OPINIÃO

OPINIÃO | O Futuro da IA é Imperfeito, por Roberto Lino

Roberto Lino CEO, AZORESX
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Estamos a construir Inteligência Artificial como se a perfeição fosse o destino final. Os maiores talentos de Silicon Valley, a par de Estados-nação com ambições geopolíticas, estão numa corrida para criar a Superinteligência: uma máquina tão poderosa que poderá eclipsar completamente a mente humana.

E, no entanto, neste exato momento, a IA está longe de ser perfeita. Alucina. Falta-lhe profundidade emocional. Pode dar respostas perigosamente erradas com uma confiança absurda. Mas aprende a uma velocidade e numa escala que nenhum humano pode igualar, e o ritmo do seu desenvolvimento é mais rápido do que qualquer revolução tecnológica da história da humanidade.

A pergunta impõe-se: para onde vamos? Será a Superinteligência inevitável — ou sequer possível? E se chegar, que perigos trará consigo? Genesis, a última obra de Henry Kissinger em coautoria com Eric Schmidt e Craig Mundie, alerta que poderemos estar à beira de “uma grande inversão da cognição humana” se as máquinas ultrapassarem a nossa capacidade de as compreender. O futuro da IA não é apenas uma questão de inteligência; é uma questão de sobrevivência humana.


A Revolução Horizontal

A IA não é uma tecnologia vertical como o avião ou a lâmpada. É horizontal. Vai tocar tudo o que fazemos, tudo o que criamos, todos os sistemas que habitamos. Da ciência e saúde à política, à arte e à guerra, não haverá fronteira que a IA não atravesse.

Essa universalidade traz um desafio: como coexistimos com mentes sintéticas? Primeiro, trabalharemos lado a lado. Mais tarde, alguns de nós trabalharão para elas. Um futuro de simbiose humano–máquina, como Kissinger o definiu, poderá tornar-se a condição definidora do novo Homo technicus.

Mas isto levanta questões de dignidade, agência e identidade. Teremos ainda relevância quando as máquinas não apenas assistirem, mas também decidirem, definirem objetivos e moldarem a realidade?

Criatividade, Emoção e Falhas

A questão mais humana não é se a IA consegue calcular, mas se consegue sentir. Poderá alguma vez atingir as profundezas da emoção — a realidade crua e imperfeita de ser humano?

Acredito que isso só será possível quando a IA conseguir replicar as nossas falhas. Os nossos erros, as nossas inseguranças, os nossos medos irracionais e a forma como moldam as nossas escolhas. São estas “imperfeições” que constituem a essência da arte, da empatia e da autenticidade.

Pensei nisto ao ver o mais recente documentário do Bono – Stories of Surrender. O seu brilhantismo não está no espetáculo, mas na vulnerabilidade de um homem disposto a expor medos, inseguranças e falhas. A IA pode gerar prosa impecável, melodias afinadas ou imagens tecnicamente perfeitas — mas não consegue sangrar. Não consegue confessar. Essa ausência é o que mantém as suas criações ocas, pelo menos por agora.

O Paradoxo do Progresso

Talvez o segredo para potenciar o trabalho com IA hoje não seja perseguir a perfeição, mas sim incorporar a humanidade — com todas as falhas — no processo.

Porque aqui está o paradoxo: quanto mais a IA se aproxima da perfeição, menos relacionável se torna. E quanto mais tentamos torná-la perfeita, mais perigosa se torna a corrida para a dominar.

A nossa natureza imperfeita não é um defeito a ser corrigido. Pode ser a única característica capaz de garantir equilíbrio num mundo onde as máquinas já nos superam em velocidade, escala e raciocínio.

Conclusão: Abraçar a Imperfeição

O futuro da IA é imperfeito — e assim deve ser. Para avançarmos, temos de resistir à tentação de construir máquinas impecáveis ignorando as nossas próprias falhas. Devemos, antes, procurar uma parceria que combine a precisão da máquina com a vulnerabilidade humana.

 IA pode descobrir verdades para além da nossa compreensão. Mas só os humanos conseguem transformar essas verdades em significado. E o significado, no fim, nasce não da perfeição, mas das nossas falhas.

Roberto Lino
CEO, AZORESX 

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.