DIÁSPORA

OPINIÃO | Até ao Outro Oceano. Os Açores (se quiserem) têm parceiro na Costa Oeste dos EUA, por Diniz Borges

1.1kviews

Não desperdicem esta oportunidade, disse, talvez abruptamente e com pouca diplomacia, a um diplomata português num evento realizado no passado, não muito longínquo, aqui na Universidade do Estado da Califórnia em Fresno, onde trabalho e onde existe, neste momento, uma onda de sinergias que poderiam e deveriam ser aproveitadas desde o atlântico ao pacífico, particularmente para os Açores.   Uma oportunidade única para a nossa Diáspora na Califórnia, se quisermos absorver todas as nuances e todos os ensejos ao nosso alcance, para Portugal, mas de uma forma muito particular para os Açores. É que há um movimento único que, com algum esforço e muito trabalho, poderíamos criar uma série de pontes, extremamente interessantes, em todas as áreas do conhecimento, e auferir o que se deseja nas relações Açores-Diáspora, para bem de ambas as geografias, as físicas e as da afetividade e do progresso.  

Primeiro umas breves notas sobre a Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, popularmente conhecida em todo o país, e internacionalmente como, Fresno State.  As suas raízes remontam à Fresno State Normal School, que abriu as suas portas a 11 de setembro de 1911. Esta modesta instituição centrou-se inicialmente na formação de professores para o Vale de São Joaquim. As primeiras aulas tiveram lugar na cave da escola secundária Fresno High School, um começo humilde para uma instituição que mais tarde se tornaria uma potência na área das ciências da educação.  Com o crescimento no ensino superior na Califórnia, cresceu também a ambição desta instituição.   A eclosão da Segunda Guerra Mundial trouxe mudanças significativas para a Fresno State. Tornou-se um campo de treino para militares, refletindo a sua adaptabilidade e dedicação ao serviço da comunidade em tempos de crise. Após a guerra, a Fresno State passou por um período de crescimento e transformação verdadeiramente notáveis. O regresso dos veteranos à procura de educação, graças ao G.I. Bill da política americana para reinserção dos que haviam servido nas forças armadas, impulsionou as matrículas e a faculdade expandiu o seu currículo para satisfazer as diversas necessidades da sua população estudantil. Ao longo da sua história, a Fresno State alcançou inúmeras demarcações académicas. Em 1949, passou a chamar-se Fresno State College, refletindo o seu crescimento e o desenvolvimento da sua missão. Em 1972, passou a fazer parte do sistema da Universidade Estadual da Califórnia, solidificando ainda mais a sua presença no mundo académico californiano. A Fresno State tem sido consistentemente classificada entre as melhores universidades públicas do oeste dos Estados Unidos, um testemunho do empenho na sua excelência académica.

A Fresno State pertence, como se escreveu, ao California State University System (CSU), com 23 polos distribuídos pela enorme geografia da Califórnia (quatro vezes maior do que Portugal continental), estado que em 2022, teve um PIB na ordem dos 3,6 mil milhões de dólares, representando 14,3% do total da economia dos EUA. Se a Califórnia fosse um país independente, seria a 5ª maior economia do mundo e mais produtiva do que a Índia e o Reino Unido.  O sistema CSU tem cerca de 45 mil alunos matriculados, contendo a maior diversidade étnica, económica e académica do país. com perto de 60 mil docentes e funcionários, oferecendo licenciaturas, mestrados e doutoramentos em mais de 4 mil programas diferentes, e já conferiu mais de 4 milhões de diplomas.  

A Universidade em Fresno, tem o seu campus principal (já que possui outros campus satélites, como na cidade de Visalia) numa área 388 acres e a sua herdade para as ciências agrárias contém 1.011 acres estando situada no extremo nordeste de Fresno, Califórnia, próximo da majestosa cadeia de montanhas Sierra Nevada.  Localizada no centro/sul do Vale de San Joaquín circundante a uma das áreas agrícolas mais ricas do mundo.  Fresno é a sexta maior cidade da Califórnia, com uma população de 558 mil pessoas. A universidade fica a uma hora de carro de muitas zonas turísticas como os Parques Nacionais de Yosemite e Sequoias, e a quatro horas de carro de Los Angeles ou São Francisco.  Neste ano académico de 2023-24 contém cerca de 25 mil alunos, 2505 membros do corpo docente e funcionários. 

A Fresno State continua a subir nas classificações nacionais, particularmente na mobilidade social, ou seja a avaliação das universidades que oferecem uma educação de qualidade a um preço acessível, criando oportunidades para muitos estudantes de classes económicas mais desfavorecidas.  A Fresno State saltou para o 8º lugar entre todas as faculdades do país em termos de mobilidade social na classificação das Melhores Faculdades do U.S. News and World Report, publicada em 18 de setembro deste ano. No ano passado, a Fresno State ficou em 30º lugar. “Esta classificação alta, e significativa em mobilidade social, é especialmente importante para nossos alunos, para as suas famílias e para a nossa região, pois significa que a Fresno State permite que nossos alunos encontrem as melhores versões de si mesmos e, ao fazê-lo, tornam-se os líderes que todos precisamos neste nosso nosso Vale e no mundo.” disse o presidente da Fresno State, Saúl Jiménez-Sandoval, que é fluente em português, com um doutoramento em estudos portugueses e espanhóis. “É por isso que o dia da formatura é tão significativo para mim – estamos a formar os líderes-profissionais que irão fortalecer as comunidades e elevar a qualidade de vida de todos no nosso Vale de São Joaquim.”  

Cerca de 65% dos alunos desta universidade são os primeiros nas suas famílias a frequentarem uma faculdade, enquanto muitos outros continuam um legado familiar como Bulldogs nas segundas ou terceiras gerações. Cerca de 80% dos alunos licenciados permanecem e trabalham no Vale de San Joaquim, o que, como é óbvio, tem mudado o rosto desta zona onde reside uma importante comunidade açoriana há mais de 150 anos.  A Fresno State está classificada em 101º lugar entre as melhores escolas públicas a nível nacional e em 185º lugar a nível nacional entre todas as universidades americanas.  Existem mais de 4 mil universidades públicas e privadas nos Estados Unidos.  A Fresno State está classificada em 12º lugar para a melhor engenharia eletrónica e comunicações. No início deste mês de setembro, a Fresno State ficou em 6º lugar no país entre as universidades públicas e privadas em termos de mobilidade social na classificação das Melhores Faculdades do Wall Street Journal/College Pulse 2024. Em agosto, a universidade subiu para o 26º lugar nacional na lista anual das melhores universidades de 2023 do Washington Monthly e para o 13º lugar na categoria Best Bang for the Buck: West. No início deste verão, a Fresno State recebeu uma classificação de 4,5 estrelas numa escala de 5 estrelas na nova classificação das Melhores Faculdades de 2023 da revista Money, que classifica as melhores faculdades do país em termos de qualidade e acessibilidade. No ano transato esta universidade recebeu 70 milhões de dólares em subsídios para projetos de investigação.  

Toda esta lengalenga, como dizia meu pai, para demonstrar que esta universidade, numa das regiões mais férteis dos EUA e do mundo, onde estudam e trabalham açor-descendentes, tem todas as potencialidades para ser um parceiro com a Região Autónoma dos Açores, particularmente porque a amalgama de iniciativas que foram criadas estão muito ligadas ao arquipélago, o que, como se sabe, e tem sido demonstrado nas mais diversas variantes, incomoda alguma gente na República.  

No Portuguese Beyond Borders Institute (PBBI) criado há menos de 5 anos, e inaugurado propositadamente pelo Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores, lá estão uma variedade de iniciativas e projetos com a estampa açoriana.  Eis alguns exemplos: as histórias orais, com 75 já gravadas são 95% com imigrantes dos Açores ou açor-descendentes; o ciclo de palestras e conferências tem sido amplamente composto por temas ligados aos Açores e à Madeira e, obviamente, à nossa Diáspora; a Bruma Publications, com cinco livros publicados no primeiro ano, todos dedicados à temática açoriana ou a estudos por académicos nascidos nesta Região e os livros são impressos na região e com uma parceria com a Letras Lavadas; o Colóquio Cagarro, é uma comunidade de escritores com raízes nos Açores; no projeto Olhos nos Livros mais de 70% dos livros destacados são de autores ligados aos Açores; o intercâmbio entre a nossa faculdade de ciências agrárias e a Universidade dos Açores, destina-se a alunos desta região e tem tido uma forte componente de alunos açor-descendentes; A revista digital (e o blogue que que a acompanha) Filamentos tem como subtítulo – artes e letras na diáspora açoriana; a recém criada plataforma informativa Novidades (assim como a newsletter digital que a acompanha) é dedicada à informação dos Açores em inglês para as gerações que não falam português; os documentários realizados a partir do nosso programa de histórias orais são dedicados a temas ligados aos Açores; a Azores-Diaspora Media Aliance, que pode ser o que os OCS desejarem, assim como o que gostaríamos de criar com o apoio e a estreita colaboração desta Região, com um polo na mesma, ou seja : um think-tank para assuntos açorianos- Azorean Diaspora Forum.  Enfim uma litania de projetos e eventos onde os Açores têm sido privilegiados.

A Fresno State não é a MIT, como me disse há tempos uma pessoa da nossa praça pública, e bem o sabemos, mas é um parceiro com o qual os Açores podem contar.  A Fresno State, é uma universidade regional, como todos os 23 polos da universidade do estado da Califórnia o são, mas isso não é depreciativo, pelo menos no tom que foi dito por uma entidade nossa quando nos apresentou há cerca de um ano e meio, acrescentando, está em Fresno que é uma cidade rural da Califórnia.  E que ruralidade, mais de 550 mil habitantes, mais de um milhão no condado de Fresno, condado que é apenas um de três dos 58 condados na Califórnia que têm 2 acor-descendentes eleitos (dois de cinco eleitos) para supervisores e é a décima cidade mais multicultural dos EUA—mas que ruralidade.  Tenham dó!  

Claro que não é uma panaceia, nem o pretende ser, mas tem condições únicas e tem muito orgulho na sua ligação aos Açores.  Tem trabalhado para essa ligação e hoje, como ainda há dias me disse um dos meus alunos: There is lots of excitement on this campus about the Azores– Há um grande entusiasmo acerca dos Açores neste campus.  Tem uma administração e muitos elementos do corpo docente e estudantes, interessados nas ligações com este arquipélago, começando, como se disse, com o Presidente Saúl Jimenez-Sandoval, emigrante mexicano que é fluente em português e tem um carinho muito especial pelos Açores. 

Se há pecados, seria um pecado, e dos mais severos, desperdiçar esta oportunidade, que, apesar de ser suspeito, acho extremamente favorável para os Açores e para a nossa Diáspora na Califórnia, que agora com os números do Censo, confirmou-se, ainda mais uma vez, que não somos o tal milhão que gente irresponsável andou e ainda anda a apregoar, mas, mesmo sem ser esse tal milhão, e mesmo com aqueles que daqui saíram para outros estados, continua a maior comunidade de açor-descendentes num estado ou numa província do continente norte-americano.  Há um espaço, neste oeste americano, com o qual os Açores podem estabelecer projetos muito interessantes para quem ficou e para quem partiu.  Haja visão e haja vontade! 

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.