderes com uma herança partilhada e objetivos comuns, o CPAC cria uma rede que fortalece a representação política, a advocacia social e o envolvimento cultural. À medida que a comunidade luso-americana cresce, o CPAC fornece uma plataforma essencial para abordar as suas preocupações únicas e promover a participação cívica.

Um dos principais objetivos do CPAC é encorajar os luso-americanos a servir as suas comunidades em funções políticas e cívicas. Apesar de ser uma comunidade bem estabelecida e com raízes profundas na Califórnia, os luso-americanos têm sido historicamente sub-representados no governo e na elaboração de políticas. O CPAC trabalha para mudar esta situação, motivando os indivíduos a candidatarem-se a cargos públicos, a participarem no governo local e a envolverem-se em organizações cívicas. Ao aumentar a representação, a comunidade ganha uma voz mais forte nas decisões que afectam a educação, os negócios, a agricultura e as políticas de imigração – questões fundamentais para muitas famílias luso-americanas neste Estado.

Para além da representação, o CPAC defende políticas que têm impacto direto na comunidade luso-americana. Isto inclui o reconhecimento da herança portuguesa nos assuntos do Estado, o apoio a iniciativas económicas que beneficiem as empresas detidas por portugueses e a garantia de que as tradições culturais são preservadas numa sociedade em evolução. A CPAC esforça-se por fazer a ponte entre a comunidade e os decisores políticos, abordando o ensino da língua, os serviços aos imigrantes, os programas de património e uma melhor compreensão das potenciais ligações comerciais, industriais e culturais entre Portugal e os EUA. Através de esforços de advocacia, a coligação com a comunidade, e o importante apoio da FLAD pode moldar políticas que salvaguardem e melhorem o bem-estar dos luso-americanos e estreitem as ligações transatlânticas.  Daí esta reflexão sobre a Califórnia Portuguese-American Coalition-Coligação Luso-Americana da Califórnia (CPAC), que apresentamos à delegação da FLAD presidida pelo Presidente Nuno Morais Sarmento, e que os Açores deveriam ter como uma das suas prioridades.   

Estabelecida há 9 anos, para que seja possível alcançar sucesso a longo prazo, a CPAC propõe um programa em cinco partes distintas para tornar a comunidade mais ativa e empenhada. Este programa inclui o aumento do recenseamento e da participação eleitoral, a orientação de jovens líderes, o reforço dos laços com Portugal e os Açores, o fomento da presença nos meios de comunicação social e a promoção do envolvimento cívico durante todo o ano. Embora as festas e as celebrações tradicionais continuem a ser parte integrante da identidade luso-americana, a CPAC exorta a comunidade a olhar para além das festividades culturais e a assumir um papel mais ativo na definição da paisagem política e social da Califórnia. Seguindo esta abordagem estruturada, os luso-americanos podem garantir que a sua influência se estenda para além das celebrações do património e assumamos papéis de liderança significativos.

Com o apoio da FLAD e o envolvimento da comunidade, a Coligação Luso-Americana da Califórnia pode desempenhar um papel crucial na união e capacitação da comunidade luso-americana na Califórnia. Através do seu compromisso com o envolvimento cívico, a advocacia política e o desenvolvimento da liderança, a CPAC trabalha para amplificar as vozes dos luso-americanos e garantir que eles tenham um lugar à mesa na governação estatal e local. Enquanto a  comunidade se vai metamorfoseando, o processo natural num estado e num país multicultural, a missão da CPAC continua a ser essencial: promover uma presença luso-americana dinâmica, empenhada e politicamente ativa que se estenda muito para além da festa e entre no coração da vida cívica da Califórnia.

Acredito que este é o momento de se voltar a realizar a nossa Academia de Liderança para Jovens Luso-Americanos e a necessidade de proceder a uma reflexão séria e aberta a nível estatal sobre a experiência luso-americana na Califórnia. Esta reflexão culminaria num plano estratégico para a nossa presença neste estado no século XXI, à semelhança do plano estadual para o ensino da Língua e Cultura Portuguesas, elaborado pela comunidade, com o apoio da FLAD, em 2016.

A diáspora luso-americana na Califórnia enfrenta vários desafios que têm dificultado a sua plena integração no mainstream político e cultural, mantendo uma identidade distinta. Um dos principais desafios é a falta de imigração recente, uma vez que a última grande vaga de imigração portuguesa, quase toda açoriana, terminou há cerca de 45 anos. Ao contrário de outros grupos que continuam a receber novos imigrantes, os quais “reabastecem as tradições linguísticas e culturais”, os luso-americanos têm de confiar nas comunidades existentes para manter o seu património. Esta realidade tem levado a algum desvanecimento gradual da identidade cultural entre as gerações mais jovens, uma vez que a assimilação na sociedade americana teve precedência sobre a manutenção, não tanto das tradições, mas dos valores da portugalidade. Sem um afluxo contínuo de novos imigrantes, torna-se mais difícil manter as instituições culturais, os meios de comunicação social do património português e as organizações que defendem os interesses da comunidade.

Outro grande obstáculo é o declínio da língua portuguesa, que tem levado a um reconhecimento limitado da cultura luso-americana. Como as novas gerações foram educadas a falar sobretudo inglês, há menos luso-americanos fluentes em português ou nos dialetos regionais dos seus antepassados. Esta perda de património linguístico torna mais difícil a ligação a Portugal e aos Açores, enfraquecendo os laços transatlânticos e diminuindo o sentido de continuidade cultural. Além disso, como o português não é muito falado na Califórnia, para além de algumas bolsas da comunidade e em momentos de festa, o ensino da mesma não recebe o mesmo apoio institucional que outras línguas. Consequentemente, o ensino da língua portuguesa é limitado e há menos oportunidades para os luso-americanos verem a sua cultura refletida nos principais meios de comunicação social e sistemas educativos.

Para além destes desafios, a presença política e a defesa da comunidade são historicamente limitadas. Apesar de sermos um dos grupos de imigrantes mais antigos da Califórnia, e de termos tidos vozes importantes, os luso-americanos não têm sido tão cativos politicamente como outras comunidades étnicas. Embora existam luso-americanos eleitos, estes nem sempre têm dado prioridade ao aumento de recursos para a comunidade, nem têm trabalhado agressivamente para criar espaços para os luso-americanos registarem as suas histórias e narrativas, resultado numa falta de representação na elaboração de políticas, num acesso mínimo a financiamento para iniciativas culturais e históricas, e numa comunidade que luta para fazer ouvir a sua voz em questões importantes. Sem uma forte defesa da nossa presença e identidade, a história, as contribuições e as necessidades dos luso-americanos correm o risco de serem ignoradas nas discussões mais alargadas sobre a identidade multicultural da Califórnia. Por exemplo, em pouco tempo, os alunos do ensino secundário têm de frequentar um curso de estudos étnicos a fim de concluírem o décimo-segundo ano. Temos de fazer um esforço renovado para que a experiência portuguesa na Califórnia seja incluída nesta disciplina.  Esta é uma das últimas oportunidades.

Estes desafios apresentam oportunidades de revitalização e envolvimento. A falta de nova imigração significa que os luso-americanos da Califórnia, quase todos açor-descendentes, devem trabalhar ativamente para preservar a sua cultura através da educação, da narração de histórias e de programas comunitários. Devem ser feitos esforços para reforçar o ensino da língua portuguesa nas escolas e universidades, expandir os eventos culturais para além das festas tradicionais e encorajar as gerações mais novas a reconectarem-se com a sua herança, para além do supérfluo, e particularmente através da história, da literatura, das artes. Mais, é tempo dos líderes comunitários concentrarem-se em assegurar recursos para projetos de preservação histórica, iniciativas de história oral e meios de comunicação que expandam o conhecimento do património cultural português e luso-americano, garantindo que às gerações mais novas acesso às suas raízes no mundo americano.

Politicamente, os luso-americanos podem transformar a sua limitada representação numa oportunidade para uma maior mobilização. Aumentando o recenseamento eleitoral, encorajando os jovens luso-americanos a assumir papéis de liderança e formando grupos de defesa e coligações com outras etnias, a comunidade pode reforçar a sua presença no panorama político da Califórnia. Os eleitos de ascendência portuguesa devem ser responsabilizados pelo apoio a iniciativas que beneficiem a comunidade, enquanto os movimentos de base devem trabalhar para trazer as narrativas luso-americanas para as discussões públicas. 

Através de uma abordagem mais empenhada e pró-ativa, nós, luso-americanos, açorianos e açor-descendentes, podemos ultrapassar os nossos desafios históricos e transformá-los em oportunidades de crescimento, visibilidade e transformação num dos estados mais importantes e mais multiculturais do mundo norte-americano. 

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.