Esta entrevista foi coordenada pelas Professoras Dominique Faria e Ana Gil da Universidade dos Açores para um projeto publicado digitalmente com o título Tradução e Identidade Insular pelo Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Agradeço a oportunidade de me incluírem nesta publicação. Espero que tenha interesse para os leitores do Diário Insular.
Quem seleciona as obras que traduz? Traduz aquilo que a editora sugere ou escolhe o que pretende traduzir?
Tenho sempre escolhido as traduções, quer na poesia, quer na ficção narrativa. Traduzir poetas contemporâneos açorianos para a antologia On a Leaf of Blue (2003), porque queria que tivéssemos na língua inglesa algo que mostrasse a criatividade açoriana, dentro e fora dos ditos cânones. Como não fiz, nem tenciono fazer já meio-aposentado, vida da tradução, só tenho traduzido, e acho que assim continuarei, com o que gosto e, perdoem-me a falta de humildade: o que me apetece. Tenho de estar apaixonado pela obra. Apesar de gostar muito da tradução, acho que é difícil, mesmo quando pensamos que será fácil, e é algo muito trabalhoso, diria mesmo: penoso. Daí que só me dedique à tradução quando estou enamorado com o poema, com o texto. “Apesar de gostar muito da tradução, acho que é difícil, mesmo quando pensamos que será fácil, e é algo muito trabalhoso, diria mesmo: penoso.”
As suas origens açorianas desempenham um papel importante na sua decisão de traduzir e na sua relação com as duas línguas de trabalho – a portuguesa e inglesa?
Ter nascido e vivido nos Açores até aos 10 anos, e ter sempre vivido com uma forte ligação às nossas comunidades, à nossa diáspora, foram e são elementos fulcrais na tradução que faço. A língua portuguesa foi a minha primeira língua e a língua, por motivos do meu envolvimento na comunicação social de língua portuguesa na Califórnia, que sempre utilizei com regularidade, mesmo antes de a ensinar em cursos de língua portuguesa como língua estrangeira no ensino americano. Porém, a minha formação académica foi, obviamente, toda nos EUA. Sinto-me à vontade com as duas línguas e culturas, apesar de isso ser perigoso, porque pode provocar desleixos. Praticamente todas as minhas traduções se relacionam com as minhas origens açorianas, e com o meu desejo de ver a nossa diáspora, particularmente as terceiras, quartas e sucessivas gerações, que são totalmente americanas, conhecedoras da nossa riqueza literária e através delas chegarmos a outras etnias e outras culturas, porque o seu mundo é o americano. Apesar de me sentir bem com as duas e de ser leitor nas duas Em línguas, prefiro traduzir de português para inglês. E na realidade não sei bem porquê.
Os leitores da literatura de autores açorianos traduzida em inglês são essencialmente luso- -descendentes? É para esse leitor que traduz?
Apesar de uma grande percentagem, talvez a maioria, dos leitores de literatura açoriana serem descendentes de açorianos residentes nos Estados Unidos, Canadá e Bermudas, que não compreendem português, pelo menos não leem em português, acredito que a riqueza da literatura açoriana deverá ir bastante mais longe e penetrar o multiculturalismo destes países. Quando traduzo, faço-o essencialmente para um leitor de língua inglesa, independentemente da sua identidade étnica. “Praticamente todas as minhas traduções se relacionam com as minhas origens açorianas, e com o meu desejo de ver a nossa diáspora, particularmente as terceiras, quartas e sucessivas gerações, que são totalmente americanas, conhecedoras da nossa riqueza literária e através delas chegarmos a outras etnias e outras culturas, porque o seu mundo é o americano.”
Quais as principais dificuldades que se enfrenta ao traduzir literatura açoriana para um leitor anglófono/ americano?
Na realidade há muitas dificuldades, particularmente quando entramos em coloquialismos e regionalismos, desconhecidos do leitor norte-americano. Para mim, a grande dificuldade reside em transmitir o lirismo e as nuances da cultura da região. É um constante desafio. Como vivo nos Estados Unidos desde os 10 anos de idade, e o meu mundo tem estado sempre rodeado de América por todos os lados, tento interiorizar a visão dos meus amigos que não são de origem portuguesa, de origem açoriana. Por vezes peço a alguns que leiam uma passagem. Quando traduzi com Katharine Baker o romance Já não gosto de chocolates (2006), de Álamo Oliveira, foi muito interessante ver a reação da Katharine que, apesar de ser de origem açoriana, não teve contacto com as suas origens até muito mais tarde na vida, e é, obviamente, americana. Essa experiência ensinou-me a enfrentar a realidade de que há frases que não podem ser traduzidas, mas sim reinterpretadas aos olhos da cultura e da língua para a qual se está a traduzir. Tenho visto, até pelos meus alunos, que o leitor americano com raízes na América Latina, desde o México à Argentina, tem uma outra perceção da literatura açoriana e, talvez por algumas semelhanças culturais, identifica-se muito mais com ela do que o anglófono.
Qual o papel da colaboração – com o autor, com outros tradutores, colegas, amigos, familiares, editores – nas suas atividades de tradução até agora?
Acho muito importante ter vários revisores, se bem que nem sempre isso tem acontecido. Tento sempre recorrer a leitores luso-americanos com raízes nos Açores, alguns colegas no ensino. Quando comecei a traduzir poesia recorri, inúmeras vezes, ao talento e conhecimento de George Monteiro, que conheci através do meu amigo Onésimo Almeida, e que muito me ajudou, assim como o próprio Onésimo. Também gosto muito de ler obras que conheço em português, traduzidas para inglês. Tenho tentado ler tudo o que tem sido traduzido, particularmente nas últimas décadas, de literatura de língua portuguesa, particularmente de Portugal e dos PALOP. Ler no original e ler as traduções ajuda-me tremendamente a ter uma espécie de diálogo constante com a tradução.
Se já traduziu em colaboração com outros tradutores, pode falar-nos um pouco do processo de tradução a várias mãos? Como dividiram as tarefas, como se comunicaram entre si, etc.?
Essencialmente a única parceria que tenho tido foi e é com Katharine Baker. Temos tido vários processos. Com o livro Já não gosto de chocolates, de Álamo Oliveira, traduzir na íntegra uma primeira versão, e a Katherine e eu trabalhámos numa revisão total. Outros foram precisamente ao contrário e noutros ainda houve divisão. Comunicamos por e-mail, telefone, e com o Já não gosto de chocolates ela esteve em minha casa durante uma semana. Trabalhávamos em conjunto durante quatro a cinco horas por dia. Há que haver um processo para que a parceria resulte. As traduções em parceria são excelentes, porque nos dão várias visões e tornam as revisões mais eficientes. Porém, há sempre que ter em consideração os estilos, os conhecimentos, as formas de se trabalhar, que são diferentes. Acho que isso só enriquece a tradução.
Pode falar-nos um pouco das condições em que traduz? Habitualmente têm prazos a cumprir, imposições editoriais a ter em consideração? Tem hábitos pessoais específicos quando se dedica à tradução (partes do dia preferidas, espaços onde gosta de trabalhar, materiais e recursos indispensáveis…)?
O único prazo que tive foi com o projeto do livro sobre a Base das Lajes com Joel Neto. De resto, tenho trabalhado consoante o tempo que tenho e que me resta, depois das obrigações profissionais, quer nas aulas, quer agora com o Portuguese Beyond Borders Institute, na Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno. Gostei de ter um calendário específico quando trabalhei a tradução do livro do Joel. Foi muito gostoso e uma experiência muito interessante trabalhar a obra aos capítulos, sem conhecer o desfecho. Com exceção de alguns projetos de literatura infantil que traduzi com prazos, o resto tem sido ao sabor do tempo. As editoras com quem trabalho não me têm impingido imposições. Escolho os projetos que quero e tento conjugá-los com o tempo de que sei que disponho. Traduzo no meu gabinete em casa, normalmente com um pouco de música (jazz ou clássica) muito suave. Gosto de traduzir de manhã, com uns bons copos de café americano, e traduzo muito aos fins de semana. Normalmente não traduzo depois do almoço. Utilizo dicionários eletrónicos e um velho dicionário de sinónimos e antónimos que me foi oferecido há mais de 40 anos. Se tenho dúvidas, particularmente na revisão, faço pesquisa na internet. Apesar de usar o computador para tudo, tenho o hábito antiquado e talvez esquisito de ter sempre um bloco de notas e caneta para escrever dúvidas. Se as coisas não estão a correr bem, tenho este hábito estranho de parar e retomar o livro traduzido que ando a ler. Também tenho um pequeno cartaz que fiz e que está junto do computador com esta frase em inglês de Jorge Luís Borges, a qual releio quando entro em desespero com uma tradução, o que acontece frequentemente: “The original is unfaithful to the translation.” “Também tenho um pequeno cartaz que fiz e que está junto do computador com esta frase em inglês de Jorge Luís Borges, a qual releio quando entro em desespero com uma tradução, o que acontece frequentemente: ‘The original is unfaithful to the translation.’”
Se teve experiência na tradução em português de literatura de açorianos e açoriano-descendentes escrita originalmente em inglês, pode indicar algumas das especificidades deste tipo de tradução?
A minha experiência na tradução de autores açor-descendentes de inglês para português é recente, apesar de ser leitor da literatura açor-americana há muitos anos. As experiências têm sido mais na poesia. Tenho traduzido vários poetas, mas gostava de ir mais além. Há uma amálgama de criadores literários, particularmente nas novas gerações, que precisam de ser conhecidos no mundo português, particularmente nos Açores. Há uns meses, quando o instituto que dirijo lançou uma comunidade de escritores americanos e canadianos com raízes nos Açores, o Colóquio Cagarro, o excelente jovem músico açoriano Cristóvam, que foi nosso convidado para interpretar alguns dos seus originais, depois de ouvir a leitura de alguns poetas americanos com raízes nos Açores, disse: “Vocês têm a certeza de que não são de cá? É que os temas que tratam na vossa poesia são mesmo açorianos.” Na realidade, há uma forte ligação e há uma narrativa que continua muito para além da geração emigrante e primeira geração. É impressionante como a açorianidade, se bem que pintada com outras nuances e outras tonalidades, está presente nestas vozes. Acho que somos mais região e a literatura açoriana é mais rica com elas. São bons poetas, bons escritores e misturam um tom de açorianidade no seu americanismo. Contribuem imenso para a presença açoriana na criatividade do multiculturalismo americano e canadiano. É imperativo que sejam conhecidos nos Açores e no mundo da língua portuguesa.