OPINIÃO | Abrir a Janela ao Futuro: Refrescar a nossa Diáspora na América do Norte, por Diniz Borges
Nenhuma cultura pode sobreviver se tentar ser exclusiva
Mahatma Ghandi
As vivências portuguesas em terras norte-americanos foram, ainda mais uma vez, expostas e pensadas. A nossa Diáspora nos Estados Unidos e Canadá, com toda a sua perplexidade e as suas múltiplas nuances, foi o tema de um congresso de quatro dias, que há quarenta e cinco anos faz parte da história portuguesa, e particularmente açoriana, no estado da Califórnia: o congresso da Luso-American Education Foundation (LAEF). Foi anfitrião, o Portuguese Beyond Borders Institute (PBBI) da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno. O congresso reuniu mais de 60 vozes de várias gerações e faixas etárias, com múltiplas experiências diaspóricas. É que ao contrário do que por vezes gostamos de acreditar, a nossa Diáspora em terras norte-americanas é complexa, engloba uma pluralidade de patrimónios, identidades e perspetivas. Colocá-la num só saco é um erro. Olhá-la apenas quando se veste com a roupa domingueira e sai à rua para a festa, é aceção incorreta e depreciativa. Interpretá-la, unicamente com olhos distantes, nebulosos e cobertos de sobranceria eurocêntrica é prejudicial para a Diáspora e para Portugal, incluindo as suas Regiões Autónomas. O quadragésimo-quinto congresso da LAEF, mostrou-nos, ainda mais uma vez, as várias dinâmicas da nossa Diáspora, o apego às raízes, a riqueza de talentos e acima de tudo quanto Portugal, e as suas Regiões Autónomas precisam mudar no seu relacionamento com o enorme potencial económico, político, e cultural que pode e deve ser a nossa Diáspora, quer nos EUA, quer no Canadá.
Primeiro e parecendo rudimentar, mas infelizmente não o é, há que olhar-se para a nomenclatura. Se queremos ter uma Diáspora no continente norte-americano temos que optar por essa realidade, que é tão simples como modificar a semântica que optamos. Portugal, como se sabe, tem cerca 5 milhões dos seus cidadãos e luso-descendentes a viverem no estrangeiro, mais de 2 milhões residem nos EUA e Canadá. Se olharmos a açorianos e açor-descendentes estes dois países possuem, seguramente, quatro vezes a população do nosso arquipélago. Se acreditamos no potencial da nossa Diáspora, em termos de estado e de governo, há que irmos além do ultrapassado conceito de Secretaria de Estado das Comunidades, a nível de poder central, e mudarmos, quanto antes. para um Ministério da Diáspora. É o que acontece na Irlanda, na Arménia, na Geórgia, na Sérvia e em Israel, entre outros países. Nas nossas duas Regiões Autónomas, apesar de nos Açores ter-se dado um passo importante, no agora longínquo ano de1996, transformando o Gabinete da Emigração para Direção Regional das Comunidades, talvez este seja o momento ideal para a mesma evoluir a Secretaria Regional, trabalhando em proximidade com os pelouros da Cultura, da Educação, do Turismo, da Tecnologia e do Comércio e Indústria. A Diáspora do século XXI, não são as comunidades do século XX. O relacionamento institucional terá de ser diferente. Não há razão para que a mudança, que é produto de uma evolução natural, não seja feita já. Quer na República, quer nas Regiões Autónomas, não deveria ser necessário mudar de governo para se fazer esta modificação, que só peca por ser um pouco tardia. É impensável que um dos países com uma tradição diaspórica de séculos, como Portugal, ainda não tenha dado esse passo. A própria Presidência da República, com assessores para tudo o que é assunto ou a querer ser assunto, deveria dar muito mais destaque à Diáspora. Falar da nossa presença no mundo apenas pelo 10 de junho (pobre Camões—o original não o IC, entenda-se… apanha com tudo) é muito pouco.
Segundo, o congresso da LAEF organizado pelo PBBI da Universidade Estadual em Fresno, mostrou-nos, ainda mais uma vez, que há como nos disse a escritora Katherine Vaz no magnífico discurso de abertura, vários espaços em branco que devem ser aproveitados para bem das nossas identidades, e da presença portuguesa em terras americanas e canadianas. Preocupemo-nos mais em “ficarmos deslumbrados do que em estarmos corretos”, salientou a autora num discurso marcante que deveria ser auscultação obrigatória para quem num dos dois lados do Rio Atlântico (termo de Onésimo Almeida) está minimamente empenhado na Diáspora. Há uma série de iniciativas que são imperativas se queremos ir além do mais primitivo. As conclusões do congresso indicam, claramente, que com as novas tecnologias podemos chegar mais longe e termos uma maior presença de Portugal, incluindo os Açores e a Madeira, no quotidiano de americanos e canadianos com ascendência portuguesa, com raízes, muito fortes na sua cultura ancestral. As apresentações e os debates (arquivados na YouTube para os interessados) mostraram-nos, inequivocamente, que apesar do poder central apenas colocar uma escassa aguinha de tempos a tempos (os Açores, felizmente têm tido outra postura) as raízes da portugalidade e da açorianidade estão bem fortes nas novas gerações. Um novo paradigma pela parte do país (e da Região) de origem fará toda a diferença, particularmente a médio o longo prazo.
Algumas das sugestões pragmáticas e de fácil adaptação, provenientes das conclusões baseiam-se, acima de tudo, num melhor conhecimento mútuo. Na realidade, Portugal está muito interessado em que as novas gerações tenham conhecimento do novo Portugal. Francamente que já estamos cansados deste mesmo tom da classe política e diplomática sobre o novo Portugal. ;e urgente ir-se além de uma retórica que está, completamente esgotada. Como ficou assente no congresso, quando é que Portugal quererá conhecer a sua Nova Diáspora? A realidade contada por quem a vive, quem a sente, quem a defende, nos bons e maus momentos, precisa de ser parte do imaginário português. Aqui diga-se, sem qualquer assombro (porque represálias por dizer isto já as tive, muitas vezes) que os Açores, e o imaginário açoriano, em termos de ter presente a sua emigração e a sua diáspora, apesar das suas imperfeições, tem umas lições a dar ao poder central. O relacionamento dos Açores com a sua Diáspora, também com necessidade de se adaptar e progredir, está a léguas de distância do Terreiro do Paço.
Algumas das propostas são básicas, as quais nem precisariam ser sugestões, sendo questões que deveriam ser abordadas constantemente, quer na Diáspora, quer na Pátria: maior ligação às novas gerações; conteúdos modernos e empolgantes em formatos virtuais; renovação no ultrapassado sistema de apoio ao ensino da língua portuguesa; apoios direcionados à inovação; mais intercâmbios em todos os setores; novos vínculos nas artes, no comércio e na industria; modernizar patamares para os movimentos das cidades irmãs; atualizar o narrativa, fatigada e repetitiva da classe política; amodernar a atuação da classe diplomática (usando alguns casos de sucesso que têm ocorrido nos EUA e Canadá); auscultar (verdadeira e genuína observação) as forças vivas, inovadoras e criativas da Diáspora, não só em termos de poder, mas em termos de institutos e fundações não governamentais com ligação à Diáspora; gerar novos formatos de diálogo e debate dentro da Diáspora; conceber mais contacto entre o mundo universitário, particularmente os centros de estudo dedicados a Portugal e à Diáspora; germinar outra visão da comunicação social portuguesa, particularmente a dos Açores, sobre a Diáspora, e fomentar novas metodologias e conceitos para a comunicação social da Diáspora; afigurar as vivências contemporâneas de ambos os lados do Atlântico sem a redundância alicerçada na saudade de um tempo e um espaço que não são os mesmos, quer na Diáspora, quer no espaço físico da terra-mãe.
É sobejamente sabido que ao longo das últimas décadas, as diásporas têm-se tornado mais proeminentes no cenário internacional. As novas tecnologias no mundo das comunicações melhoraram as capacidades de mobilização, e as políticas de multiculturalismo nos países recetores revitalizaram o orgulho étnico e a assertividade, os quais são palpáveis na Diáspora portuguesa e açoriana em terras norte-americanas. No contexto da aproximação dos povos e das culturas, incluindo os já antigos e cansados negócios estrangeiros, no desenvolvimento económico e na realidade da migração internacional, as diásporas precisam cada vez mais de serem pensadas e renovadas. Portugal necessita, com alguma premência, dar esse passo significativo para, no mínimo, estar em paridade com outros países com diásporas fortes no mundo norte-americano. Se vamos dar alguns passos, e espero que os demos, porque precisamos dá-los, então que sejamos audazes e que sejamos líderes com determinação e sem medo do dia de amanhã. Tal liderança mundial em políticas e processos diaspóricos seria bom para a Diáspora e para o dito novo Portugal. Há que abrir a janela para o futuro!
Ser europeu não implica fechar-se os olhos à nossa diáspora americana. Esse será um falhanço grave para Portugal e um erro fatal para os Açores. Perpetuar-se a narrativa atual é uma forma de desacerto e abandono. Os descobrimentos portugueses não terminaram. A nova rota passa pelas dois milhões de americanos e canadianos de ascendência portuguesa (em alguns casos apenas 20 ou 25%) que o país ainda não descobriu. A nossa tradição Atlântica, conceito que tanto gostamos de apregoar, está ao nosso alcance em várias latitudes americanas e canadianas. Há que ter imaginação e espaço, na bússola das nossas aventuras, para o imaginário dos patrimónios e das identidades que a diáspora constrói, diariamente, na América do Norte.