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OPINIÃO | As Cores da História Americana: Comemorando a diversidade – Abraçando a Inclusão

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“Todos os grandes sonhos começam com um sonhador. Lembrem-se sempre que têm dentro de vós a força, a paciência e a paixão para alcançar as estrelas e mudar o mundo.” -Harriet Tubman   

O Mês da História Negra, celebrado anualmente em fevereiro nos Estados Unidos, serve para reconhecer e honrar as realizações, contribuições e lutas dos afro-americanos ao longo da história da nação. Criada pelo historiador Carter G. Woodson como “Semana da História dos Negros” em 1926 e posteriormente alargada a todo o mês de fevereiro em 1976, esta celebração não só reconhece a rica herança dos afro-americanos como também sublinha o seu papel essencial na formação da sociedade, da política, da cultura e da justiça americanas. Desde a promoção dos direitos civis até à excelência nas artes, ciências, desporto e literatura, os negros americanos influenciaram profundamente a trajetória da nação, reforçando os ideais de liberdade, igualdade e democracia.  Nunca foi tão importante, particularmente nos últimos 50 anos, como hoje, em que a diversidade, equidade e inclusão estão sobre assalto pelos mais altos poderes das entidades nacionais americanas.  É que como escreveu a poeta afro-americana, Gwendolyn Brooks: “Somos a colheita coletiva; somos o empreendedorismo coletivo; somos a magnitude e o vínculo coletivo.”

Desde os primórdios da história americana, os afro-americanos têm lutado incansavelmente pela justiça racial e social, muitas vezes com grande risco pessoal. Os africanos escravizados trazidos para a América do Norte no século XVII suportaram dificuldades inimagináveis, mas resistiram à opressão de inúmeras formas, desde revoltas a atos subtis de desafio que preservaram a sua identidade cultural.  O movimento abolicionista do século XIX foi liderado por figuras como Frederick Douglass, um ex-escravo que se tornou uma das principais vozes da emancipação e da igualdade. Douglass ficou famoso por declarar: “Se não há luta, não há progresso”, enfatizando a necessidade do ativismo para alcançar a justiça. Os seus esforços, juntamente com os de Harriet Tubman, Sojourner Truth e outros, ajudaram a preparar o caminho para a abolição da escravatura através da 13ª emenda da constituição americana em 1865.  O que Malcolm X, magistralmente sintetizou: “Não se pode separar a paz da liberdade, porque ninguém pode estar em paz se não tiver a sua liberdade.” 

Dai que a luta pela justiça continuou no século XX com o Movimento dos Direitos Civis. Líderes como Martin Luther King Jr., Malcolm X, Rosa Parks e Fannie Lou Hamer desafiaram a segregação e a discriminação através de protestos não violentos, batalhas legais e organização popular. As palavras de King no seu discurso “I Have a Dream” (Eu tenho um sonho) de 1963 ainda hoje ressoam: “Tenho o sonho de que um dia esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado do seu credo: ‘Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais’”.

Apesar dos progressos, a desigualdade racial persiste, exigindo uma defesa contínua. O movimento Black Lives Matter, iniciado em resposta à brutalidade policial e ao racismo sistémico, ecoa as lutas das gerações passadas, enquanto abraça o ativismo moderno através dos meios de comunicação social e de campanhas de sensibilização globais. Figuras como Colin Kaepernick, Angela Davis e Bryan Stevenson recordam-nos que a luta pela justiça é contínua e essencial para cumprir a promessa democrática da América.  Angela Davis, ainda há pouco nos relembrou que: os muros tombados são pontes.

Contributos para a sociedade americana

Na Política e na Justiça

Os afro-americanos deram contributos notáveis em todos os aspetos da vida americana, desde a política e o direito, à ciência, á literatura, á música e ao desporto, entre outros segmentos da sociedade americana. A eleição de Barack Obama como o primeiro presidente afro-americano no ano de 2008 constituiu um marco histórico, demonstrando o progresso na igualdade racial. A presidência de Obama refletiu as aspirações de muitas gerações que lutaram pelos direitos civis. Como afirmou Obama, parafraseando Martin Luther King Jr., “o arco do universo moral pode inclinar-se para a justiça, mas não se inclina por si só”. Outros pioneiros políticos incluem Shirley Chisholm, a primeira mulher negra eleita para o Congresso, e Kamala Harris, a primeira mulher negra a servir como vice-presidente.  A presença de afro-americanos em ambas as Câmaras do Congresso tem sido um marco importante para a multiculturalidade americana. 

Os afro-americanos também desempenharam um papel crucial nos avanços jurídicos. Thurgood Marshall, o primeiro juiz negro do Supremo Tribunal, defendeu com êxito o caso Brown vs. Conselho de Educação (1954), que declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas. Mais recentemente, figuras como Ketanji Brown Jackson, a primeira mulher negra no Supremo Tribunal, continuam este legado de defesa e progresso jurídico.

Na ciência e na inovação

Cientistas e inventores negros transformaram indústrias e melhoraram vidas. George Washington Carver revolucionou a agricultura através de técnicas agrícolas inovadoras e Charles Drew foi pioneiro em métodos de transfusão de sangue, salvando inúmeras vidas. A matemática da NASA Katherine Johnson, cujos cálculos foram vitais para o sucesso das primeiras missões espaciais, quebrou barreiras nos domínios STEM, inspirando as novas gerações. Nas palavras de Johnson, “Teremos sempre as STEM connosco. Algumas coisas deixarão de ser vistas pelo público e desaparecerão, mas haverá sempre ciência, engenharia e tecnologia”, realçam a importância duradoura dos contributos científicos.

Artes, literatura e cultura

Escritores, artistas e músicos negros influenciaram profundamente a cultura americana. O Renascimento do Harlem, na década de 1920, assistiu à ascensão de gigantes da literatura como Langston Hughes, que escreveu a famosa frase: “Agarrem-se aos sonhos, pois se os sonhos morrem, a vida é um pássaro de asas quebradas que não pode voar”. Hughes, e os seus contemporâneos, incluindo Zora Neale Hurston e Claude McKay, deram forma a um movimento cultural vibrante que continua a inspirar americanos de todas as culturas.

Na música, os artistas negros criaram e popularizaram géneros como o jazz, o blues, o gospel, o hip-hop e o rock and roll. Louis Armstrong, Duke Ellington e Bessie Smith lançaram as bases da música americana moderna, enquanto figuras contemporâneas como Beyoncé, Kendrick Lamar e Janelle Monáe usam as suas plataformas para, através da sua arte, abordarem questões de justiça racial e social. Questões que continuam pertinentes, mesmo que os atuais poderes nos queiram tapar o sol com a peneira.  Tal como Opra Winfrey é citada como tendo dito, na realidade: “Uma das coisas mais difíceis de aprender na vida é quais as pontes a atravessar e quais as pontes a queimar.” 

No Desporto

Os afro-americanos redefiniram o panorama do desporto, demonstrando excelência e resiliência. Jackie Robinson quebrou a barreira da cor na Major League Baseball em 1947, abrindo caminho para as futuras gerações de atletas negros. Serena Williams, Muhammad Ali e LeBron James não só dominaram os seus respetivos desportos, como também usaram a sua influência para defender a justiça racial e social. As poderosas palavras de Ali, “O serviço aos outros é a renda que pagas pelo teu quarto aqui na terra”, refletem a responsabilidade mais ampla que muitos atletas negros assumem ao utilizarem as suas plataformas para a mudança, que é sempre baseada na diversidade, na equidade e na inclusão.

O Mês da História Negra nos EUA é pois mais uma oportunidade para se reconhecer a resiliência, a criatividade e as realizações dos afro-americanos, e debater-se os desafios que enfrentam. É um momento para refletir sobre o passado, para celebrar o progresso e para nos empenharmos, independentemente da cor da nossa pela ou das nossas experiências culturais, num futuro mais justo e equitativo. A educação e a consciencialização são componentes fundamentais para abordar as injustiças raciais e o Mês da História Negra proporciona aos EUA uma plataforma estruturada para esses debates nas escolas e universidades, nos locais de trabalho, nas bibliotecas e instituições culturais, e nas nossas respetivas comunidades.

Como afirmou o antigo Presidente Barack Obama, “A mudança não virá se esperarmos por outra pessoa ou se esperarmos por outro momento. Nós somos aqueles por quem temos estado à espera. Nós somos a mudança que procuramos”. Este apelo à ação sublinha a importância não só de reconhecer a história dos negros, mas também de trabalhar ativamente para garantir que os princípios da justiça e da igualdade sejam respeitados por todos.  Princípios que estão cada vez mais em causa e que podem ser completamente alterados se a sociedade civil não se organizar e não lutar.  

Não é exagero dizer-se que os contributos dos negros americanos para os Estados Unidos são incomensuráveis e afetam todos os aspetos da sociedade. A sua busca incessante de justiça, as suas inovações culturais e as suas realizações revolucionárias recordam-nos que a força da América, apesar de toda a retórica do ódio e de uma meritocracia hipócrita da oligarquia americana, reside na sua diversidade. 

O Mês da História Negra não é apenas uma comemoração do passado, mas uma memória constante de que a luta pela igualdade continua. Ao honrarmos o legado dos afro-americanos, reafirmamos a nossa responsabilidade coletiva de construirmos uma sociedade mais inclusiva e justa. Nas palavras de Maya Angelou, “Todos nós devemos saber que a diversidade faz uma tapeçaria rica, e devemos compreender que todos os fios da tapeçaria têm o mesmo valor, independentemente da sua cor.”

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.