OPINIÃO | Haja Saúde! Da nova Diáspora e das ligações com os Açores , por Diniz Borges
É nos Estados Unidos da América, como se sabe, que vive a maior diáspora açoriana. Se estamos muito distantes do tempo em que os primeiros açorianos desembarcavam em barcos baleeiros, e ficavam pelas “Califórnias perdidas de abundância” de que nos fala o ainda importante poema de Pedro da Silveira. Se foi no século passado, no século XX, que tivemos as duas maiores ondas emigratórias dos Açores para os Estados Unidos, a realidade é que a Diáspora continua, mesmo depois da separação geracional, muito ligada, ou querer uma outra ligação com os Açores. Podem não saber falar português, ou apenas conhecer alguns vocábulos, passados pelos antepassados. Podem nunca ter vindo às ilhas dos seus antecessores, a vasta maioria nunca cá veio, mas todos têm orgulho das suas raízes, abarcam na sua forma de estar no mundo americano o espírito açoriano—o Azorean Spirit, que é cada vez mais popular no mundo da nossa diáspora, e querem uma outra ligação com o arquipélago. Daí que uma conexão que inclua cuidados de saúde, o medical tourism que é cada vez mais popular nos Estados Unidos, faça todo o sentido, e seja, um passo importante para se levar os novos Açores à nova Diáspora, e vice-versa.
Porque a Diáspora açoriana nos Estados Unidos na América não é um mundo à parte, mas sim uma parte integrante do multiculturalismo americano, é bom relembrarmos alguns números e alguns detalhes que por vezes ficam na gaveta do esquecimento. Como já o referi em outros momentos e outros espaços dedicados ao debate e à realidade das nossas vivências além arquipélago, não devemos olhar à Diáspora como algo que está no estrangeiro, mas sim uma extensão que esta Região Autónoma sempre teve com as Américas, que tal como as ilhas também teve a sua evolução e a sua criatividade. Segundo dados fornecidos pela Professora Dulce Maria Scott, da Universidade Anderson no estado de Indiana, para um colóquio da California Portuguese-American Coalition, números extrapolados do Censo americano, dizem-nos que somos pouco mais de 1,3 milhões de portugueses nos Estados Unidos, que segundo as melhores estatísticas, mais de 60% naturais ou com raízes nos Açores. Os estados com maior concentração continuam a ser a Califórnia, com 333 mil; Massachusetts com 272 mil; Flórida com 89 mil, Rhode Island com 85 mil, e New Jersey com 78 mil. Daí que dos 5 estados norte-americanos com a maior população que se identifica de origem portuguesa, três, a Califórnia, Massachusetts e Rhode Island são três fortes bastiões da concentração açoriana. Aliás, na Califórnia com 90% da comunidade de origem portuguesa com raízes nos Açores, há pelo menos mais 60 mil açorianos e açor-descendentes do que no arquipélago.
Os açorianos e açor-descendentes que compõem a nova Diáspora não são os mesmos de há 50 anos. Seria trágico se o fossem. E começamos pelo próprio conceito de ser açoriano/português, de se sentir e identificar com o tal espírito açoriano, a tal portugalidade atlântica, que como ando a dizer ad nauseam, (até gosto mais do termo na minha Terceira, té já injôa…) só pode ser entendida com as gerações que apesar de estar distantes do tempo e na geografia ainda sentem e querem viver essa açorianidade, particularmente os novos Açores. É que estaríamos muito pobres se cingíssemos, como por vezes temos feito, o açoriano da América do Norte ao emigrante. Os números são claros do grave erro que isso seria, ou seja, do 1,3 milhões de portugueses nos Estados Unidos apenas 250 mil nasceram em Portugal, ou seja cerca de 82% dos que se identificam como sendo de origem portuguesa em terras do Tio Sam, nasceram neste próprio país, diria que muitos já de segunda e terceira gerações. A nossa Diáspora não só é maioritariamente nascida nos Estados Unidos e no Canadá, como no caso dos Estados Unidos está, na vasta maioria dos casos integrada, com níveis educacionais que rondam os números da sociedade americana; com vencimentos anuais, não só compatíveis, mas em alguns estados ultrapassam a média americana, integrando as profissões mais variadas, que vão muito além dos serviços e das fábricas do passado, e com um índice significativo de integração no multiculturalismo estadunidense, pertencendo a mais do que uma etnicidade, mas com uma forte ligação à identidade açoriana.
Por estas, e muitas outras razões, a Diáspora açoriana/portuguesa e diria mesmo lusófona nos Estados Unidos, é uma componente muito importante para um projeto inovador como o Hospital Internacional dos Açores. A saúde pública nos Estados Unidos, apesar de ser das mais sofisticadas, não está ao alcance de todos os seus cidadãos e daí que a procura de alternativas, particularmente para quem tem planos de seguros privados, ou quem tem segurança social americana, que é por vezes limitada, uma ida ao estrangeiro, o dito medical tourism é um fenómeno em crescimento, e a nossa diáspora uma fonte importante, quer pelos serviços que esta Nova Diáspora poderá utilizar, quer pela entrada que a mesma pode ser para o grande mundo americano, incluindo a publicidade que podem oferecer. Em 2019, portanto, antes da pandemia, cerca de um milhão e meio de americanos viajaram para destinos estrangeiros com a finalidade de terem serviços de saúde. Segundo um relatório governamental, publicado pelo jornal New York Times, a pandemia fez com que cerca de 5 milhões e meio de americanos perdessem o seu seguro de saúde e muitos desses procuram países estrangeiros para cuidados de saúde. A companhia Patients Beyond Borders é citada na mesma notícia do principal matutino nova-iorquino, afirmando que os americanos que optaram por viajar até ao estrangeiro, pouparam entre 40 e 80% dos custos do cuidado de saúde que pretendiam, sendo os principais países: o México, a Colômbia, a Costa Rica, a Turquia, a India, a República Dominicana, a Malásia, a Coreia do Sul e a Tailândia. Daí que pergunto: e porque não os Açores?
Chegar à Diáspora açoriana/portuguesa é importante, aos cerca de 250 mil que nasceram fora dos Estados Unidos, muitos dos quais poderão receber cuidados na língua que ainda falam e sentem mais à vontade, mas sobretudo os outros, o tal milhão e duzentos mil, esses que apesar de terem nascido nos Estados Unidos, ainda sentem o espírito açoriano e raramente procuram as ilhas unicamente para participarem na festa ou na romaria da freguesia. Pensa-se nos Açores para as mais variadas atividades, dos trilhos ao Whale Watching, e porque não nos cuidados de saúde. É sobretudo urgente que se leve essa mensagem junto da nossa Diáspora, como serviço, mais um serviço para a geração emigrante, e como serviço e oportunidade para as gerações mais distantes, aqueles cujos avós e bisavós deixaram um outro arquipélago, uma outras ilhas. Que hoje são diferentes, particularmente nas comodidades e nos serviços de uma região moderna, que sempre fez ponte entre a Europa e a América e ainda é a mesma, em acolhimento, solidariedade e generosidade. Ainda cultiva o espírito açoriano de saber e gostar de receber.
Existem, como se sabe, uma amálgama de associações e organismos americanos que se especializam em promover, ou em ligar, o cidadão americano aos serviços de saúde no estrangeiro. Esses organismos são importantes, mas também é imperativo que se chegue à diáspora, como porta de entrada no mundo americano, através do que é convencional e conhecido, como os festejos, as visitas de entidades públicas, reginais ou municipais; as instituições académicas; as associações desportivas; as organizações internacionais, desde os rotários aos lions clubs, onde temos muitos açor-americanos.
Longe vão os dias em que o saudoso Dr. Eugénio, da Praia da Vitória na Ilha Terceira, me deixou sentado na cadeira depois de me dar anestesia (estava lá como criança para arrancar um dente que teimava em não sair) e foi ver as suas obras numa casa que tinha no Porto Martins. Longe vão os dias em que os açorianos na América não tinham opções nos seus cuidados de saúde. Os novos Açores e a nova Diáspora precisam de conhecer-se, para além do dia de festa. Este novo projeto, o Hospital Internacional dos Açores, tem todas as possibilidades de ser um novo reforço nas relações entre a Região e a Diáspora. Há que haver imaginação e partirmos para uma nova jornada que integre outros paradigmas e o campo da saúde é demasiado importante para ser descuidado. Um projeto desta natureza não pode ficar aqui no meio do Atlântico desconhecido pela nossa Diáspora, que certamente é a melhor porta de entrada para o mundo americano.
(parte de uma comunicação apresentada no painel “A Diáspora e a prestação de Cuidados de saúde” No International Summit do Hospital Internacional dos Açores, na Lagoa, a 22 de outubro de 2022)
DB/FS/RÁDIOILHÉU