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OPINIÃO | Caminhos do Nosso Destino: A Diáspora em tempos de mudança, por Diniz Borges

Diniz (Dennis) Borges Portuguese Beyond Borders Institute-Director
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Há anos que ando como Santo António a pregar para os peixes, se bem que ele sabia fazê-lo muito melhor do que eu.  Na realidade ando preocupado, talvez demasiadamente preocupado, com a nossa diáspora na Califórnia e um pouco por todo o continente norte-americano.  Daí que passo horas, muitas horas, lendo e refletindo a comunidade, olhando para outras comunidades europeias e o seu percurso em terras do dito Novo Mundo.  E tento, de uma forma talvez pouco ortodoxa, trazer à luz do dia, (o que afinal não anda muito escondido, nós é que optamos por não ligarmos ao que é óbvio) alguns dos nossos dilemas.  Infelizmente por vezes deixamos de acreditar no que entra quotidianamente nas nossas vidas de emigrantes e açor-descendentes, na realidade de uma diáspora mais integrada e menos ligada à freguesia física que ainda teimamos em perpetuar.  Contraventos e contratempos, ainda acredito que a Diáspora precisa de espaços de reflexão e de uma série de medidas estratégicas para que o que outrora foi construído não fique reduzido a um arraial e a um copo.  Auscultar, refletir e agir, três verbos importantes para a Diáspora que não pode parar no tempo, nem pode ser vista como mera oportunidade de brilho para os menos escrupulosos que a utilizam para um momento de efémera glória.       

Daí que mais uma vez, a Luso-America Education Foundation (LAEF), organização fundada há quase 60 anos, no estado da Califórnia, para preservar e fortalecer a língua e cultura portuguesas neste colossal estado da união americana, com a colaboração do Instituto Português Além Fronteiras (PBBI) da universidade estadual da Califórnia em Fresno, onde está o Azorean Diaspora Project e a Bruma Publications, entre outros projetos, desde a coleção das histórias orais da comunidade até palestras e conferências, realizou o quadragésimo-sexto congresso sobre educação e cultura, com mais de duas dúzias de apresentações e painéis, 36 horas de reflexão e discussão, onde participaram mais de 60 pessoas da comunidade, desde San Francisco a San Diego.  Todas as gerações foram ouvidas e em breve sairá um documento contendo algumas das sugestões e ideias para enfrentarmos o futuro que já anda por aí.  Com o tema: Navegando o Futuro-a Diáspora de Origem Portuguesa na Califórnia, este foi mais um exercício na longa caminhada que faremos, com ou sem planeamento, com ou sem a compreensão de alguns líderes comunitários, com ou sem o entendimento de Portugal e das Regiões Autónomas.  A caminhada é certa, o que não é certo é se teremos ou não a coragem para a orientarmos para a realidade do mundo onde estamos inseridos. 

Porque o congresso só agora terminou, e porque o ano passado o mesmo fórum, também organizado pelo Instituto PBBI da universidade estadual da Califórnia em Fresno, teve a mesma tonalidade, mas mais virada para a Diáspora em todo o território norte-americano e não unicamente na Califórnia, será justo e necessário revisitar-se algumas das conclusões e apelos feitos então, até porque, um ano mais tarde alguns dos debates circularam em torno destes temas, e, particularmente alguns elementos das novas gerações, aqueles que têm algum distanciamento e olham para a sua identidade como uma mistura de vários mundos, também se mostraram preocupados.  Está à vista que a sustentabilidade de muitos eventos e organizações está em perigo.  

  1.  Instituir um renovado e contínuo esforço em ambos os lados do atlântico para se aproximar as novas realidades portuguesas com as novas vivências luso-americanas e luso-canadianas, destacando de uma forma específica as novas comunidades de açor-descendentes, espalhadas pela vastidão do continente norte-americano e no arquipélago do Havai, interligando-as com a universalidade das culturas do mundo lusófono.
  2. Criar plataformas digitais com conteúdos que sejam dedicados às novas comunidades, as quais apesar de serem totalmente americanas desejam conhecer a realidade do país e das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.  Conteúdos principalmente na língua inglesa, com pequenos excertos de história, literatura, geografia, política, poesia, música, gastronomia e desportos.   
  3. Gerar mais oportunidades para jovens de segundas, terceiras e sucessivas gerações terem a oportunidade de visitarem a terra dos seus antepassados, construindo um fundo de apoio com o movimento associativo, fundações culturais, entidades privadas, empresários, filantropos luso-descendentes e entidades públicas e privadas em Portugal e nas Regiões Autónomas, com a finalidade de se instituir um programa “birthright”, como é utilizado em Israel e outros países.  
  4. Produzir, através das novas tecnologias, conteúdos em formatos curtos e atrativos para as novas gerações, com mais oportunidades de se interligarem e de conseguirem ter mais contacto com segmentos contemporâneos sobre a língua portuguesa e as culturas de expressão portuguesa no mundo americano e canadiano, assim como uma maior ligação com o mundo lusófono. 
  5. Conceber mais oportunidades para o estudo e a reflexão da multiplicidade de identidades que congregam as novas gerações de luso-descendentes nos EUA e Canadá, com oportunidades através das novas plataformas para contínuos espaços de debate e reflexão.
  6. Renovar os movimentos das cidades irmãs, para que haja uma maior ligação entre todos os residentes dos respetivos conselhos açorianos (e de outras regiões do país) e as cidades americanas, facultando novas aproximações, nomeadamente comerciais, turísticas, sociais, culturais e educativas, tenho um papel predominante no intercâmbio de alunos a nível do ensino secundário.    
  7. Sugerir aos governos das Regiões Autónomas e ao Governo Central em Portugal a criação de novos métodos de apoio ao nosso movimento associativo, baseados em projetos concretos, que englobam as realidades das novas gerações, ligando o novo Portugal à nova Diáspora e considerando o poder económico de cada associação.
  8. Estabelecer-se grupos de pais e cidadãos interessados na implementação de mais cursos de língua e cultura portuguesas nas escolas do ensino público nos EUA e Canadá.  O número de alunos a aprenderem português continua a ser pacato e essa realidade só mudará com o interesse da comunidade.  É ainda imperativo que se estabeleçam novos padrões com as unidades de ensino, a todos os níveis, para uma maior presença do mundo lusófono e uma profícua e profunda ligação com a história da nossa Diáspora nas várias regiões da América do Norte.  
  9. Instituir-se sistemas de aprendizagem da língua e cultura portuguesas através das novas plataformas, com formatos inovadores em espaços que são utilizados pelas novas gerações, utilizando-se materiais autênticos adaptados à realidade de uma Diáspora, cada vez mais dispersa e integrada.   
  10. Implementar-se com os centros e institutos universitários ligados à Diáspora e à língua portuguesa, unidades de formação de professores no enquadramento do ensino americano e canadiano, com as metodologias utilizadas nos dois países, e que esta implementação tenha mais apoio das entidades competentes em Portugal.  A formação dos professores de língua e cultura portuguesas tem de ser orquestrada com os especialistas na matéria nestes dois respetivos países, EUA e Canadá e o governo central tem responsabilidade financeira nesta matéria.   É tempo de se utilizar as comunidades, organizações e especialistas, para serem os representantes de Portugal no que concerne ao ensino da língua portuguesa na Diáspora norte-americana.  
  11. Começar um novo diálogo com o poder político em Portugal, incluindo nas Regiões Autónomas, que seja direcionado para as vivências, as experiências da Diáspora e não o momento atual de interesses político-partidários para os mesmos poderes em Portugal.  Que seja instituído um Ministério da Diáspora em Portugal e que as Regiões, particularmente os Açores, que têm pelo menos três vezes mais população nos EUA e Canadá, de origem açoriana, do que no arquipélago transformem a Direção Regional numa Secretaria Regional da Diáspora. É imperativo que a Diáspora seja parte do quotidiano português, incluída nos currículos escolares, nos fóruns públicos, nas organizações sociais e culturais.  É urgente que se criem espaços para que o imaginário português, a todos os níveis, inclua a sua diáspora, quotidianamente e não apenas em dia de Festa.    
  12. Alimentar no nosso movimento associativo da diáspora no continente norte-americano uma outra abertura para com o mundo do “mainstream” americano e canadiano, a fim de ser uma força no cerne das sociedades onde vivemos, criando-se pontes com as novas comunidades que despontam em cidades, regiões, estados e províncias onde não tínhamos, até há pouco tempo, presença portuguesa, açoriana e madeirense.
  13. Sustentar um diálogo constante sobre a manutenção do nosso legado cultural, no qual a tradição não asfixie a inovação. 
  14. Promover a criatividade literária dos luso-descendentes nos Estados Unidos e Canadá através de projetos como o Colóquio Cagarro e o Olhos nos Livros do Portuguese Beyond Borders Institute (PBBI) na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, projetos que Portugal e as Regiões Autónomas precisam conhecer e apoiar. É urgente que se publique mais autores da Diáspora em Portugal, quer em tradução, quer em inglês, a língua em que produzem.    
  15. Encarar as realidades, os desafios e as oportunidades da diáspora do século XXI, que está mais dispersa, mais integrada, mais influente nas suas respetivas profissões e no mundo que a rodeia, com projetos que sejam inovadores e pragmáticos, que tenham repercussões a curto e médio prazo.  
  16. Utilizar a massa critica da nossa diáspora portuguesa nos EUA e Canadá, dispersa por novas latitudes, para se criar projetos regionais e nacionais onde se reflita e atue com novos paradigmas para perpetuar o legado português (açoriano e madeirense) em terras americanas e canadianas, com Portugal a apoiar e não a impor.  É essencial que Portugal se comprometa com a diáspora do século XXI em terras norte-americanas sem as habituais intromissões.  É tempo de se auscultar a Diáspora.   
  17. Forjar novas configurações na comunicação social em Portugal para que existam espaços que permitam um maior conhecimento dos valores, das vivências, dos triunfos e dos desafios da diáspora portuguesa no continente norte-americano. 
  18. Encetar interlocuções contínuas entre as forças vivas da diáspora para a possível criação de uma série de estratégias comuns que nos conduzam ao longo da primeira metade do século XXI.   

Há um ano falou-se de tudo isto, criou-se este documento, com sugestões concretas e imperativas para a nossa Diáspora.  Ninguém deu um passo!  Melhor, dois ou três utópicos deram alguns passos só para serem censurados.  Há poucos dias um amigo meu, dizia-me, que na realidade ninguém quer trabalhar a série sobre estes dilemas e que Portugal até se aproveita dos mesmos e da nossa fragilidade para tapar-nos o sol com a peneira.  Talvez tenha razão.  E terminou no seu terceirense de gema: tá tudo a finar-se, às pinguinhas.  

DB/FRESNO/RÁDIOILHÉU

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.