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OPINIÃO | Celebrando a Diversidade: a Literatura Hispânica na Formação da Narrativa Multiétnica dos Estados Unidos, por Diniz Borges

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“Penso que o nosso trabalho como escritores 
e como seres humanos é dizer algo tão autêntico 
quanto possível, escrever histórias que façam o leitor
 sentir-se menos sozinho e tentar reparar a condição 
humana através da linguagem”

Sandra Cisneros escritora americana de origem mexicana

O Mês da Herança Hispânica nos Estados Unidos é celebrado anualmente de 15 de setembro a 15 de outubro. Esta celebração de um mês homenageia as histórias, culturas e contribuições dos hispânicos e latino-americanos. A data de início, 15 de setembro, é significativa porque marca os aniversários da independência de vários países da América Latina, incluindo a Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. O México celebra a sua independência a 16 de setembro e o Chile a 18 de setembro. O mês também reconhece a influência de indivíduos de ascendência hispânica na formação da cultura e da sociedade dos Estados Unidos.  Entre todos os contributos, os hispânicos, têm contribuído imenso para a literatura americana.  Não imagino a literatura americana sem a presença dos escritores hispânicos, os quais têm, magistralmente, adicionado uma multitude de valores às narrativas multiétnicas e multiculturais deste país.     

A literatura hispânica nos Estados Unidos tem uma história longa e vibrante que reflete as experiências complexas e diversas das comunidades hispânicas. Com raízes que remontam à época colonial e uma trajetória que continua a evoluir no século XXI, a literatura hispânica dos EUA abrange uma vasta gama de géneros, temas e perspetivas. Explora questões como a identidade, a migração, a língua, a justiça social e o hibridismo cultural, enquanto aborda experiências humanas universais como o amor, a família e a pertença. À medida que a população hispânica nos EUA cresce, nota-se a importância da literatura hispânica, como uma força cultural e política dentro da paisagem mais ampla da literatura americana.

As origens da literatura hispânica nos Estados Unidos estão intimamente ligadas à história colonial do país, particularmente nas regiões do Sudoeste que antes faziam parte do México. Antes da anexação desses territórios pelos Estados Unidos após a Guerra Mexicano-Americana (1846-1848), exploradores, missionários e colonos espanhóis produziam obras escritas no que hoje é o Sudoeste americano. Um dos primeiros exemplos de literatura hispânica nos EUA são os escritos de Gaspar Pérez de Villagrá, que relatou a colonização espanhola do Novo México no seu poema épico de 1610 História de la Nueva México. A sua obra, juntamente com outras dos primeiros colonos e missionários hispânicos, lançou as bases da tradição literária hispânica no que viria a ser os Estados Unidos.

Quando essas regiões do Sudoeste foram agregadas pelos Estados Unidos, as comunidades mexicanas e espanholas que haviam vivido nessas áreas durante séculos viram-se subitamente como estrangeiras na sua própria terra. Essa experiência de deslocamento cultural e marginalização política tornou-se um tema importante nos escritos iniciais da literatura hispânica em terras do Tio Sam. Escritores dessas comunidades, como María Amparo Ruiz de Burton, usaram a literatura como meio de criticar as injustiças sociais e políticas que enfrentavam. O romance de Ruiz de Burton, The Squatter and the Don, de 1885, é uma das primeiras obras conhecidas da literatura mexicano-americana, explorando os conflitos entre proprietários de terras mexicanos e colonos anglo-americanos na Califórnia.

A segunda metade do século XX marcou uma grande mudança na literatura hispânica nos EUA, particularmente com o surgimento do Movimento Chicano nas décadas de 1960 e 1970. Este movimento político e cultural, centrado nas lutas pelos direitos civis dos americanos de origem mexicana, deu origem a uma nova geração de escritores que procuraram recuperar a sua identidade cultural e abordar as desigualdades sociais enfrentadas pelas suas comunidades. O próprio termo “chicano” tornou-se um símbolo de orgulho e resistência, e a literatura chicana surgiu como uma poderosa forma de expressão.

Uma das figuras mais influentes deste movimento foi Rodolfo “Corky” Gonzales, cujo poema I Am Joaquín, de 1967, cedo se tornou um texto icónico do Movimento Chicano. Neste poema épico, Gonzales traça as raízes históricas e culturais do povo chicano, afirmando o seu direito à autodeterminação política e cultural. O poema fala das lutas de identidade e assimilação, celebrando, simultaneamente, a herança indígena e mestiça.

Uma outra voz fundamental no desenvolvimento da literatura chicana foi Tomás Rivera, cujo romance de 1971, E a terra não o devorou, é considerado uma obra de referência no género. O romance conta as histórias de trabalhadores rurais migrantes do México nos EUA, concentrando-se na pobreza, na exploração e na marginalização. O uso que Rivera faz de estruturas narrativas fragmentadas e perspetivas variáveis mostra-nos as experiências desorientadoras e desumanas dos trabalhadores migrantes, manifestando um profundo sentido de humanidade e resiliência.

Outros escritores proeminentes que surgiram durante esse período incluem Rudolfo Anaya, cujo romance Bless Me, Ultima (1972) é amplamente considerado como uma das obras mais importantes da literatura chicana. O romance, integrado na zona rural do Novo México, explora temas de identidade cultural, espiritualidade e o choque entre as crenças tradicionais mexicanas e o mundo americano moderno. A obra de Anaya tem sido celebrada pelo seu esplêndido retrato do folclore mexicano-americano e pela sua análise da experiência de amadurecimento da juventude chicana.

Embora a literatura chicana tenha sido historicamente o ramo mais proeminente da literatura hispânica nos EUA, outras comunidades também deram contributos significativos para a paisagem literária. A literatura cubano-americana, em particular, foi moldada pela experiência do exílio, uma vez que muitos escritores cubanos vieram para os EUA após a revolução cubana de 1959. Para esses escritores, os temas da deslocação, da identidade e da saudade de uma pátria perdida têm sido centrais nas suas obras.

Um dos mais proeminentes escritores cubano-americanos é Reinaldo Arenas, cujo romance autobiográfico Before Night Falls (1992) detalha a sua vida como escritor dissidente gay numa Cuba revolucionária e sua eventual fuga para os EUA. A sua escrita é tanto um testemunho pessoal como um comentário mais alargado sobre os desafios enfrentados por aqueles que são forçados a fugir da sua terra natal.

Outra escritora cubano-americana extremamente influente é Cristina García, cujo romance Dreaming in Cuban (1992) explora a vida de três gerações de mulheres cubanas, tanto em Cuba como no exílio nos EUA. O romance reflete sobre o impacto da revolução cubana nas famílias, particularmente as tensões entre os que permanecem em Cuba e os que emigram. A prosa lírica de García e o uso do realismo mágico refletem os profundos laços emocionais e culturais que unem as suas personagens à sua terra natal, mesmo quando navegam pelas complexidades da vida na diáspora.

A literatura cubano-americana também foi enriquecida pelas vozes de gerações mais jovens de escritores, como Achy Obejas e Richard Blanco. Obejas, em obras como Memory Mambo (1996), explora as intersecções de género, sexualidade e identidade cubano-americana, enquanto Blanco, que fez história em janeiro de 2013 ao ser o primeiro poeta latino, e abertamente homossexual, a ler um poema na tomada de posse de um presidente americano, o segundo mandato de Barack Obama, usa a sua poesia para refletir sobre temas de pertença, identidade e memória cultural.

A literatura porto-riquenha tem uma história única, moldada pelo estatuto de Porto Rico como território dos EUA e pela grande migração de porto-riquenhos para o continente, em particular para a cidade de Nova Iorque, durante vários períodos do século XX. O Movimento Nuyorican, que surgiu nas décadas de 1960 e 1970, foi um movimento cultural e literário que procurou dar voz às experiências dos porto-riquenhos que viviam em Nova Iorque. Tal como o Movimento Chicano, o Movimento Nuyorican era profundamente político, abordando questões como a pobreza, o racismo e a identidade cultural.

Uma das figuras mais proeminentes do Movimento Nuyorican foi o poeta e dramaturgo Miguel Piñero, cuja peça Short Eyes, de 1974, é uma crítica poderosa ao sistema prisional americano e à marginalização de homens porto-riquenhos e afro-americanos. O trabalho de Piñero, muito do qual foi moldado pelas suas próprias experiências de encarceramento, reflete as duras realidades da vida de muitos porto-riquenhos nos EUA, e celebra a resiliência e a criatividade das comunidades latinas urbanas.

Outra voz importante na literatura porto-riquenha é o poeta e ativista Pedro Pietri, cujo poema Puerto Rican Obituary (1973) tornou-se um hino para o Movimento Nuyorican. O poema critica o sonho americano como uma fantasia inatingível para muitos porto-riquenhos, que trabalham incansavelmente em empregos mal remunerados enquanto permanecem marginalizados e oprimidos. A obra de Pietri é marcada por seu humor, extremamente mordaz, e sua profunda empatia pelas lutas dos imigrantes porto-riquenhos.

O legado do Movimento Nuyorican continua a influenciar escritores porto-riquenhos contemporâneos, como o poeta e performer Tato Laviera e a romancista Esmeralda Santiago. O livro de memórias de Esmeralda Santiago, When I Was Puerto Rican (1993), conta a história de sua infância em Porto Rico e sua migração para Nova York, oferecendo uma exploração matizada dos desafios de assimilação e identidade cultural para as mulheres porto-riquenhas.

Nestas primeiras duas décadas do século XXI, a literatura hispânica nos EUA continua a crescer e a diversificar-se, refletindo a crescente complexidade das identidades hispânicas e latinas em terras do Tio Sam. Escritores de uma grande variedade de origens – mexicanos, cubanos, porto-riquenhos, dominicanos, centro-americanos e sul-americanos – estão a contribuir para a rica tapeçaria da literatura dos EUA, trazendo novas perspetivas e vozes para o primeiro plano literário americano.

Um dos mais relevantes escritores hispânicos contemporâneos é o romancista de origem dominicana Junot Díaz, cujo romance vencedor do Prémio Pulitzer, The Brief Wondrous Life of Oscar Wao (2007), explora a diáspora dominicana e o impacto duradouro da ditadura de Trujillo nas famílias dominicanas. O uso do spanglish  (espaninglês—como o nosso portinglês) por Díaz e a mistura de referências da cultura pop com narrativas históricas refletem o hibridismo da experiência latina nos Estados Unidos.

A ascensão de escritores centro-americanos, como o poeta e romancista salvadorenho-americano Javier Zamora, cujo livro de memórias Solito (2022) relata a sua viagem como criança migrante para os EUA, solidifica a crescente visibilidade das narrativas centro-americanas na literatura hispânica. Estas histórias destacam, frequentemente, as duras realidades da migração, da violência e da deslocação.

Ao terminarmos mais um mês dedicado aos hispânicos nos Estados Unidos, relembramos que literatura hispânica neste país é um corpo de trabalho vibrante e diversificado que disserta sobre as experiências complexas das comunidades hispânicas em todo o país. Rica em temas de identidade, migração, herança cultural e justiça social, esta literatura abrange vários géneros, desde poesia e ficção narrativa a memórias e teatro, explorando as intersecções de raça, etnia, língua e pertença.  No seu conjunto dão-nos uma visão poderosa dos desafios e triunfos da vida numa sociedade multicultural. 

A literatura hispânica não só preserva as vozes únicas das culturas latinas, como também contribui para um cânone literário americano muito mais alargado, com histórias que ressoam com leitores de todas as origens, incluindo este açoriano. 

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.