OPINIÃO | Comendador Manuel Eduardo Vieira: a emigração como força civilizadora, por Daniel Bastos
O verão em Portugal é sinónimo de regresso a casa para milhares de emigrantes, que vindos de vários pontos do mundo, retornam à terra-mãe para gozar um merecido período de férias, e simultaneamente matar saudades da família e dos amigos.
As aldeias de Portugal continental e insular enchem-se por esta altura de vida, de dinâmica no comércio, de ânimo nas festividades, de abraços reconfortantes e de casas que se abrem, quando ao longo de quase todo o ano se encontram fechadas, a aguardar a visita de muitos dos seus donos que demandam no estrangeiro melhores condições de vida. Um cenário de bem-estar que nesta época estival olvida momentaneamente o acentuado despovoamento e envelhecimento dos territórios de baixa densidade.
De facto, muitos dos emigrantes, os mais genuínos embaixadores de Portugal nos quatro cantos do mundo, mantém um profundo apego aos seus torrões de origem, e nos verões, mas também ao longo de todos os anos, têm dado um contributo fundamental para a subsistência da cultura, da economia e das dinâmicas sociais das suas povoações.
Um desses exemplos paradigmáticos encontra-se plasmado na figura empreendedora e filantropa do comendador Manuel Eduardo Vieira. Natural da Silveira, povoado da ilha do Pico, arquipélago dos Açores, Manuel Eduardo Vieira antes de se fixar na América, emigrou em 1962, no início do deflagrar da Guerra do Ultramar, para o Rio de Janeiro. A estadia no Brasil, que durou cerca de uma década, serviu de trampolim para um percurso de self-made man que encetou no começo dos anos 70 no estado norte-americano da Califórnia.
Com uma trajetória de notável mérito e trabalho hercúleo, tornou-se, a partir do Vale de São Joaquim, através da sua empresa A.V. Thomas Produce no maior produtor de batata-doce biológica do mundo. Contexto que, levou inclusive, na década de 90 a cadeia de supermercados Safeway a oferecer a Manuel Eduardo Vieira uma placa de matrícula personalizada com as palavras King Yam “Rei da Batata-Doce”.
O emigrante picoense tem mantido um constate apego ao seu torrão natal através de um extraordinário sentimento filantropo. Na sua terra natal, onde tem passados nos últimos anos cada vez mais tempo, entre outros exemplos notáveis de empreendedorismo e filantropia, alavancou a construção do supermercado LajesShopping, hoje Âncora, com o lema “por amor ao Pico”. Assim como, generosos apoios à Igreja Paroquial de São Bartolomeu da Silveira; Igreja Paroquial de São João; Sociedade Filarmónica Liberdade Lajense; Sociedade Filarmónica União e Progresso Madalense; Sociedade Filarmónica União Artista de São Roque; Sociedade Recreio União Prainhense; Clube Boa Vista de São Mateus; Grupo de Chamarritas e Bailes de Roda da Casa do Povo das Ribeiras.
A dimensão benemérita do comendador Manuel Eduardo Vieira na sua terra-mãe encontra-se ainda singularmente patente no Centro Social da Silveira, onde foi o principal benemérito da obra, inaugurada em 2003, do Salão do Centro Social, Cultural e Recreativo. Uma estrutura polivalente, com capacidade para 700 pessoas e parque de estacionamento, que ao longo das últimas décadas tem desempenhado uma missão fundamental na promoção da música de instrumentos de corda, no apoio aos seniores, à juventude e às irmandades estabelecidas no território arquipelágico.
Por isso, não é de admirar que em 2017 tenha sido inaugurada pela Câmara Municipal das Lajes do Pico, uma estátua do comendador Manuel Eduardo Vieira, concebida pelo artista natural do Pico, Rui Goulart, e colocada na praceta do Centro Social da Silveira. No decurso da cerimónia de inauguração, encorpada pelas forças vivas da comunidade, do poder local e regional, todos foram unânimes em reconhecer a distinta generosidade que o ilustre filho da terra tem distribuído pelas instituições da ilha do Pico, extensíveis a várias coletividades da comunidade luso-americana.
Uma das figuras mais gradas da imensa comunidade portuguesa na Califórnia, latitude da diáspora onde se encontra radicado há meio século, o percurso de vida e a devoção do comendador Manuel Eduardo Vieira à sua terra-mãe, concorre para que o entendimento oitocentista de Eça de Queirós, “a emigração como força civilizadora”, se mantenha atual no âmago das comunidades portuguesas.