
Em tempos de eleições, tudo se promete, tudo se critica, tudo se exige — e, nos últimos anos, tudo isso atingiu proporções extremas. Vivemos numa era em que a informação é imediata e o erro é amplificado ao segundo. Qualquer posição, qualquer deslize, é julgado nas redes sociais sem contexto, compaixão ou responsabilidade.
O resultado? Uma polarização crescente, em que qualquer discordância é imediatamente criminalizada: se não concordas, és rotulado de “comunista” ou “fascista”, como se o pensamento crítico e a nuance não tivessem lugar na conversa pública. Já não se discutem ideias; rotulam-se pessoas. A complexidade da realidade é reduzida a binarismos extremos, e a empatia pela diversidade de opiniões desaparece.
As redes sociais, criadas para aproximar pessoas, tornaram-se palcos de simplificações, ódios e teorias conspirativas. Sob o disfarce da liberdade de expressão, promovem a ignorância e a intolerância — e é isso que fomenta as visualizações. A opinião pessoal passou a sobrepor-se aos factos e ao bem comum, e o orgulho parece residir agora na ignorância e no preconceito.
Assistimos àquilo que se pode chamar de “estupidificação coletiva” — um processo em que o indivíduo perde o senso de responsabilidade pessoal, corroendo o pensamento crítico e apagando a memória e a consciência de cada um.
E isso não acontece apenas “lá fora” — também se sente em Portugal. Tornámo-nos peritos em dar mais tempo e voz ao negativo do que ao positivo, esquecendo que o verdadeiro motor da evolução humana é o esforço comum. Exaltamos moralismos religiosos que poucos seguem na essência, ou insistimos em afirmar que o país em que vivemos nunca esteve tão mal.
No entanto, nas últimas cinco décadas, Portugal trilhou um caminho notável: fez uma transição pacífica da ditadura para a democracia, conquistou avanços extraordinários na educação, na saúde e na qualidade de vida — feitos impensáveis há meio século.
Sim, há imperfeições, e a corrupção continua a manchar o nosso progresso — mas seria injusto ignorar o essencial: nunca o povo português viveu com tanta dignidade, liberdade e oportunidade como hoje.
Mesmo assim, os nossos candidatos preferem o discurso da amargura e da divisão, deixando a população arrastar-se pela desinformação e pelo ressentimento.
Os meios de comunicação e as redes sociais tornaram-se o altifalante do ódio e da frustração, amplificando emoções, corroendo a confiança nos partidos e nas instituições e transformando a política num espetáculo de ataques pessoais ao mais baixo nível.
Antes admirávamos artistas, pensadores e heróis que trabalhavam pelo bem comum; hoje idolatrizam-se aqueles que “falam sem filtro” e os milionários que apenas se interessam pelos seus próprios umbigos.
Ao contrário do que pensamos, a era digital trouxe novos paradoxos entre liberdade e responsabilidade: todos opinam, poucos pensam; todos julgam, quase ninguém escuta. Queremos liberdade de expressão, mas rejeitamos o contraditório. Queremos atenção, mas somos incapazes de empatia. Os factos deixaram de ser relevantes — o que importa agora são as opiniões pessoais.
Os valores são relativizados, a ética moldada ao interesse do momento, e a verdade se mede pelo número de partilhas. A moral pública foi substituída por narrativas de conveniência, e a empatia humana trocada por “likes”.
E o mais inquietante é que esta lavagem cerebral acontece com todos nós, com o nosso próprio consentimento, muitas vezes sem que nos apercebamos. Cada notificação, cada visualização, cada “like” é informação para um algoritmo, que nos mantém em bolhas digitais, reforçando o que já pensamos e isolando-nos de opiniões divergentes. Transformamo-nos assim num rebanho digital, seguindo caminhos pré-determinados pelos valores dos bilionários e patrocinadores que controlam estas plataformas e órgãos de comunicação.
A nossa autonomia parece existir, mas é mediada e moldada por sistemas que conhecem os nossos hábitos melhor do que nós próprios.
Não é por acaso que figuras como Elon Musk, entre outros, vão ao extremo de adquirir plataformas e meios de comunicação para influenciar massas. Estamos à mercê das suas perversões, dos seus valores morais e dos seus interesses económicos. Mesmo os pequenos órgãos de comunicação acabam absorvidos por grupos e patrocinadores com objetivos políticos e financeiros. Quem controla a narrativa, controla o poder.
Vivemos o paradoxo de uma sociedade cada vez mais individualista num mundo globalizado. Escondemo-nos atrás de ecrãs, comentamos sem qualquer preocupação pelos outros; partilhamos tragédias em tempo real e quase não sentimos nada. Falamos de Gaza, da Ucrânia, da fome e da guerra, mas tudo se dilui na velocidade do feed — esse alimento digital que nos entorpece.
O conteúdo digital é avassalador: nunca se produziu tanta informação, e nunca fomos tão incapazes de manter a atenção por mais de vinte segundos.
Fugir ou desintoxicar-se do mundo digital pode parecer, para muitos, a única forma de preservar a sanidade num tempo saturado de ruído. Mas viver à margem também tem as suas agruras — e, além disso, o silêncio, por mais nobre que pareça, é sempre cúmplice. É no silêncio que a mediocridade encontra espaço para se instalar e a desonestidade se normaliza. Foi esse mesmo silêncio que, noutras épocas, permitiu que ditaduras, injustiças e desigualdades prosperassem.
Pedir “melhor moralidade” é hoje quase um ato de rebeldia!
Relembremos que a democracia não sobrevive sem maturidade cívica, pensamento crítico e memória — memória do que fomos, do que somos e do que aspiramos a ser como sociedade. Nenhum regime democrático se sustenta sem empatia, sem a cooperação genuína das suas gentes. Mais do que manifestos e promessas, é urgente que os nossos líderes se orientem pela consciência moral para com o povo. São eles que deveriam inspirar uma cultura de cooperação e humanidade — e não alimentar discursos de divisão entre “eles” e “nós”. A verdadeira liderança não se mede pela capacidade de apontar culpados, mas pela de unir em torno de princípios comuns de dignidade, justiça e respeito.
E há ainda aqueles que ousam lutar por igualdade e justiça — aqui ou além-fronteiras —, independentemente da sua cor política. Esses merecem o nosso respeito, pois têm a coragem que falta a tantos de nós, que se refugiam em argumentos de cobardia e conveniência.
Talvez seja isso o que mais nos falta em tempos de eleições: lembrar que o progresso de uma nação, de um concelho ou de uma freguesia não se mede em “likes”, partilhas ou comentários, mas na capacidade do seu povo de resistir à manipulação, de pensar com lucidez e de preservar o valor da razão e da moralidade humana sobre o ruído.
Artigo de Opinião de Cecilia Brasil






