OPINIÃO | Unidos pela Descoberta: Ensinando e Aprendendo com os Meus Netos, por Diniz Borges
Sempre ouvi que os avós ocupam um lugar único e estimado na estrutura familiar. Não só são portadores de sabedoria e experiência, como também servem de elo vital para a história e o património cultural das famílias. Num mundo multiétnico e multicultural como é o caso dos Estados Unidos da América, e em particular o estado da Califórnia, onde cada geração emigrante tenta passar para as futuras gerações filamentos culturais e identitários, a relação multifacetada dos avós, a sua influência na dinâmica familiar e o significado que possuem como como guardadores da história da família e do legado cultural são imprescindíveis. Apesar de, como avô, neste mundo americano, sentir-me que jamais possuirei a mesma estatura que os meus avós tiveram com as influências que me passaram, ou que os meus pais e sogros passaram para os meus filhos.
Tenho um avô à distância. Com o meu filho a exercer carreira militar nos EUA, os meus dois netos tiveram experiências em várias longitudes e latitudes, daí que, geograficamente, sempre vivemos distantes. Não houve a presença frequente que por vezes dá uma enorme riqueza às interações familiares. A presença física tem sido relacionada com alguns dos habituais feriados e momentos de festa familiar e com o passeio anual de avós e netos que fizemos os quatro (eu, a minha mulher, e os nossos dois netos-Gavin e Madelyn) durante vários anos. Esses períodos especiais serviram-me para lhes dar o que sempre achei fundamental na relação avô-neto: amor incondicional, apoio e quando possível orientação, sem imposição. Apesar da distância física, enche-me a alma, esta relação entre avô e netos que partilhamos. As pequenas nuances, os gestos, as pequenas cumplicidades, a partilha de sonhos e desejos, que para mim, podem ser caracterizadas como um sentimento único do amor, do respeito mútuo e de uma emoção ímpar: a pertença. É sempre grato, em cada momento agrupamento familiar, as pequenas e insignificantes lições de vida que lhes partilho, e a constante tentativa de incutir valores fundamentais da cultura portuguesa e açoriana que podem contribuir para o seu desenvolvimento moral, emocional e cultural.
Nesta ligação geograficamente distante, se bem que encurtada pelas novas tecnologias, um dos aspetos que mais nos liga, e que agora na juventude (o meu neto com 18 e a minha neta com 14 anos de idade) é a apreciação que ligam quando o avô é o “contador de histórias da família.” Esses momentos, que trago com reconhecida recordação da minha avó paterna e do meu avô materno, facultam-nos momentos muito bonitos em torno das origens da família, das tradições e das histórias ancestrais que tento transmitir-lhes, sempre esperançoso que num canto do seu ser, lá estará a presença de uma amálgama de histórias que fazem parte de quem eles são. Através destas narrativas orais (lá está o avô com mais uma história…), encontros familiares e anedotas pessoais, tento, neste mundo cada vez mais interligado e desligado, assegurar-lhes que o legado da nossa família é parte integrante da sua idiossincrasia.
Por estarmos longe, cada reunião de família, cada momento que passamos juntos serve como fonte de informação sobre o património cultural da nossa família, incluindo costumes, rituais e lugares da terra natal dos seus antepassados. Partilho memórias de gerações passadas, contando acontecimentos históricos, os nossos triunfos e os nossos desafios que moldaram a identidade da nossa família através de várias gerações. Sinto, quem sabe se falaciosamente, que ao transmitir-lhes estes conhecimentos, suscitar um sentimento de orgulho (no bom sentido da palavra) e de ligação às raízes, promovendo uma apreciação mais profunda da diversidade cultural e do nosso património familiar. Preocupa-me que em cada precioso momento da nossa presença física seja uma festa com a transmissão de valores e tradições. Quer através das tradições culinárias, quer das celebrações anuais onde lá está, uma palavra, um gesto, uma informação em história (por vezes mal contada) que lhes transmite a importância da preservação cultural. Ensinando, com atividades lúdicas, o significado da sua herança cultural, infundindo-lhes um sentimento de pertença e identidade que transcende as fronteiras geográficas.
Há anos, num seminário com professores de língua e cultura portuguesa no mundo americano, falou-se sobre a influência dos avós, para além das relações individuais e afetivas, mas como agentes da identidade numa sociedade multicultural. Como a sua presença e o seu envolvimento na vida familiar contribuem para um sentido de continuidade e legado, reforçando valores e tradições partilhados que unem a família. Recordo de ter ouvido: os avós funcionam como embaixadores culturais, transmitindo a língua, os costumes e as crenças que definem a identidade coletiva da família. Hoje, com dois netos, vejo, em primeira mão, como os avós servem de modelo para as gerações futuras, personificando a resiliência, a perseverança e o poder duradouro dos laços familiares. Sinto que as histórias da família, muitas com a superação de adversidades, com uma saca de sonhos, e repletas com a construção de ligações significativas, podem servir-lhes de inspiração, ajudando, mesmo que seja de uma forma muito pacata, a ajustar os seus valores e aspirações.
Tornar-me avô tem sido uma experiência profunda e transformadora contendo uma riqueza de emoções, responsabilidades e recompensas. Marcou um novo capítulo na minha vida, cheio de oportunidades para transmitir estórias, criar memórias perduráveis e deixar um legado, não meu, mas da nossa história como família, para as gerações futuras. Sabemos que o conceito de paternidade evoluiu significativamente ao longo do tempo, refletindo mudanças nas normas sociais, estruturas familiares e dinâmicas geracionais. Tradicionalmente, os avós eram vistos como patriarcas e figuras de autoridade no seio da família, responsáveis pela orientação, disciplina e apoio. Assim eram os meus avós. Embora este papel continue a ser importante em algumas culturas, a paternidade moderna abrange uma gama mais vasta e com outras responsabilidades. Hoje, os avós são vistos como cuidadores carinhosos e envolvidos, participando ativamente na vida e no desenvolvimento dos seus netos. Servem de mentores, modelos e fontes de amor e apoio incondicionais, fomentando laços fortes e ligações significativas com os netos. E é nessa evolução que me revejo, sempre marcada pelos enormes espaços geográficos, mas perto, muito perto, nos afetos, e sempre presente, nos momentos festivos e nos momentos mais desafiantes. Num mundo de ensinamentos e aprendizagens.
Como se sabe, os netos são naturalmente curiosos e ansiosos por explorar o mundo que os rodeia. Fazem perguntas, procuram respostas e abordam novas experiências com um sentido de admiração e entusiasmo. Esta curiosidade tem-me sido contagiante e tem-me ajudado imenso a redescobrir o meu próprio sentido das maravilhas deste mundo. Através dos olhos dos meus netos, tenho aprendido a ver o mundo com uma nova perspetiva. Com os meus netos tenho aprendido o valor da flexibilidade, da resiliência e da capacidade de adaptação aos desafios da vida. Eles sempre me têm demonstrado, nas mais variadas circunstâncias, que os contratempos são oportunidades de crescimento e que a mudança é uma parte natural da jornada da vida.
Ao longo dos últimos 18 anos, os meus netos têm-me dado um sentido de divertimento e criatividade. Quer na construção de castelos na areia, nos jogos imaginários ou a criar “obras de arte” em conjunto, os meus netos incentivaram-me a abraçar o meu lado lúdico e a alimentar a minha limitada criatividade. Através destes momentos de folguedo, criámos laços, rimos e criámos recordações que, pelo menos para mim, serão sempre verdadeiros tesouros. As interações com os meus netos ensinaram-me as virtudes da paciência e da compreensão. Com a sua capacidade de testar os limites, de fazerem perguntas intermináveis ou de expressarem emoções de formas inesperadas, eles ensinaram-me a praticar a longanimidade, a ouvir atentamente e a responder com empatia e compreensão.
Foram os meus netos que me deram verdadeiras lições sobre o valor de aceitar a mudança e o crescimento. Com o seu crescimento e a sua evolução, pude testemunhar, em primeira mão, o poder transformador do desenvolvimento, desde marcos como aprender a andar ou a falar até mudanças mais profundas nas personalidades e nos seus interesses. Os meus netos, relembram-me, constantemente, que a vida é uma viagem de crescimento, aprendizagem e progresso.
A ligação intergeracional com os meus netos é, sobretudo, uma fonte de sabedoria, amor e aprendizagem mútua. As lições que me têm transmitido enriquecem-me tremendamente, aprofundam a minha compreensão do mundo, cultivando um legado de amor e conhecimento que atravessa gerações.
Talvez a lição mais profunda que me ensinaram foi a potência do amor incondicional. Sempre me amaram sem julgamentos ou reservas, aceitando o avô como é – com tantas imperfeições- e valorizando o vínculo que partilhamos. Estes amores incondicionais trouxeram-me novas interpretações sobre a importância da aceitação, do perdão e da força duradoura e sublime dos laços familiares.
*Uma versão mais sucinta deste texto foi incluída no livro Avós e Netos organizado pelas Professoras Aida Bapista e Manuela Marujo e lançado em Portugal no dia dos avós neste ano de 2024.