O Poder da Combinatória Artística de Maria Fernanda Simões
Se cada artista “molha o pincel na sua alma e pinta a sua própria natureza” como disse algures o clérigo e defensor da abolição da escravatura, Henry Ward Beecher, temos nas pinturas de Maria Fernanda Simões um exemplo claro e inequívoco de quem pinta com o coração nas mãos. De quem através da arte, quer na pintura, quer nas suas crónicas, quer na sua poesia, assim como no seu serviço à comunidade, expressa uma profunda saudade pela sua terra de origem, a qual é coabitada, em perfeita harmonia com as suas vivências norte-americanas.
Maria Fernanda Simões, nasceu no lugar das Terras, na mística ilha do Pico, arquipélago dos Açores. Ilha que a marcou para sempre e que está expressa das mais variadas formas nas suas pinturas e na sua escrita. Não fosse a ilha do Pico berço de tantos homens e mulheres da escrita e das artes. Aí, desenvolveu o gosto pela leitura, algo que tem continuado ao longo da sua vida. Como tantos outros residentes dos Açores da sua geração, apesar de ser aluna exemplar, não pôde, por razões económicas dum sistema político apodrecido e arcaico, frequentar um curso secundário ou universitário, como o desejava. Com esforço, conseguiu formar-se como professora regente e durante quatro anos leccionou nas ilhas das Flores e do Pico. Emigrou para os Estados Unidos no ano de 1971. Aqui, na terra das oportunidades, pôde continuar os seus estudos. Completou os cursos do ensino secundário e de artes liberais no College of the Sequoias, ingressando nos quadros duma escola do ensino público americano da qual se aposentou há alguns anos.
Dotada de um grande espírito de serviço à comunidade, Maria Fernanda Simões, dirigiu, durante 23 anos um programa de rádio em língua portuguesa. E não foi um programa de rádio qualquer. As emissões do programa “Saudades da Pátria” estavam repletas de momentos culturais, quer através da leitura de poemas, de pequenas crónicas escritas pela directora, da apresentação regular dos adágios populares e da celebração de momentos importantes na história de Portugal. Essa mesma dedicação às nossas comunidades da Califórnia levou-a a devotar vários anos à sociedade fraternal SPRSI (Sociedade Portuguesa da Rainha Santa Isabel), sendo presidente em 1994-95.
Ao longo da sua vida Maria Fernanda Simões tem aplicado longas horas às artes. É autora de vários livros. O primeiro intitula-se Os Meses das Nossas Raízes. Nesta publicação, através de crónicas e poemas, a autora retrata as tradições e os costumes da sua terra natal, do seu querido lugar das Terras na ilha do Pico. Como escreveu o editor e poeta José Brites, no prefácio: “ao longo de doze meses – que são como que capítulos de pequena extensão, vamos passando muitos de nós em revista o nosso próprio mundo de ontem, no qual encontramos o positivo no meio de tanta negatividade e adversidades dos dias passados nas nossas terras. Terras afinal de quase todos nós, que para cá emigrámos, há algumas décadas e não nos coibimos de olhar o espelho do passado.” É um livro de relatos curtos e concisos sobre cada mês do ano, salpicado com poesia rimada e poesia livre. É um livro cheio de emoções de quem verdadeiramente ama a sua aldeia natal. É um livro em que se revive o passado dum tempo e dum lugar.
Maria Fernanda Simões, publica um segundo livro, ao qual dá o título de As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras. Mais uma vez a autora vai ao baú das suas recordações e relata, em crónica e em poesia, uma amálgama de histórias de mulheres que arduamente trabalhavam na lavagem das roupas. Tal como nos diz na nota explicativa “quantas canseiras, quanto caminho percorrido naquelas veredas, quantas canadas subidas e descidas, quanta lida para que a roupa ficasse branca como neve, fresca e a cheirar a sabão azul ou da terra (de fabrico caseiro).” É um retrato dum tempo em que a dureza da vida era polvilhada por pequenos, mas extremamente memoráveis momentos de alegria e de verdadeira convivência comunitária. Saudades dos Tempos que já Lá Vão é uma visita a um tempo não tão longínquo, na história das nossas ilhas, mas que já está esquecido em ambos os lados do atlântico.
As incursões de Maria Fernanda Simões nas artes passam, sobretudo, pelo desenho e pela pintura. É nesse género artístico que tem dedicado a maioria dos seus tempos livres. Tem pintado com a alma, porque como escreveu Vincent van Gogh: “cada pintura tenha a sua própria vida que vem da alma do pintor.” Os seus temas preferidos são a sua terra e as suas gentes. A vasta maioria dos seus quadros refere a vida no Pico, e nos Açores, em tempos passados. Mas também pinta com clareza e audácia as vivências luso-americanas. Tem exposto em várias festas e acontecimentos culturais da nossa comunidade, como nos antigos simpósios literários Filamentos da Herança Atlântica em Tulare emais recentemente nas festividades do dia 10 de Junho na cidade de São José. Assim como em muitas feiras dentro do mundo americano, particularmente no Vale de são Joaquim.
Se “pintar é apenas uma outra forma de escrever um diário” como disse algures Pablo Picasso, então Maria Fernanda Simões, através das suas pinturas, tem registado um diário em que o passado está omnipresente, não como um peso que nos carrega e nos deprime, mas como um legado histórico e cultural que nos enobrece como homens e mulheres que um dia tivemos de deixar a nossa terra em busca de outra vida. Através das artes plásticas, Maria Fernanda Simões liga o passado ao presente e relembra-nos quem fomos (que é como dizer quem somos) e de onde viemos. Uma açoriana no Pico, que na Califórnia tem contribuído imenso para as artes na diáspora.