OPINIÃO | A solidariedade dos emigrantes além-fronteiras: o exemplo inspirador do comendador Manuel Bettencourt, por Daniel Bastos
Uma das marcas mais características das comunidades portuguesas espalhadas pelos quatro cantos do mundo é indubitavelmente a sua dimensão solidária, uma genuína marca genética da diáspora lusa, constantemente expressa em gestos, campanhas e iniciativas fautoras de valores humanistas e altruístas.
Dentro da centelha solidária que brilha incessantemente no seio da dispersa geografia das comunidades portuguesas, destaca-se ao longo das últimas décadas, o exemplo inspirador do comendador Manuel Bettencourt, uma das figuras mais gradas da comunidade luso-americana.
Natural de Ribeirinha, uma aldeia do concelho de Santa Cruz da Graciosa, ilha Graciosa, arquipélago dos Açores, Manuel Bettencourt emigrou para a América no final dos anos 60, na casa dos vinte anos de idade, ao encontro dos pais que tinham partido um ano antes em demanda de melhores condições de vida para uma família humilde e numerosa.
A chegada à Califórnia, o estado com maior número de emigrantes portugueses e lusodescendentes nos Estados Unidos, marcou o início de uma trajetória de um verdadeiro “self–made man”, cujo trabalho, esforço e resiliência, valores coligidos no seio familiar, sustentaram uma graduação em Educação Geral no San Jose City College, uma licenciatura em Biologia na San Jose State University, e uma especialidade de Estomatologia no ensino superior em Guadalajara, no México.
Profissional de medicina dentária renomado, o emigrante graciosense, presentemente conselheiro da comunidade portuguesa na Califórnia e dedicado dirigente associativo luso-americano, ao longo dos trinta anos que exerceu cirurgia dentária no seu consultório em Santa Clara, atual centro de Silicon Valley, nunca recusou um paciente por falta de dinheiro.
Estando já aposentado, mostra-se ainda hoje disponível para prestar cuidados dentários a inúmeras crianças de agregados carenciados, por exemplo, de imigrantes mexicanos. Sendo que, através da Santa Clara County Dental Society (SCCDS), continua a ensinar em escolas primárias, higiene oral às crianças.
Desde 2008, exerce também voluntariado na clínica odontológica do CityTeam, no norte de San José, uma estrutura que fornece ajuda e apoio a homens, mulheres e crianças que lutam contra a insegurança alimentar, violência doméstica, toxicodependência ou situação de sem-abrigo. Ao longo da última década, uma vez por semana, o distinto emigrante açoriano tem prestado graciosamente na clínica odontológica CityTeam de San José, apetrechada com material e equipamentos vindos generosamente do seu antigo consultório, serviço dentário a diversos sem-abrigo e jovens toxicodependentes.
Este trabalho de voluntariado, incalculável na riqueza e na coesão social, no bem fazer, na promoção da qualidade de vida dos mais desvalidos de San José, a terceira cidade mais populosa da Califórnia, acarreta inclusive que o dentista luso-americano aposentado, tenha de pagar para renovar a sua licença. Assim como custear e realizar cursos de educação continuada, cinquenta horas a cada dois anos para atualizar os novos materiais e técnicas, além de comprar e pagar um seguro de negligência todos os anos para trabalhar a título gracioso.
O notável trabalho e contributo de Manuel Bettencourt – agraciado com o distintivo da Ordem do Mérito em 2002, a Ordem do Infante D. Henrique em 2011 e a Insígnia Autonómica de Reconhecimento em 2015 -, para aumentar a participação de todos na construção de uma sociedade melhor, concorreu para que no passado dia 13 de janeiro tenha sido distinguido, durante a Gala da Santa Clara County Dental Society (SCCDS), com um dos Prémios Anuais de Excelência Odontológica.
Num mundo repleto de desafios e desigualdades sociais, o comendador Manuel Bettencourt, que ainda recentemente doou meio milhão de dólares para a prossecução do programa de estudos portugueses na San Jose State University, ao assumir a solidariedade como missão de vida, inspira-nos a máxima de Franz Kafka, um dos escritores mais influentes do século XX: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”.