OPINIÃO | “Retalhos Soltos” para a História do Concelho da Calheta: Escola Básica Integrada do Topo – 25º aniversário, por Paulo Teixeira
Fajã de São João, 29 de julho de 2024
Paulo Teixeira
Os registos que hoje se fazem são muitos e variados que dificilmente o futuro não se encontrará com este dia comemorativo dos 25 anos da Escola Básica Integrada do Topo, desde logo pelo nosso amigo Maurício De Jesus que tem feito um extraordinário trabalho na Rádio Ilhéu, contudo o registo em papel é outra coisa e assim compomos este pequeno retalho como contributo e felicitação a toda a comunidade da EBI do Topo e das populações de Santo Antão e Topo.
No meu tempo de escola existiam duas escolas primárias na freguesia do Topo (2+1 salas de aula) e três em Santo Antão, num total de 9 salas de aula, sendo 3 no Cruzal, 2 em São Tomé e as restantes quatro no centro da freguesia.
Os atuais 5º e 6º anos eram então ministrados em regime de 1º e 2º anos da Telescola. Sim, escola pela televisão! E um professor dava para as ciências e outro para as letras. Estas aulas funcionavam na escola de Santo Antão que era a maior e mais central. O transporte feito numa Peugeot 404 de caixa aberta com uma capota em madeira ou chapa. Questões de segurança ou de conforto nem eram consideradas. Quanto se evoluiu! A carrinha saía do Topo, deixava os alunos na escola de Santo Antão e ia até S. Tomé recolher os restantes alunos. As aulas eram das 13h00 às 18h00 horas e o percurso de regresso era o inverso de forma a terminar no Topo.
O próximo grau de ensino tinha de ser na Calheta para se frequentar os 7º, 8º e 9º anos. O autocarro era o da carreira geral, que saía do Topo bem cedinho e passava cerca das 7h00 na “barraca dos velhos”, a minha paragem. Chegado à Calheta, ficávamos na paragem junto à ex. escola primária da Calheta, onde há 40 anos morria Benvinda de Fátima da Silva num trágico acidente. Aliás, penso que poderia ser interessante dar o seu nome àquela paragem e ali recordar a aluna do 8º ano, natural de São Tomé que, no dia 19 de janeiro, a menos de um mês de comemorar o seu 14º aniversário, ali deu o seu último suspiro.
Isto fizesse chuva ou vento, havia que desenrascar, fazendo o restante percurso até à escola preparatória a pé e lá voltávamos ao fim do dia para regressar a casa, onde se chegava cerca das 18h, mesmo a tempo de apanhar a abertura da RTP Açores que então era canal único e funcionava entre as 18h30 e as 24h. Eram quase 12h fora de casa!
Terminado este ciclo, a opção para continuar os estudos passava por S. Miguel, Faial ou Terceira. Foi esta última que me acolheu três anos e onde à mistura das saudades, também, me proporcionou experiências diferentes, como viver 3 anos no orfanato dos rapazes na Penha de França (Pico da Urze), como ser campeão açoriano de juniores pelo Lusitânia, com o saudoso professor José Humberto Serpa; tocar musica na Fanfarra Operária Gago Coutinho e Sacadura Cabral, onde passei muitas matinés a ver sessões duplas de filmes e ser músico fundador da filarmónica das Cinco Ribeiras, sob a direção do mestre António Tomé Reis, que recentemente nos deixou e a quem deixo esta pequena homenagem a um homem que verdadeiramente adorou as filarmónicas.
Esta pequena descrição para mostrar a evolução que permitiu que hoje o ensino esteja ao alcance de todos, sendo que até ao 9º ano podem continuar a frequentar a EBI do Topo, prosseguir na EBS da Calheta e só sair da ilha para a Universidade.
Temos um passado e presente, mas que nos reserva o futuro?
No dia 6 de junho de 2024, a hora do voo da SATA para São Jorge passa da manhã para a parte da tarde e assim, à Exma. Sra. Secretária Regional da Educação, Cultura e Desporto foi impossível presidir à sessão solene comemorativa do 25º aniversário da EBI do Topo, prevista para as 11h00 de um belo dia, nas terras de Van der Haagen, (hoje patrono desta escola, que há mais de 500 anos aqui aportou e com as suas gentes povoou esta zona da ilha de São Jorge), o que teria acrescentado brilho e alcance à comemoração de tão simbólica data.
E como diz a canção “the show must go on” e a agilidade da organização rapidamente reenquadrou o programa da sessão solene que se iniciou com muito ligeiro diferencial em relação ao horário previsto.
No salão de festas do ex. convento de São Diogo, inaugurado no longínquo ano de 1661, o professor Rui Moreira, na qualidade protocolar de conduzir a cerimónia, declara formalmente aberta a sessão solene comemorativa do 25º aniversário da Escola Básica e Integrada do Topo, nesta vila que foi sede de Concelho de Vila Nova do Topo, até 1 de abril de 1871, convidando o Dr. Décio Pereira, Exmo. Presidente da Câmara Municipal da Calheta, as Professoras Ana Bela Oliveira e Cláudia Teixeira, respetivamente Presidentes do Conselho Executivo e da Assembleia da Escola a tomarem os seus lugares na mesa de honra.
Com o salão cheio, entre entidades locais, pessoal docente e de ação educativa, alunos e Encarregados de Educação, o Prof. Rui Moreira, convidou as Professoras Teresa Coelho e Alexandra Dias, a quem se juntaram os tocadores Raimundo Leonardes, João Gilberto do Canto e os irmãos Brasil, Luís e Isidro, a subirem ao palco para ao som das cordas dedilhadas com mestria, cantarem a “Chamarrita de São João”, uma moda tradicional e esquecida, aqui recuperada e apresentada num extraordinário exemplo daquilo que deve representar a escola no seio da comunidade.
A convite do chefe de protocolo, tomou lugar na tribuna, a Exma. Sra. Professora Ana Bela de Oliveira para numa breve, mas excelente intervenção, colocar de forma clara o dedo na ferida que vem afetando a ilha de São Jorge e sobretudo zonas como as freguesias de Santo Antão e Topo, onde o despovoamento e o envelhecimento são uma ameaça à sobrevivência da escola e das instituições destas comunidades, apelando aos governantes para a importância de enfrentar o problema com sério realismo.
Terminou, lembrando que nesta pequena escola há um coração grande que faz de toda a sua comunidade escolar uma grande família, onde, como em qualquer família se partilham tristezas e alegrias; onde se sofre com os insucessos e se rejubila com os sucessos e onde a partida de um aluno é um misto de sentimentos que deixa um vazio, cada vez mais difícil de preencher, mas de felicidade pela caminhada vitoriosa de mais um dos seus filhos.
Seguiu-se a projeção de um momento de “Testemunhos do quarto de Século” com mensagens de:
- Professor Dr. Álamo de Meneses, mui digníssimo Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo e há 25 anos o Secretário Regional da Educação que destacou o momento que se vivia de reforma do sistema educativo, com a passagem da escolaridade obrigatória para o 9º ano e da resistência à mudança que colocava fim aos 5º e 6º anos feitos em regime de telescola que funcionava na escola de Santo Antão, embora omitindo que a grande razão da resistência dos pais estava em ver os filhos terem de atravessar a Serra do Topo para frequentarem o ensino pós primeiro ciclo. Felicitou a escola, concluindo que tinha valido a pena resolver a escolaridade obrigatória das comunidades de Santo Antão e Topo com a construção da nova escola.
- Professora Dionísia Moreira, na qualidade de presidente da Comissão Instaladora, que felicitou a comunidade escolar e destacou que a EBI do Topo é o resultado do “desejo e sonho dos pais e da comunidade”, realçando o espírito positivo dos professores que trabalharam nesta escola e que tanto contribui para o bom ambiente que aqui se vive.
- A D. Elsie Marques, na qualidade de primeira funcionária administrativa da EBI do Topo, referiu-se à dificuldade desses primeiros tempos em que, por exemplo, para processar vencimentos tinha de fazer os 30 km (2x) para ir à Escola da Calheta.
- José Goulart Teixeira, na época Primeiro Presidente da Associação de Pais, recordou a luta intensa e a determinação que se vivia, que chegou a levar ao bloqueio da escola com tratores por causa da construção do ginásio. Não era justo mandar crianças de 10 anos para a Calheta, além do esvaziamento desta comunidade, concluiu congratulando-se por ter feito parte dessa conquista.
- A transmontana Sílvia Ferreira, atualmente a mais antiga professora da EBI do Topo, lembra a chegada da jovem que inicialmente se assustou com o ambiente que encontrou, mas que aqui enraizou a sua família.
- Deste período de transição, o então aluno José Brasil, deu o seu testemunho realçando as dificuldades de adaptação à mudança e às improvisadas instalações.
- A D. Guiomar Brasil Azevedo, hoje a mais antiga funcionária da EBI do Topo, congratulou-se com o espírito familiar que sempre se viveu nesta escola.
Presidindo à cerimónia, o Dr. Décio Pereira, começou a sua intervenção por dirigir umas simpáticas palavras à colega de escola e hoje Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica Integrada do Topo, Ana Bela Oliveira, realçando a clareza e pertinência da mensagem da sua intervenção, alertando para a importância de não haver mais castrações em terras onde as dificuldades são acrescidas.
Elevando a importância da comunidade escolar em sentido lato, e da família como elemento fundamental do suporte da sociedade, observou que é na escola que se tem muitas primeiras experiencias, como por exemplo os primeiros amores, reforçou a necessidade de se reformar o sistema de ensino, em que assente na formação académica deve envolver a realidade das vivencias para que não se chegue ao ponto de pensar que os “tomates nascem numa lata no supermercado”.
Terminou a sua intervenção felicitando a EBI do Topo, como pilar fundamental e de suporte da comunidade de Santo Antão e do Topo, terras onde nascem tantas coisas boas.
Num momento de elevada carga emocional, intitulado de “Preservar a Memória”, muitas foram as lágrimas que ameaçaram transformar-se num diluvio no “salão de festas” conforme os rostos eternizados por uma qualquer máquina nos levavam a recordar as pessoas que fizeram parte desta comunidade escolar e que partiram da vida presente; uma raiva revoltante a apoderar-se de quem vê alunos de uma jovem escola que nem tiveram oportunidade de viver a tristeza e alegria, dos sucessos e insucessos da sua caminhada para conquistar o mundo, bem como professores e funcionários. Um momento bonito de reconhecimento, mas de forte tensão emocional, ao observar sorrisos de esperança em caras bonitas que deixam tantas saudades.
Chegou o momento de o Professor Rui Moreira lembrar e chamar ao palco os diversos executivos que ao longo destes 25 anos geriram os destinos da EBI do Topo para receberem a lembrança preparada para assinalar esta data.
1998 a 1999- Professoras Dionísia Moreira, Susana Cabral e Maria José Casimiro;
1999-2005- Professores Paulo Ribeiro, Vasco Pinto e Susana Cabral;
2005-2011- Professoras Ana Bela Oliveira, Paula Silva e Sílvia Ferreira;
2011-2020- Professores Graça Tavares, Jorge Simões, Ana Paiva, Teresa Coelho, Isabel Dias, Graciete Alves e Alexandra Dias;
2020- 2024- Professoras Ana Bela Oliveira, Paula Silva e Alexandra Dias.
Vasco Pinto, recebendo a lembrança do Professor Álamo de Meneses, deixou o testemunho do seu próprio tempo na EBI do Topo, onde se sentiu em casa, reforçando que esta escola marca as pessoas positivamente e muitos dos ex. professores com quem fala expressam saudades da EBI do Topo.
O professor Rui Moreira destacou a importância da colaboração recebida da Secretaria Regional da Educação, Cultura e Desporto, da Câmara Municipal da Calheta, das Juntas de freguesia de Santo Antão e Topo, chamando a palco para receberem as lembranças, Ana Bela Oliveira, em representação da Exma. Sra. Secretária Regional da Educação, Cultura e Desporto, Professora Sofia Ribeiro; o Dr. Décio Pereira, Lizandro Bettencourt e Natalina Bettencourt.
Foram ainda agraciados Matilde Vieira, Natália Sousa, Lúcia Reis, Manuel Jacinto Bettencourt, Valquíria Silva, Eduína Morais e a professora Cidália Pereira Brasil.
“Estudante Ilhéu” tocado e cantado pelos irmãos António e Manuel Severino foi como que o Hino que marca o encerramento de uma cerimónia, onde a qualidade da organização e do conteúdo são um exemplo para as comunidades, para quem as escolas devem ser uma luz orientadora para o progresso das sociedades.
O Professor Rui Moreira agradeceu a presença de todos, lembrando que se seguia o momento de descerramento da placa comemorativa e almoço convívio de partilha, como é apanágio da Escola Básica e Integrada do Topo.
Termina este retalho com votos que efetivamente se consiga encontrar solução para o despovoamento que esta e outras zonas enfrentam de forma geral no mundo mais rural do nosso território.