OPINIÃO | Seis Décadas de Tradição Açoriana na Califórnia: Uma História de Perseverança e Comunidade, por Diniz Borges
A presença açoriana na Califórnia tem mais de seis décadas. A nossa presença neste estado dourado, onde o sonho americano é refeito quotidianamente por um multiculturalismo impressionante, ronda as 15 décadas. Muitas das nossas associações, no caso das sociedades fraternais, do nosso movimento associativo ligado às irmandades do Espírito Santo, e da nossa comunicação social, os jornais, entenda-se, que começaram no século XIX. Há, entretanto, por todo este estado e por toda a nossa diáspora açoriana, uma amálgama de organizações que só nasceram com a comunidade emigrante das décadas de 1950 (fim dessa década) e 1960. Uma dessas organizações foi o Tulare-Angrense Atlético Clube que está a celebrar o seu jubileu de diamante, ou seja, 60 anos de vida. Quem vive nesta zona do Vale de São Joaquim, conhece bem esta associação, agora com mais de metade de um século de existência. Não é todos os dias que uma das nossas coletividades, começadas com a efervescência dessa década marcante na nossa emigração, 1960, celebra uma data tão significante. Daí este ser um momento de regozijo e de reflexão.
Primeiro, e acima de tudo há que saudar todos quantos através dos anos têm trabalhado para esta associação. O sonho de meia dúzia de atletas e amantes do futebol que, pouco a pouco foi ganhando espaço na comunidade. Tal como foi dito algures, é mais fácil começar-se uma associação do que mantê-la viva e ativa, particularmente nas novas comunidades que despontam todos os dias e nas novas vivências deste mundo do pós-modernismo. Por isso, é importante agradecer-se a quem no Tulare-Angrense, e em todo o nosso movimento associativo, trabalha, arduamente, pela manutenção e pela transformação, que mais tarde ou mais cedo, todas as nossas coletividades de origem portuguesa em terras americanas terão de fazer. Sim, todas, mesmo as mais relutantes.
O Tulare-Angrense nasceu como uma equipa de futebol. Foi fundado em fevereiro de 1964. A vasta maioria dos seus fundadores eram então jovens emigrantes acabados de chegar dos Açores, que nutriam o gosto pelo futebol. Durante vários anos triunfou nas ligas locais e estaduais. Um dos seus auges foi quando o famoso futebolista António Simões treinou a equipa. Apesar dos vales e montes, próprios de tudo na vida, ainda hoje o Tulare-Angrense mantém a sua equipa de futebol (várias e mistas) e explora diversificar-se para outras modalidades.
Com os anos, o Tulare-Angrense adquiriu a sua própria sede e hoje é um dos dois salões portugueses que a cidade de Tulare, geminada com Angra do Heroísmo há quase 60 anos, com cerca de 70 mil habitantes, perto de dez mil de origem portuguesa, possui. Hoje, o Tulare-Angrense, que abre o seu salão diariamente para sócios e amigos do clube, é um centro de convívio para o quotidiano de muitos desses então jovens dos anos sessenta, hoje aposentados. É ainda um espaço utilizado para várias celebrações do nosso calendário social, particularmente de índole popular.
No ano do seu cinquentenário, portanto há 10 anos, o Tulare-Angrense fez história nesta pacata cidade elegendo a primeira direção totalmente composta por mulheres. Algumas das nossas associações nesta cidade irmã de Angra do Heroísmo já tinham elementos femininos nos seus corpos diretivos. Até porque nesta contemporaneidade nem se deveria olhar a esse pormenor, mas a verdade é que ainda se olha, e na sociedade em geral, particularmente nos Estados Unidos, onde o sexo feminino representa 53% da população, as mulheres apenas ocupam 24% dos postos políticos. E atrás de muitos países deste belo planeta, ainda não tivemos uma mulher presidente. Já temos uma na vice-presidência, mas o clube machista, muitas vezes alimentado por velhos vícios, ainda persiste em ter o comando. Note-se que Donald Trump, o candidato do Partido Republicano à presidência, nem pensou em nomear uma mulher para concorrer com ele. Daí que em Tulare, eleger-se uma direção para uma associação desportiva e recreativa composta totalmente por senhoras foi um passo gigantesco. Ainda bem que o Tulare-Angrense deu esse passo. E tem tido ao longo dos últimos anos uma forte presença feminina nas suas direções.
Mais, esta associação, tal como várias outras coletividades lusas espalhadas por este estado, também já teve (e tem novamente) uma amalgama de jovens, incluindo vários jovens luso-descendentes, com menos de 35 anos de idade, que assumiram a presidência do clube durante as últimas duas décadas. Todos estes são passos importantes que uma associação tem de dar para manter-se ativa no século XXI. É que, tal como todo o nosso movimento associativo (mesmo aquelas associações que não o queiram admitir), o TAAC tem à sua frente uma amalgama de desafios. Os próximos anos na vida das nossas coletividades serão, indubitavelmente, anos de metamorfose e inovação. Quem não tiver uma imaginação colossal e quem não quiser aceitar a transmutação que ocorre, diariamente, nas nossas comunidades e nas nossas famílias estará sujeito ao desaparecimento. Quero acreditar que, a contrário de outras coletividades, o Tulare-Angrense, com os passos que já deu, e com outros que ainda dará, particularmente a infusão de gente nova que tem outras ideias e outras formas de ver as novas comunidades, deverá continuar por muitos anos. Aliás, como já o disse, em outras crónicas e outros espaços da nossa diáspora e nos Açores em espaços sobre a mesma diáspora, a nossa juventude, os novos adultos que por aí estão, e aqueles que ainda querem entrar no nosso movimento associativo, também terão que ser inovadores, porque se repetirem o mesmo que já foi feito isso não funcionará, melhor, trabalhará a curto prazo, mas não operará a médio e longo prazo e nem é bom para as comunidades. Não é bom para a diáspora que os jovens envolventes no nosso movimento associativo queiram, simplesmente, copiar, com uma mera mudança numa virgula ou num ponto exclamativo, o que os pais e os avós fizeram ou ainda fazem. Se não tiverem a ousadia, o intelecto e a visão para transformar, em alguns casos, radicalmente, as atividades e o funcionamento das nossas associações, então deixemo-las continuar nas mãos daqueles que as construíram e que ainda as alimentam com muito carinho. É necessário que tenhamos jovens inovadores, criativos e audazes. O que nem sempre tem acontecido. Alguns são mais retrógrados que os avós.
O importante neste momento é celebrar-se as bodas de diamante de uma das nossas mais emblemáticas associações portuguesas de Tulare. Uma associação conhecida em todo o estado e até mesmo nos Açores, particularmente na ilha Terceira, devido à forte ligação Tulare-Angra. Aliás, há várias décadas, antes dos intercâmbios que hoje se fazem, o Tulare-Angrense, com muito trabalho e sacrifício, sem ter o alicerce de uma abastada conta bancária, levou a sua equipa de futebol à ilha Lilás. É também outro aspeto que temos de ter na nossa diáspora e que aqui já refleti: o conhecimento da nossa história em terras americanas.
Salientemos e saudemos, efusivamente, uma das formas que o Tulare-Angrense quis celebrar em 2014 o seu cinquentenário. A sua presença no mundo americano. É que durante a feira do condado de Tulare, precisamente no desfile, o qual traz às principais artérias desta cidade mais de 35 mil pessoas, o TAAC construiu um carro alegórico, composto pelo tema forte da instituição, o desporto e desfilou-o neste que é o maior certame que a cidade e o condado de Tulare possuem. Esta é, como também já o disse, repetidamente e quase ad nauseam, o caminho para as nossas associações. Têm de sair do seu gueto e penetrarem, de uma vez por todas, o mainstream americano. Mas por incrível que pareça há jovens adultos que não compreendem isto! Ainda bem que o Tulare-Angrense compreendeu, daí ter levado as suas bodas de ouro há uma década, e por osmose o próprio clube, e toda a nossa comunidade, junto da população deste condado do centro da Califórnia. Foi a melhor forma de celebrarem os seus 50 anos. Espero que o façam agora em setembro (mês do certame da Feira) neste ano de 2024 enquanto ainda celebram o seu jubileu de diamante.
A melhor homenagem que podemos fazer à nossa terra e à nossa diáspora é celebrarmos as efemérides do nosso movimento associativo com brilho, mas sobretudo com visão e com olhos postos no futuro.