“Retalhos Soltos” para a História do Concelho da Calheta (XII) | Recreio Topense – Fundada em 1955 assinala o 68º aniversário, por Paulo Teixeira
Em 1869, ainda a Vila Nova do Topo, vivia os últimos dias como sede de Concelho, quando se forma a primeira Banda Filarmónica sob o nome de Harmónica Topense, que mais tarde passaria a ser Recreio Topense e, definitivamente, Clube União, a partir dos anos de 1930.
É do seio do Clube União que em 1955 é (re)fundada a Recreio Topense. Refundada na medida em que no ano de 1897 é realizada uma Assembleia que conta com os sócios da Recreio Topense e do Clube União. Embora sejam poucos elementos, é relatado que a maior parte integra as duas sociedades. Resolvem, então, pela fusão das duas na sociedade Clube União que absorve ativos e passivos.
Mais tarde, a partir de 1910 volta a surgir a Recreio Topense pelo menos até 1921, mas para já não se encontrou dados que expliquem a razão e que parece manter-se em 1923 na cerimónia de homenagem a José Paulino da Silveira e Costa, quando uma das três coroas é oferta da Recreio Topense.
De alguma forma houve, no Topo, duas sociedades filarmónicas ao mesmo tempo no fim do século XIX, desconhecendo-se que tenham tido atividade em simultâneo o que na verdade se afigura muito improvável, considerando que os músicos e instrumental deveriam ser os mesmos.
Não deixa de ser, contudo, de assinalar que se houve um momento pacifico de união decidido em Assembleia Geral conjunta, houve, também, um momento de cisão, que nada teve de calmo e que gerou muita controvérsia por toda a freguesia, levando a que inclusive a figura central do Padre Brasil, natural do Loural, acabasse transferido para outra paróquia. Neste tempo até entre a membros da mesma família houve atritos, parece que até casamentos foram desmanchados.
As rivalidades saudáveis são revitalizantes. A verdade é que houve rivalidades que mexeram fortemente com a emoção das pessoas, desencadeando mais do que o sentido de adversário, mas uma autêntica visão bélica de inimigo, o que não raramente criou inimizades entre as pessoas assente num género de ódio à outra instituição.
Um exemplo aconteceu com meu pai e sua mãe. Meu pai vivia em Santo Antão e fez-se músico na Recreio dos Lavradores. Minha avó vivia no Topo e era uma entusiasta sócia/ simpatizante do Clube União. Meu pai teria uns 17 anos quando a Recreio Topense foi inaugurada e isto foi depois, penso que até depois de ter cumprido trinta e sies meses de serviço militar, ou seja, um homem maior de idade. Acontece que em determinado dia meu pai enfileirava a Recreio Topense, quando minha avó abeirando-se dele, enfia-lhe uma “chapada” (palmada) cara fora. A rivalidade podia despertar estes sentimentos.
Mas rivalidades tendem a esmorecer com os tempos, como aliás já se constata quando muitas pessoas, inclusive músicos, deixaram de ter a “sua banda” por única e convidam as duas a integrar as coroações nas festas do Espírito Santo. Ora, isto demonstra que o futuro caminho, em freguesias como Topo e Santo Antão, passará tal como em 1897 pela reunião das instituições, uma vez que começam a faltar fundamentos/ incentivos para sustentar a sua separação. Assim o exigirá o acentuado despovoamento e envelhecimento da população cada vez menos disponível; assim o justificará a gestão de dinheiros cada vez mais parcos.
Sem qualquer pretensão de vaticinar seja o que possa ser, mas a constatar a realidade, sobretudo numa zona como Topo e Santo Antão, que tem, seguramente, o maior número de bandas per capita, talvez no mundo inteiro, demanda um tratamento excecional. No passado procurei propor medidas que acautelassem a formação e rejuvenescimento como o desenvolvimento de uma experiência piloto na escola EBI do Topo, que tornasse obrigatória a formação musical em instrumentos de sopro e de cordas, com descriminação avaliativa positiva para quem integrasse uma filarmónica ou um grupo de folclore, etc., na ideia de que alguns alunos criariam gosto por se manter nas fileiras das bandas e dos grupos. Não fez eco e cá se trouxe dois secretários regionais, o que inclusive me custou o cargo de nomeação política. Não fez eco, não justificou o sacrifício e cada dia é um dia mais tarde.
Aproveito a comemoração do aniversário da atual Recreio Topense para fazer esta reflexão, na certeza de que é preciso pensar o futuro das bandas filarmónicas, urgentemente, particularmente nas mais pequenas localidades afetadas pelo despovoamento e envelhecimento da sua população.
Precisa pensar, se em zonas ímpares como Santo Antão e Topo, o município e a região querem continuar a sustentar a bandeira deste património único, de ter quatro bandas filarmónicas num espaço territorial específico, para o que então precisa criar medidas de descriminação positiva que ajude o seu rejuvenescimento e engrossamento de fileiras, até pela reintegração; para ajudar a sua sustentabilidade e garantir que a sua sobrevivência ganha tempo ao próprio tempo.
Tenho muito orgulho em dizer que na minha freguesia há duas filarmónicas; que na zona do Topo temos quatro filarmónicas e mesmo que temos sete filarmónicas num dos mais pequenos concelhos dos Açores, com cinco freguesias. Mas isso é pouco, tal como é pouco ouvir um ou outro governante dizer que é uma coisa extraordinária. Precisam-se medidas de exceção e concretas para preservar este excecional património.
Porque não criar regimes de compensação fiscal, local e regional, e/ ou de reforma para quem voluntariamente contribui para manutenção de instituições com semelhante utilidade pública? Grandes grupos financeiros têm grandes benefícios fiscais, sobre os quais ouvimos notícias do acumular de lucros anuais, que deixam qualquer trabalhador atordoado, quando temos um país com a maior carga fiscal da União Europeia, ainda que nos Açores o Governo Regional, liderado pelo PSD, tenha baixado impostos ao máximo legalmente permitido.
Lembrar que em 1955 a Recreio Topense teve como primeiro presidente o Senhor José Quadros Bettencourt, natural da ilha Graciosa, faroleiro de profissão e o homem que teve a coragem de montar uma empresa de baleação no Topo, onde foi um grande benfeitor para muitas famílias.
O Hino da Filarmónica é da autoria do Senhor Vasco Macedo, situação inclusive corrigida no artigo 150 da Musicografia de São Jorge, publicado no Diário Insular na década de 1980 da autoria de Rei Bori. Nesse primeiro momento foi a banda conduzida pelo Senhor João Vitorino, vindo a suceder o Senhor António Tomé Reis, Senhor Ilídio Brasil, Senhor José Octávio Reis, Mestre Eduardo Reis e Senhor António Mateus de Sousa, atual mestre, repetente no cargo e que assume a liderança da filarmónica.
Atualmente é Presidente o distinto Dr. Ricardo Matias, filho de outro presidente Manuel Matias. Recordemos o Senhor Geraldo Silveira e sobretudo o Senhor João Natal Lima que foi baleeiro, músico, presidente e pessoa conhecida por toda a ilha, chegando a ser vereador da Câmara Municipal da Calheta e cujos conhecimentos sempre me entusiasmaram nas conversas que com ele partilhei.
A filarmónica tem variadas digressões pelos Açores, ainda pelo continente português onde visitou Alter do Chão sob a presidência da Sra. Professora Paula Alexandra e a digressão aos Estados Unidos sob a presidência do Senhor José Dias e a filarmónica dirigida pelo mestre Eduardo Reis.
Registe-se outros presidentes desta instituição como os irmãos Paulo e Carlos Brasil, os Senhores Pedro Leonardes e José Octávio Reis, a Dona Nisalda e Dona Lisete que presidiu a uma direção exclusivamente constituída por mulheres.
Há pessoas que se destacam na vida de uma coletividade e na Recreio Topense é incontornável o Senhor Alfredo Cardoso, que nunca tendo assumido a presidência tem sido apoio de todas as presidências das últimas décadas.
O meu objetivo, com estes pequenos e incompletos retalhos sobre as filarmónicas é de procurar gerar algum entusiasmo para a recolha de mais dados que possibilitem fazer a História das filarmónicas calhetenses numa primeira fase.
Neste retalho em concreto acrescento a ambiciosa ideia de abrir a discussão das filarmónicas a meios mais fragilizados e onde a sua sobrevivência, apresenta maiores dificuldades, mas certamente possível de com políticas de apoio direcionadas para as suas dificuldades atenuar os seus problemas.
Tenho de lembrar José Andrade, atual Diretor Regional das Comunidades, que enquanto deputado, ainda que na oposição, foi dando atenção às filarmónicas e que fez um trabalho ímpar de correr cada cantinho dos Açores onde os instrumentos, ainda, se fazem ouvir. Quando lamentei a sua ausência das listas candidatas à ALRA, em que eu figurava em segundo lugar pela ilha de São Jorge, retorquiu “saio, mas vais tu para lá para continuar as defender as nossas filarmónicas”. Não aconteceu e creio que com a ausência de José Andrade as filarmónicas perderam a voz mais importante que no parlamento as mantinha vivas e defendia.
Para terminar lembrar que a Festa comemorativa dos 68 anos da Recreio Topense foi essencialmente um programa para os seus associados e simpatizantes partilharem e comemorarem a vida da instituição em que a filarmónica participou da procissão em louvor de Santa Cecília, fez concerto e atuou na igreja. Os parabéns e felicitação aos seus corpos gerentes, sócios e músicos que trabalham para que a sua filarmónica seja uma pujante força cultural.