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OPINIÃO | Como morrer?

OPINIÃO | Alexandra Manes Dirigente do BE
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O avanço na ciência, ao longo dos séculos, permitiu o progresso da medicina e, consequentemente, o aumento da esperança média de vida. Atualmente é praticamente impensável, no nosso país, morrer-se devido a uma gastroenterite, por exemplo. Mas, ainda, no século XX, morriam crianças vítimas desta irritação e inflamação do tubo digestivo.

No entanto, o maior fracasso da ciência e da medicina mantém-se: a morte. Até agora, pelo menos que se tenha tornado público, não se conhece o fim para a morte. Tal como não se conhecem métodos de cura para patologias degenerativas. Embora já existam tratamentos para a remissão de células cancerígenas, na verdade a taxa de mortalidade é muito elevada. 

Provavelmente, todas e todos nós já tivemos conhecimento e, até mesmo contato, com alguma vítima desta doença. Por isso, sabemos o sofrimento que um cancro em fase terminal pode causar. Seja pela dor física, seja pela perda total de autonomia e de dignidade que a doença lhe imputa, acrescentando-lhe a dor psicológica, infelizmente tão subestimada.

Não haverá tema que tenha sido tão debatido e escrutinado, em todo o território nacional, como o da despenalização da morte medicamente assistida. Foram anos de debates, esclarecimentos, de avanços e recuos, numa lei que o Parlamento nacional aprovou três vezes.

Face ao requerimento de Marcelo Rebelo de Sousa, o Tribunal Constitucional entendeu, por larga maioria, que a despenalização de morte assistida não é inconstitucional, exigindo-se, isso sim, que a lei manifestasse um equilíbrio entre o respeito pelo direito à vida e o respeito pela autodeterminação pessoal, não ferindo o essencial de qualquer desses dois valores protegidos na Constituição.

Na alteração da lei, em novembro de 2021, a Assembleia da República satisfez absolutamente a exigência do Tribunal Constitucional. Marcelo Rebelo de Sousa, no seu segundo veto à lei, não argumentou com problemas de constitucionalidade.

Temos assistido a manifestações de desagrado perante a aprovação da Assembleia da República, em votação final global, pela terceira vez nos últimos dois anos, da lei que despenaliza a morte medicamente assistida. O diploma, que havia já sido aprovado em sede de Comissão, segue para Belém, com a novidade de já não incluir a expressão “doença fatal”, com a previsão de um período mínimo de dois meses entre o pedido de eutanásia e a sua concretização e a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico.

Importa entender que este processo acontece “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde” e que pode ser requerido somente em duas situações distintas: em caso de lesão definitiva de gravidade extrema; ou em caso de doença grave e incurável.

Nada neste diploma implica o investimento urgente nos cuidados continuados e nos cuidados paliativos. Aliás, são complementares. Para além de aquelas pessoas que não optem pela eutanásia, e que têm o direito a ter a dignidade que escolham, a opção pessoal de eutanásia é reversível, podendo a pessoa desistir da mesma.

Importa, mais uma vez, entender que se trata de uma escolha, uma opção individual, que em nada obriga a outra pessoa a fazê-lo. Trata-se de respeito pela autonomia e liberdade de cada um/a de nós, quando estamos perto do fim. Uma escolha pessoal, em vida, sobre a nossa morte.

“Não tenho medo da morte, mas sim das dores.”, “Quem me dera a mim morrer durante a noite sem sofrer.”, são frases habituais proferidas por pessoas idosas, bem como por quem padece de alguma doença que lhe inflige sofrimento físico. São estas as pessoas que mais se manifestam favoravelmente acerca da eutanásia, mesmo sem referir a designação correta. São essas pessoas que pedem uma morte serena.

A morte faz parte da vida. A dor e o sofrimento atroz devem ser opção individual de cada um, pois a dignidade não pode depender das advertências da fé ou da inexistência da mesma.

A decisão consciente de cada pessoa no final da sua vida é que tem de persistir. Não banalizemos a dor e o sofrimento. A liberdade de viver deve incluir a liberdade a poder por fim à vida com dignidade.

Bom ano novo!

Alexandra Manes, Dirigente do BE/Açores

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.