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OPINIÃO | Por mares partilhados: Poetas portugueses em tradução durante a Semana do Imigrante Português na Califórnia, por Diniz Borges

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“A poesia acontece quando uma emoção encontra 
o seu pensamento e o pensamento encontra palavras.” 
– Robert Frost

Traduzir poesia de português para inglês e trazer os poetas traduzidos para os Estados Unidos pode ser uma poderosa ponte entre culturas. A poesia, muitas vezes descrita como a linguagem da alma, tem um imenso significado cultural, refletindo as nuances da história, dos valores e das experiências de uma sociedade. A tradução da poesia portuguesa para inglês abre as portas a um manancial de tesouros literários que poderiam permanecer inacessíveis ao público de língua inglesa, e não apenas ao público de ascendência portuguesa – esse um milhão e pouco de pessoas com raízes em Portugal que nos Estados Unidos, a sua terra, ainda continuam ligadas à sua herança, mas não falam português. Estas traduções oferecem uma janela para a rica tapeçaria da cultura portuguesa e para a conformação como os poetas portugueses contemporâneos encaram a condição humana, permitindo aos leitores explorarem temas, emoções e perspetivas que transcendem as barreiras linguísticas.  Como já o disse, repetidamente, a língua portuguesa não pode ser barreira para a portugalidade e a açorianidade em terras norte-americanas. 

Trazer poetas traduzidos de Portugal para os Estados Unidos para um contacto direto com estudantes universitários e interagir com a nossa Diáspora cria oportunidades para um intercâmbio cultural significativo. Ouvir diretamente os próprios poetas acrescenta profundidade e autenticidade à experiência da leitura. Permite uma compreensão mais profunda do contexto cultural por detrás da poesia e oferece uma visão do processo criativo. Estas interações, como vimos com a presença de Ângela Almeida e Alberto Pereira na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno e no Berkeley City College, facilitam o diálogo e as ligações entre indivíduos de diferentes origens, promovendo a empatia, o respeito mútuo e o apreço pela diversidade.

Para os estudantes universitários, o encontro com a poesia portuguesa traduzida para a língua inglesa, e o contacto direto com os poetas pode ser uma experiência transformadora.  E assim aconteceu em todas as aulas.   Oferece uma oportunidade única para estes alunos alargarem a visão do mundo, desafiar os seus pressupostos e desenvolver uma apreciação mais profunda da interligação da humanidade. A exposição, com diversas perspetivas, através da poesia pode inspirar (e aqui na Califórnia vimos isso, diretamente) os alunos a pensarem de forma crítica, a cultivarem a empatia e a tornarem-se culturalmente muito mais ricos. A interação com poetas de Portugal proporciona aos alunos uma visão valiosa das complexidades da tradução, da linguagem e da própria arte da poesia.   Na universidade estadual da Califórnia em Fresno, cerca de 50 alunos puderam ouvir e participar na apresentação de Ângela Almeida sobre a história e a riqueza da poesia açoriana e a visão de Alberto Pereira sobre a poesia contemporânea e o que esta representa para ele.   

Trazer poetas traduzidos de Portugal para falar a estudantes universitários também tem o potencial de enriquecer o discurso académico e inspirar novas vias de investigação e estudo. Os académicos e os estudantes podem beneficiar do contacto direto com os poetas, conhecendo em primeira mão os seus processos criativos, influências e perspetivas. Estas interações podem desencadear colaborações interdisciplinares, conduzindo a abordagens inovadoras nos estudos literários, linguísticos e culturais. Acolher poetas traduzidos em campus universitários, como fez a Universidade de Fresno na semana passada, com o Reitor da Universidade, Saúl Jimenez-Sandoval a organizar um jantar com a administração, o corpo docente e membros da comunidade, aumenta a vitalidade cultural das comunidades académicas, fomentando um espírito de curiosidade, exploração intelectual e diálogo intercultural.

Para além do meio académico, a ligação de poetas traduzidos com a nossa Diáspora nos Estados Unidos pode promover o intercâmbio cultural e a compreensão a uma escala muito mais alargada. A poesia transcende as fronteiras, atingindo homens e mulheres com variadíssimas profissões e experiências. Ao trazer poetas portugueses para falarem em diversas comunidades, criámos oportunidades para que todos tenham a oportunidade de se interligarem aos temas e às emoções universais expressos na sua poesia. Isto aconteceu em Tulare através da colaboração da Tulare-Angra Sister City Foundation e da Califórnia Portuguese-American Coalition (CPAC), e em Modesto com a Portuguese Fraternal Society of America (PFSA) e a CPAC. Estas interações promovem um sentido de humanidade partilhada, reforçando os laços entre pessoas de diferentes origens culturais e promovendo uma sociedade mais inclusiva. 

Traduzir a poesia portuguesa e trazer os poetas para os Estados Unidos catalisa o enriquecimento cultural, o diálogo e a compreensão mútua.  Levá-los ao mundo académico e à diáspora, é “democratizar a cultura” como me afirmou tantas vezes o meu saudoso amigo e extraordinário poeta, Emanuel Félix.

E quem foram os poetas visitantes?

Nascida na ilha do Faial, mas tendo vivido a maior parte da sua vida na ilha de São Miguel, Ângela Almeida escreve com notável habilidade e sensibilidade. A sua poesia ressoa com o ritmo das ondas do Atlântico, o sussurro do vento, e as convulsões vulcânicas, através dos barcos e dos pássaros, é uma poesia arejada e requintada, continuamente preocupada com a experiência humana e os laços análogos que todos partilhamos. No coração das obras de Ângela Almeida está uma profunda preocupação com a condição humana, expressa através de temas de identidade, pertença, resiliência e as complexidades que nos unem e jamais nos devem separar. A obra de Ângela Almeida está patenteada com uma espécie de transbordamento espontâneo de sentimentos intensos que nos levam aos pináculos da criação literária, porque como escreveu John Keats: Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo.

A poesia de Ângela Almeida é um reflexo pungente das lutas e dos triunfos inerentes à jornada humana, repercutindo com os leitores a um nível profundamente pessoal. Através das suas imagens evocativas, do retrato empático da emoção humana e do compromisso inabalável para com a justiça social, a poeta recorda-nos a interligação que existe um pouco por todo o mundo entre todos os homens e todas as mulheres. A sua poesia convida os leitores a contemplarem as profundezas da condição humana, promovendo a empatia, a compreensão e um sentido renovado de solidariedade muito além das fronteiras e das culturas tradicionais. Porque como escreveu José Marti: Uma pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro.  Traduzida para inglês, a sua obra está agora disponível para um público alargado e, na verdade, para mais de um milhão e meio de americanos de ascendência portuguesa nos EUA e no Canadá que não falam nem leem português, mas que, como se disse, continuam ligados à sua herança.     

Nascido em Lisboa, a obra de Alberto Pereira reflete tanto a complexidade urbana do seu ambiente como a essência intemporal da experiência humana. Através de imagens vívidas e metáforas exuberantes, Alberto Pereira tece habilmente o íntimo e o universal numa simbiose perfeita, utilizando uma linguagem poética extremamente refinada. Os seus poemas convidam os leitores a refletirem sobre as suas experiências e emoções.   Com um olhar apurado para todos os pormenores e um profundo sentido de empatia, Alberto Pereira lança luz sobre as lutas dos marginalizados e dos desprivilegiados, dando voz àqueles cujas histórias poderiam, de outro modo, não serem ouvidas. A sua poesia é poderosa e única, constantemente requintada.  Tal como escreveu Pablo Neruda: A poesia tem comunicação secreta com os sofrimentos do homem.   

Através da tradução do seu trabalho para inglês e da sua publicação pela Bruma Publications e Letras Lavadas, a poesia de Alberto Pereira chegou aos leitores muito para além das fronteiras de Portugal, promovendo o diálogo e a apreciação interculturais. A sua visita aos Estados Unidos para falar a estudantes universitários e contactar com a nossa diáspora solidificou ainda mais o seu papel na poesia contemporânea portuguesa, fazendo a ponte entre culturas e promovendo uma compreensão muito mais profunda da experiência humana.   Através de uma poesia evocativa, Alberto Pereira convida os leitores a explorarem as funduras da alma humana, confrontando as complexidades da vida com coragem e compaixão. O seu trabalho poético é um farol de esperança e inspiração, recordando-nos o potencial transformador da poesia para nos ligar através das fronteiras (muitas criadas maliciosamente) e unir-nos na nossa humanidade comum. Porque como escreveu Teixeira Pascoes:   A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água.

O Instituto PBBI (Portuguese Beyons Borders Institute) da Universidade da Califórnia em Fresno está comprometido com programas desta natureza, que na realidade vieram dar uma lufada à tradicional, por vezes cansada e repetitiva: Semana do Imigrante Português na Califórnia.  A poesia é vital para o mundo. Celebra a nossa capacidade de criatividade, empatia e acoplagem, enriquecendo as nossas vidas com pulcritude, sentido e uma compreensão mais profunda de nós próprios e do mundo que nos circunda.  Garcia Lorca bem o dizia: Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.