OPINIÃO

OPINIÃO | Do Torreão da Fajã: A eleição que não escolhe e o país que não decide, de Bruno Pacheco

Artigo de Opinião de Bruno Pacheco
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Há muito que o país evita decidir o que quer fazer com o seu território e foge da questão da regionalização “como o diabo foge da cruz”.

Tudo parece sempre mau demais, arriscado demais, inconveniente demais. O debate em torno das CCDR, as tais comissões das “regiões-plano”, é apenas mais um episódio dessa hesitação prolongada, em que se muda a forma para não tocar no essencial.

Desde que os governos do PS, liderados por António Costa, decidiram “regionalizar” as CCDR, mas nem tanto, acumulam-se incongruências políticas travestidas de reforma. Confesso, aliás, que continuo a não perceber as hesitações do meu PS quanto à regionalização do retângulo. Um partido que se afirma e se quer reformista não pode ter medo de enfrentar as sombras de um mau referendo no final da década de 90. Está na hora de encarar o tema de frente.


Nos últimos tempos, temos vindo a assistir a uma reforma das CCDR’s. Meio na sombra e com distribuição de louros pelas partes. Ora “toma lá uma presidência. Ora dá cá uma vice-presidência”. Andamos nisto. O modelo de escolha das lideranças das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, instituído em anteriores legislaturas, passou agora a contemplar também a eleição de alguns vice-presidentes. Um modelo quase esquizofrénico que, além de proliferar vices à boa moda de uma visão jacobina da administração, consegue executar uma notável pirueta política: um presidente eleito por uma câmara corporativa, acompanhado por alguns vices igualmente eleitos; e outros vice-presidentes nomeados por ministros temáticos, a quem reportam diretamente, passando por cima do presidente supostamente eleito. Percebem? Pois. Provavelmente não.


Depois, “meio mundo dos partidos” fica admirado com a escalada dos populismos, os da extrema-direita e outros travestidos de movimentos “liderados por beatos e beatas disfarçados/as”, que avançam a todo o gás. Pudera… poucas coisas alimentam mais a desconfiança democrática do que processos que simulam participação enquanto esvaziam a decisão.

Do ponto de vista institucional, o modelo é profundamente desconfortável e irracional. As tais comissões continuam a ser estruturas do Estado central, sem autonomia própria, mas passaram a ser capturadas por uma lógica de partilha do território entre aparelhos partidários. Não são órgãos regionais eleitos pelos cidadãos, nem entidades técnicas independentes. Habitam um espaço cinzento, onde o poder existe sem responsabilidade política clara, e isso é um péssimo serviço prestado ao regime democrático.
Este meio-termo revela um país que não quer assumir a regionalização, mas que já não consegue sustentar a centralização como virtude. Um país que receia criar regiões com legitimidade própria, mas aceita, sem grande resistência, a partilha informal do poder regional e sub-regional.


O mais curioso é que tudo isto é feito em nome da descentralização. Mas descentralizar não é apenas deslocar o centro da decisão alguns metros abaixo na hierarquia do Estado. Descentralizar é atribuir poder com legitimidade direta, rosto e responsabilidade perante os cidadãos. Nada disso acontece aqui.
O que acontece é outra coisa: uma administração regionalizada que ganha aparência eleitoral, mas perde clareza institucional; um sistema que reforça a influência dos partidos sem reforçar o escrutínio democrático; uma solução que se pretende prudente, mas acaba por ser opaca.

Não tenhamos dúvidas de que é mais honesto, intelectualmente e politicamente, seguir um de dois caminhos claros. Ou assumir uma regionalização política, com regiões eleitas diretamente, competências definidas e responsabilidade democrática: um caminho exigente, mas coerente. Ou, em alternativa, reconhecer que as CCDR são instrumentos da administração central e tratá-las como tais, com nomeações transparentes, critérios técnicos e controlo público efetivo.

O que parece cada vez menos sustentável é este simulacro de decisão. Chamar “eleição” a um processo em que a escolha já foi feita; chamar “descentralização” a um modelo que apenas redistribui influência no mesmo círculo; chamar “reforma” a um arranjo que evita enfrentar a questão de fundo.


Do Torreão da Fajã, olhando o território do “retângulo” com a distância suficiente que o Atlântico permite, a impressão é simples: o país continua a gerir o território como quem adia uma conversa difícil. E, enquanto não decidir o que quer ser, centralizado ou regionalizado, continuará a inventar soluções intermédias que resolvem pouco, confundem muito e, pelo caminho, alimentam os Venturas da vida.

Nota final de apreço à postura do atual Presidente da CCDR Norte, o António Cunha, que, enfrentando os arranjinhos, vai a votos contra o candidato do bloco central. Em frente, António.

Artigo de Opinião de Bruno Pacheco

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.