DIÁSPORA

OPINIÃO | Parcídio Peixoto: um obreiro da memória da emigração portuguesa para França, por Daniel Bastos

O dirigente associativo Parcídio Peixoto (dir.), com o saudoso fotógrafo Gérald Bloncourt, aquando da sua condecoração em 2016 com a ordem de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
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Uma das marcas mais características das comunidades portuguesas espalhadas pelos quatro cantos do mundo é indubitavelmente a sua dimensão empreendedora, como corroboram as trajetórias de diversos compatriotas que criam empresas de sucesso e desempenham funções de relevo a nível cultural, social, económico, político e associativo.

Nestes vários exemplos, por exemplo, de dirigentes associativos da diáspora, cada vez mais percecionados como um ativo estratégico na promoção e reconhecimento do país, tem-se destacado, ao longo dos últimos anos, o percurso altruísta e dinâmico de Parcídio Peixoto.

Originário de Fafe, concelho localizado na região do Baixo Minho, Parcídio Peixoto, nasceu em 1948 no seio de uma família modesta de agricultores. Contexto que concorreu para que em 1965, tenha partida a “salto”, expressão muito utilizada na época para descrever a emigração clandestina, em direção à França, na esteira de milhares de compatriotas, que nos anos 60, impelidos pela miséria rural, e a fuga ao serviço militar e à Guerra Colonial, demandaram melhores condições de vida na pátria gaulesa.

Na região parisiense, onde constituiu família e desenvolveu a atividade profissional em diversas áreas, embrenhou-se ativamente no movimento associativo da comunidade lusa, onde se tornou uma figura grada, assim como das autoridades locais e portuguesas.

Antigo tesoureiro da Federação das Associação Portuguesas em França, e do Conselho das Comunidades Portuguesas, a Parcídio Peixoto se deve um contributo importante na aproximação do saudoso fotógrafo franco-haitiano Gérald Bloncourt (1926-2018), fotógrafo que imortalizou a emigração portuguesa para França, à comunidade portuguesa. Que desse modo, redescobriu no alvorecer do séc. XXI o seu valioso trabalho e espólio, fundamentais para uma melhor compreensão e representação do nosso passado recente.

Foi na sequência do seu ativismo sociocultural dinamizado na Amicale Culturelle Franco-Portugaise Intercommunale de Viroflay, nos arredores de Paris, que foi desencadeada a doação, em 2009, de mais de uma centena de fotografias originais de Gérald Bloncourt, com quem mantinha uma relação de amizade bastante estreita, ao Museu das Migrações e das Comunidades, sediado na sua terra natal, e que se assume como um centro de encontro e preservação de memória da emigração portuguesa.

O seu trabalho persistente de resgate da memória da emigração portuguesa para França, levou-o a fundar há uma década a Associação Memória das Migrações, estabelecida no território gaulês, e que tem desde então realizado um trabalho articulado, com o Museu das Migrações e das Comunidades, na recolha de documentos e testemunhos dos portugueses que saíram de Portugal nos anos de 1960-70 e ainda continuam a deixar Portugal. Em Maio de 2013, foram assinados protocolos com o Consulado Geral de Portugal em Paris, o Museu das Migrações e das Comunidades e a Associação Memória das Migrações, no sentido da recolha de documentos, objetos e histórias de vida ligados às migrações dos portugueses para França.

Esta profunda ligação à preservação da memória da emigração portuguesa para França, mas também às suas raízes, concorreu para que em 2018 tenha estado patente, no verão de 2018, na Sala de Visitas do Minho, uma exposição fotográfica e documental “Racines – Les Amours suspendus”, enquadrada nas comemorações do Centenário da Batalha de La Lys (9 de abril de 1918) e do termo da I Guerra Mundial (1914-1918).

A sua estreita ligação a Gérald Bloncourt, concorreu para que no ocaso de 2019, tenha sido um dos principais dinamizadores da homenagem póstuma, promovida pela comunidade portuguesa, ao fotógrafo franco-haitiano no Museu Nacional da História da Imigração de paris.

Figura grada da comunidade portuguesa em França, a dedicação laboriosa do emigrante e dirigente associativo Parcídio Peixoto, inspira-nos a máxima de José Saramago, o único Nobel da Literatura em língua portuguesa: “Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir”.

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.